Novo Código Civil pode mexer com regras de herança. Foto: Adobe Stock
O Projeto de Lei nº 4 de 2025, que busca estabelecer um novo Código Civil no Brasil, começou a tramitar no Senado no início deste ano. Embora ainda precise ser aprovado pelo Congresso Nacional – o que, segundo advogados, deve levar tempo –, o texto já tem gerado debates, especialmente em relação às mudanças nas regras de herança.
Silvia Felipe Marzagão, sócia do escritório Silvia Felipe Marzagão e Eleonora Mattos Advogadas, explica que o Código Civil regula diretamente a vida de uma pessoa desde o nascimento até a morte, por isso sua atualização costuma ser um processo demorado.
“Estão tentando dizer que o projeto é uma reforma do Código Civil. Acredito que o termo ‘reforma’ não é o mais adequado, já que o texto não prevê ajustes pontuais, mas sim mudanças significativas no Código”, afirma.
Uma das principais alterações propostas envolve a área de sucessão de bens. O texto quer mexer tanto na parte legítima da herança – a metade do patrimônio total do falecido –, quanto em conceitos mais amplos, como o de herança digital, que envolve contas em redes sociais, domínios em sites, criptoativos e até mesmo milhas deixadas por uma pessoa.
Cônjuge de fora do rol de herdeiros necessários
Uma das mudanças mais polêmicas é a exclusão dos cônjuges e companheiros do rol de herdeiros necessários – título dado a quem tem direito obrigatório à parte legítima da herança.
Atualmente, além dos parceiros, os ascendentes – como pais, avós e bisavós – e os descendentes – como filhos, netos e bisnetos – de uma pessoa também são considerados herdeiros necessários.
A outra metade da herança, chamada de disponível, pode ser distribuída conforme a vontade expressa no testamento, ao contrário da parte legítima, que não pode ser retirada do herdeiro necessário, exceto em casos graves, como nas situações em que a pessoa é violenta com o titular dos bens.
A proposta de excluir os cônjuges da parte legítima da herança gera controvérsia entre especialistas da área, como mostramos nesta matéria. Enquanto alguns entendem que a medida pode garantir maior liberdade no planejamento sucessório, outros enxergam que a mudança coloca em risco principalmente a figura feminina da relação.
Criação do “super herdeiro”
Uma das novas possibilidades é destinar até um quarto da parte legítima da herança para descendentes e ascendentes que sejam considerados vulneráveis ou hipossuficientes – ou seja, que não têm recursos suficientes para se sustentar.
“Na prática, o autor da herança poderia, por testamento, favorecer um dos herdeiros necessários em detrimento dos demais em até 25% da parte reservada, se justificar que aquele é mais necessitado”, explica Max Bandeira, sócio do Bandeira Damasceno Advogados.
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Para Marzagão, do escritório Silvia Felipe Marzagão e Eleonora Mattos Advogadas, a proposta, que cria uma espécie de “super herdeiro”, traz uma grande subjetividade, o que pode provocar mais disputas judiciais. “Não está claro o modo como a pessoa poderia provar que o herdeiro é hipossuficiente, por exemplo”, explica.
Flexibilidade na partilha de bens
Caso o projeto avance, o testador poderá indicar, com mais liberdade, como dividir os bens da parte legítima da herança entre os herdeiros necessários, desde que respeitados os limites e as proporções estabelecidos em lei. A medida traz maior flexibilidade ao processo sucessório.
“Dessa forma, o autor da herança, em testamento, poderá indicar quais bens ou percentuais caberão a cada herdeiro necessário, em vez de deixar a partilha da parte legítima totalmente a cargo da legislação ou de um eventual acordo entre os herdeiros”, explica Bandeira, sócio do Bandeira Damasceno Advogados.
Novos herdeiros legítimos
Gabriele Carvalho Stezoucoski, do Lassori Advogados, destaca que uma outra novidade envolve os herdeiros legítimos – aqueles que têm direito à herança com base no grau de parentesco com o falecido.
“A estrutura da sucessão hereditária sofre relevante modificação ao reconhecer como herdeiros legítimos os filhos gerados por meio de reprodução assistida após a morte do genitor”, afirma.
Paralelamente, a advogada explica que o projeto prevê a possibilidade de excluir da sucessão os herdeiros que tenham negligenciado o falecido ou deixado de prestar o devido amparo durante sua vida.
Herança digital
O novo Código Civil pode trazer ainda diretrizes para a transmissão de ativos digitais, garantindo que os herdeiros possam acessar e gerir conteúdos de valor econômico.
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Como explicamos nesta reportagem, a nova legislação deve proporcionar maior segurança aos familiares. A ideia é garantir de que, quando se tratar de uma herança digital de caráter econômico, isso seja prontamente considerado um bem integrante da herança como todos os demais bens.
Com isso, o Código Civil pretende eliminar a necessidade de comprovar judicialmente que determinado ativo digital faz parte da herança — uma exigência que hoje ainda gera disputas frequentes na Justiça.