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- Depois de realizar pelos menos nove IPOs nos últimos cinco anos, a Rocket Internet – uma fábrica de startups – declarou no início de setembro que, “para a companhia, é melhor não ter ações negociadas em bolsa”
- Este ano, apenas 16 companhias europeias do setor venderam ações – maior baixa em uma década, de acordo com dados compilados pela Bloomberg
(Swetha Gopinath e Myriam Balezou / Bloomberg) – No mundo inteiro, as ações de empresas de tecnologia estão batendo recordes históricos e ganhando as manchetes com aberturas de capital bilionárias. Na Europa, porém, a notícia mais importante do setor nos últimos tempos é de uma companhia que quer sair da Bolsa.
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Depois de realizar pelos menos nove IPOs nos últimos cinco anos, a Rocket Internet – uma fábrica de startups – declarou no início de setembro que, “para a companhia, é melhor não ter ações negociadas em Bolsa”. A justificativa para a decisão é velha conhecida: o acesso a recursos privados é tão fácil que não há necessidade de vender papéis no mercado público.
O anúncio é mais um golpe contra a indústria de tecnologia na Europa. Os investidores lamentam a escassez de pesos-pesados europeus para enfrentar gigantes americanos como Apple e Alphabet Inc., a dona do Google. E não há qualquer sinal de que a região seja capaz de produzir um exemplar desse calibre num futuro próximo.
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A Europa convive com uma carência de empresas de tecnologia, cuja consequência são menos unicórnios e startups. Mesmo as que nascem no Velho Continente acabam encontrando nos Estados Unidos seu maior mercado. É o que aponta Aukse Jurkute, diretora do Bank of America responsável pelo mercado acionário de tecnologia na Europa, Oriente Médio e África.
Este ano, apenas 16 companhias europeias do setor venderam ações – maior baixa em uma década, de acordo com dados compilados pela Bloomberg. Essas vendas arrecadaram US$ 650 milhões, um trocado em comparação com os US$ 9,2 bilhões obtidos nos Estados Unidos e os US$ 23 bilhões da Ásia, conforme mostra o mesmo levantamento.
E mais: investidores privados endinheirados compraram muitas empresas candidatas a IPOs. Ao fazê-lo, jogaram para cima o valor atribuído às companhias que não estão em bolsa. Nesse meio tempo, o mercado acionário europeu virou a cara para os preços altos.
O abismo nos valores de mercado das empresas é ainda mais acentuado quando comparado a Estados Unidos e Ásia, o que torna as aberturas de capital do lado de lá do Atlântico ainda menos atraentes.
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“Se a Tesla fosse vendida em bolsas europeias, seria negociada por metade ou até 20% do valor atual”, diz Shaunak Mazumder, gestor de fundo na Legal & General Investment Management. Os investidores americanos compreendem o poder de ideias capazes de sacudir o mercado e “já viram esse filme”, enquanto os fundos europeus privilegiam o lucro em detrimento da inovação, afirma Mazumder.
Muitos investidores que trabalham exclusivamente com tecnologia nos Estados Unidos são profundos conhecedores desse nicho, e têm a seu lado colegas de perfil semelhante e ações disponíveis no mercado. “Isso não significa que é impossível ter uma boa avaliação de valor na Europa”, acrescenta o gestor.
Há um pedaço do mundo tech com bons resultados no mercado europeu: empresas na intersecção entre tecnologia e serviços financeiros. Em 2019, grandes processos de abertura de capital realizados no continente vieram de negócios de processamento de pagamentos, como Nexi SpA e Network International Holdings. No dia 1º de setembro, a fintech Unifiedpost Group SA anunciou planos de abrir capital na Euronext de Bruxelas, com uma expectativa de arrecadar até 212 milhões de euros (cerca de US$ 252 milhões).
Mesmo assim, as bolsas europeias não costumam ter regras que protejam os fundadores das empresas e lhes garantam direito a voto – o que leva algumas companhias de tecnologia a buscar outras paragens. Recentemente, a Spotify Technology SA (serviço de streaming nascido na Suécia) e a Farfetch Ltd. (varejista tech britânica) decidiram fazer IPOs nos Estados Unidos.
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A tendência não passa desapercebida. Reguladores europeus tentam impulsionar as aberturas de capital do setor e oferecem ajuda para startups em meio à pandemia. A França, por exemplo, estabeleceu um fundo de socorro no valor de 4 bilhões de euros, voltado a pequenas empresas nacionais de tecnologia; já a Alemanha estuda um pacote de ajuda para a área.
Além disso, alguns sinais sugerem que as bolsas europeias podem se tornar mais flexíveis. O Hut Group Ltd., que vende produtos de beleza pela internet, vai abrir capital em Londres com uma estrutura que dará ao fundador e CEO Matthew Moulding ações preferenciais de classe especial, ou “golden shares”. Com isso, Moulding terá direito a vetar qualquer tentativa de aquisição hostil por um prazo de três anos.
Aukse Jurkute, do Bank of America, ressalta que são esperados “vários IPOs de porte considerável” na região para os próximos 12 meses. “A pandemia de coronavírus beneficiou muitas empresas de software, segurança, e-commerce, fintechs e outras, e por isso elas estão acelerando seus cronogramas de abertura de capital”, prossegue ela.
Entre as europeias que entraram na fila do IPO estão a Allegro, gigante polonesa de e-commerce, e Darktrace, companhia britânica de cibersegurança. A sueca Klarna Bank AB, do setor de pagamentos, também anunciou que se prepara para emitir ações nos próximos meses.
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(Tradução: Beatriz Velloso)