- O mercado de capitais brasileiro conseguiu uma captação recorde no primeiro trimestre do ano graças ao desempenho da renda fixa, em especial das debêntures
- O boom dos títulos de dívida privada fazem parte de um movimento positivo em toda a classe de crédito privado, que estão recebendo um maior fluxo de investidores após restrições do CMN a títulos isentos
- Especialistas destacam que as debêntures podem ser boas opções de investimento na renda fixa, mas é preciso escolher bem os emissores e os prazos
O mercado de capitais brasileiro conseguiu uma captação recorde no primeiro trimestre do ano graças ao desempenho da renda fixa. Segundo dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), as ofertas da classe totalizaram R$ 114,1 bilhões, o maior patamar registrado em um primeiro trimestre na série histórica e quase o dobro do contabilizado no mesmo período do ano anterior.
Olhando para dentro da renda fixa, foram as debêntures que lideraram esse movimento, com um salto de R$ 71,9 bilhões nos três primeiros meses de 2024 – uma alta de 94% em comparação ao volume de captação registrado no mesmo período de 2023.
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O boom vivido pelos títulos de dívida privada faz parte de um movimento maior do mercado de crédito brasileiro. Em um momento de resgates gerais na indústria de fundos, investidores têm migrado para fundos de crédito, como contamos aqui. Os FI-Infras, conhecidos pelos dividendos e isenção de Imposto de Renda, também chamam a atenção; leia mais nesta outra reportagem.
A migração de investidores para ativos como debêntures ou fundos de crédito privado é resultado de uma conjunção de fatores. Para Marcelo Michaluá, sócio-fundador da RB Asset, esse movimento começou com a taxação dos fundos exclusivos, aprovada ao final de 2023, que fez com que o capital fosse direcionado para alternativas de investimento que permaneciam isentas de imposto. No fim de fevereiro, no entanto, quando o Conselho Monetário Nacional (CMN) mudou as regras para restringir a emissão de CRIs, CRAs, LCIs e LCAs, as debêntures despontaram.
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“Com a resolução do fim de fevereiro, ofertas e emissões novas desses ativos já estão menores”, destaca Michaluá. “Esses recursos passaram também a procurar novos ativos incentivados, onde a debênture incentivada de infraestrutura foi o grande destaque. Virou a rainha do baile.”
Segundo a Anbima, as debêntures incentivadas tiveram seu melhor primeiro trimestre de ano de toda a série histórica, com uma captação de R$ 19,9 bilhões. Somente o mês de março, o primeiro logo após as restrições do CMN, foi responsável por R$ 11,4 bi.
Do lado dos emissores, o aumento da demanda por esses títulos reduz os prêmios. Assim, fica mais barato ir a mercado em busca de financiamento, o que também explica parte da alta na captação no trimestre. “Houve um fechamento expressivo dos prêmios de crédito e hoje é normal ver emissores que até janeiro/24 emitiam a um prêmio de aproximadamente NTN-B+0,50% emitindo a prêmios como NTN-B + 0%”, diz Gustavo Saula, analista de investimentos na Solutions MFO; do Grupo SWM. “Isso incentiva emissores que possuem lastro disponível a emitirem novas dívidas, devido ao custo levemente mais barato do que tinham antes.”
Vale a pena investir? Entenda os riscos
As debêntures são títulos de dívida privada emitidos por uma empresa de capital aberto para financiar a execução de projetos ou outros investimentos. Na prática, funcionam como um “empréstimo” concedido pelo investidor em troca de uma remuneração futura de juros na data do vencimento do ativo. As debêntures incentivadas são aquelas emitidas por empresas que estão captando recursos para projetos ligados à infraestrutura; neste caso, o governo concede um benefício fiscal que é repassado a investidores pela isenção de cobrança de impostos.
“São um excelente veículo dado as altas taxas de juros básicas no Brasil, a recorrência dos juros, a possibilidade de venda antecipada no mercado secundário e a isenção fiscal”, diz Kaique Fonseca, economista e sócio da A7 Capital.
Ainda assim, segundo os especialistas, as debêntures são opções mais adequadas para investidores com certo nível de conhecimento a respeito do mercado, dado que costumam ser ativos de vencimento mais longo e expostos a riscos mais elevados do que os títulos públicos, de risco soberano, ou títulos bancários como CDBs, que possuem a cobertura do Fundo Garantidor de Crédito (FGC).
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Gustavo Saula, do Grupo SWM, elenca três riscos principais que precisam ficar no radar: o risco de crédito, relacionado a capacidade de pagamento do emissor; o risco de mercado, relacionado a fatores macroeconômicos; e o risco de liquidez, relacionado a capacidade do investidor vender sua posição a um preço justo no mercado. “Para os investidores mais conservadores, é recomendado investir no mercado de debêntures através de nomes mais conservadores, de emissores AAA com solidez financeira, ou através de fundos de debêntures de infraestrutura, que possuem uma carteira de crédito diversificada”, explica.
Uma forma de mensurar o risco de crédito de determinado emissor é acompanhar os relatórios de agências de ratings, que classificam as empresas a partir da sua qualidade. Veja aqui as empresas mais confiáveis do País. Geralmente, um rating AAA descreve um emissor com boa qualidade de crédito, um bom pagador e, portanto, menos arriscado. “Ainda assim, é importante o investidor conhecer a empresa em que está investindo, mesmo que a empresa tenha rating”, ressalta Saula.
Feita a seleção a partir dos emissores, também é preciso ficar atento aos prazos de vencimentos dos ativos. Caso o investidor precise vender a posição, é possível negociar as debêntures no mercado secundário com certa liquidez. Mas, neste caso, o preço do papel pode variar de acordo com o cenário; e quando maior for o prazo, maior será a volatilidade.
As taxas oferecidas também precisam ser avaliadas em comparação a de outros papéis de setores, risco e prazos parecidos. No geral, por serem títulos privados, esses ativos devem ser negociados a retornos mais elevados do que o dos títulos públicos para compensar o investimento. “Uma vez que esses papéis usualmente são indexados pela inflação, o investidor deve comparar com relação ao que está pagando o papel do Tesouro – risco soberano refletido pela curva da NTN-B (Tesouro IPCA+)”, destaca Marcelo Michaluá, da RB Asset.