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- Os problemas da zona do euro não desapareceram, mas são menos complicados hoje do que eram no passado
- A região provavelmente terá um bom desempenho quando a retomada econômica finalmente começar
(The Economist) – Dois homens estão sentados em mesas contíguas num restaurante. Um deles fala com entusiasmo – sobre viagens de trem, mulheres, moralidade, encarar riscos, viver um dia de cada vez. O outro escuta, hipnotizado. “Quando você morrer, vai se arrepender das coisas que não fez”, diz o prolixo. A cena prossegue, o homem falante solta um suspiro, faz uma pausa e oferece um drinque ao novo amigo. Em seguida, coloca um mapa sobre a mesa. “Isso aqui é um pedaço de terra”, diz ele. “Agora preste atenção ao que vou dizer”.
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O protagonista dessa cena é Richard Roma, o vendedor assertivo de “Glengarry Glen Ross”, peça de David Mamet adaptada para o cinema com o título “Sucesso a Qualquer Preço”. Com essa conversa, Roma convence um estranho a comprar um terreno vazio. O personagem vem à mente na hora de considerar a possibilidade de investir em ações da zona do euro.
A frase “é hora de comprar papéis europeus” pode suscitar o mesmo tipo de alerta que um convite para adquirir um lote pantanoso na Flórida. Em ambos os casos, é aconselhável usar técnicas oblíquas e indiretas de convencimento – mesmo que agora seja um momento mais propício do que outros para sugerir um negócio como esse.
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Como será que um vendedor eloquente como Ricky Roma defenderia a compra de ações europeias? A estratégia mais importante seria não exagerar nos elogios ao produto. A Europa se transformou pouco. O cerne do argumento, porém, seria a ideia de que as coisas não estão tão ruins quanto se imagina.
Os problemas da zona do euro não desapareceram, mas são menos complicados hoje do que eram no passado. A região provavelmente terá um bom desempenho quando a retomada econômica finalmente começar – e talvez essa justificativa seja suficiente para fechar negócio.
Se há uma coisa que a zona do euro produziu em abundância são livros e artigos sobre a natureza inacabada do bloco. A União Europeia é monetária, mas não política. O mercado comum é fragmentado nos setores de serviços e bancos. Decisões sobre impostos e gastos são tomadas individualmente pelos países.
Apesar disso, algumas mudanças ocorreram. O Banco Central Europeu de hoje se parece bem mais com suas instituições irmãs do que nos idos de 2010. À semelhança de outros BCs, o órgão europeu está relativamente comprometido com a reflação. A influência agressiva da Alemanha na estrutura da entidade diminuiu, e a pandemia está curando questões relacionadas ao estímulo fiscal. O fundo de recuperação da União Europeia (UE) é um passo rumo a uma política tributária compartilhada pelo bloco. Não é um passo imenso, mas já é alguma coisa.
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O mercado acionário da zona do euro tem uma fraqueza em sua composição: ele é formado por poucas empresas digitais do futuro e muitas empresas industriais do passado. Só que o tempo se encarregou de mudar também isso. Após anos de desempenho abaixo da média, no início do segundo semestre de 2020 os bancos e empresas de energia da Europa viram sua participação na capitalização do mercado reduzida a 10%, de acordo com Graham Secker, do Morgan Stanley.
Já o setor de tecnologia tornou-se o maior do índice Euro Stoxx 50, ocupando uma fatia de 14%. No velho continente, o mercado público de capitais é ainda mais cíclico que nos Estados Unidos. Mesmo assim, não se pode mais acusar a Europa de ser solo estéril para a tecnologia. Investidores do mercado de capital de risco estão animados com a força da nova linhagem de startups de software da Europa continental.
De todo modo, o interesse pelos papéis mais cíclicos, atrelados à velha economia, também tem aumentado. Há quem diga que, de maior perdedora diante da pandemia, a Europa será a grande beneficiada pela reabertura. Mislav Matejka, do JPMorgan, diz que a previsão de crescimento do lucro por ação para 2021 chega a 50% para o Euro Stoxx.
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É verdade que um único movimento de retomada pode não ser tão impressionante assim. Mas existem bons argumentos para afirmar que os papéis da zona do euro têm chances de se manter atraentes para além de 2021 – ou que essa “estrada é mais longa”, nas palavras de Graham Secker. O efeito de estímulo trazido pelo fundo de recuperação da UE provavelmente só será sentido a partir de 2022. À medida que a retomada econômica global ganhar impulso, os investidores vão se preocupar mais com a alta da inflação. E talvez isso favoreça uma inclinação mais duradoura aos papéis cíclicos.
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Mas por que então não optar por simplesmente comprar ações de mercados emergentes? Essa estratégia também alocaria investimentos em empresas que se beneficiam de uma melhora na economia; também franqueia acesso a muitas companhias de tecnologia; e ainda por cima colhe os frutos de um dólar fraco – conjuntura que costuma ser útil para o custo do financiamento nas economias em desenvolvimento.
Sim, é verdade que muita gente prevê um dólar ainda mais frágil do que está agora. Mas e se isso não acontecer? E se o retorno dos títulos do tesouro americano subir rapidamente? Seria uma combinação traiçoeira para os mercados emergentes, e a Europa se apresentaria como uma aposta mais segura. (Um vendedor com o estilo de Ricky Roma diria que não é preciso escolher: compre um pouquinho de cada um.)
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No mantra de Ricky e seus colegas vendedores, “o que importa é fechar negócio”. Naturalmente, é mais difícil fazer isso quando a história não é “está tudo ótimo”, mas sim “as coisas estão melhores do que costumavam ser”. Em se tratando da zona do euro, porém, esse argumento de vendas é mais do que bom – por mais estranho que possa parecer. Afinal de contas, ele será usado num cenário de reabertura.
(Tradução: Beatriz Velloso)