O que este conteúdo fez por você?
- Marilia Fontes é sócia-fundadora da Nord Research, casa de análise de investimentos independente, e também colunista no E-Investidor
- Com mais de uma década de experiência no mercado financeiro, a especialista acredita que não será possível manter a Selic em 2% em 2021
- Ela diz ainda que a questão fiscal e a inflação devem estar no radar do investidor
Nesta quarta-feira (16), o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central decidiu pela manutenção da taxa básica de juros em 2%. O resultado vem em linha com o consenso do mercado, de manutenção do valor até o final de 2020. A própria instituição havia divulgado na ata da última reunião, no dia 5 de agosto, que eventuais novos cortes ocorreriam de forma mais espaçada para acompanhar o desempenho da economia – na época, o Comitê reduziu a Selic em 0,25%, levando-a à mínima histórica atual.
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Porém, na visão de Marilia Fontes, sócia-fundadora da Nord Research – casa independente de análise de investimentos – e colunista do E-Investidor, o Banco Central não deve conseguir manter a taxa de juros em patamares tão baixos por um longo prazo.
“Se o governo não endereçar o risco fiscal, não importa o forward guidance [prescrição futura], nem se o BC quiser deixar a Selic baixa por muito tempo, pois não vão conseguir”, afirma ela.
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Segundo a especialista, a trajetória da taxa de juros para 2021 é ascendente. Ela afirma ainda que o investidor brasileiro deve ter sempre a inflação no radar e precisa estar ciente de que só apostar em títulos IPCA+ pode não ser o bastante para proteger a carteira de um eventual processo inflacionário.
Para o E-Investidor, Fontes comentou a decisão do Copom, as estratégias para a renda fixa e os riscos para a Bolsa. Leia na íntegra:
E-Investidor – Na sua visão, manter a taxa de juros em 2% é mesmo o melhor caminho ou há espaço para alterações?
Marilia Fontes – O Banco Central (BC) está pensando em usar o forward guidance [orientação futura] feito pelo FED [banco central americano] lá fora, que é dar uma noção de como a taxa de juros vai ficar no futuro também. Geralmente os bancos centrais fazem isso quando não querem mais cair a taxa. Falam que a taxa de juros vai ficar baixa por muito tempo, aí a curva de juros reprecifica as expectativas, fazendo com que a taxa dos vencimentos mais curtos caiam. E a ideia é que caiam os vencimentos mais longos também, porque a média vai ser menor se cair o curto.
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Para mim, o BC manter a taxa Selic estável está em linha com o discurso que vêm fazendo. Além disso, estamos vendo os preços de atacado subindo bastante nos IGPs, o que deve trazer mais cautela ao BC, impedindo mais cortes. Estamos vendo também instabilidade nos mercados, nos títulos públicos, dificuldade de rolagem da dívida, um aumento dos prêmios dos títulos e uma grande oscilação cambial. Enfim, tudo isso joga contra o balanço de riscos e vai segurar a queda da Selic. E eu acho que essa situação é razoável com o discurso que o BC vem colocando.
E-Investidor – O Banco Central vai conseguir manter a Selic baixa e influenciar a curva de juros?
Fontes – O BC vai tentar manter a Selic baixa por bastante tempo para tentar influenciar a curva de juros, mas acho que ele não vai conseguir. Até porque o mercado não está olhando tanto para a inflação agora, mas sim para o risco fiscal. Se o governo não endereçar o risco fiscal, não importa o forward guidance, não importa o BC querer deixar a Selic baixa por muito tempo, não vão conseguir.
E-Investidor – O que aconteceria se o BC surpreendesse e optasse por mais um corte na Selic no futuro?
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Fontes – O impacto de um corte seria uma desvalorização cambial grande, no patamar de 2% e uma inclinação da curva de juros. Quer dizer, o juro curto vai cair um pouco e o longo vai subir, porque aumentaria o risco de inflação e, com isso, o risco de instabilidade. Então, o mercado imagina que a economia está caindo agora mais do que deveria e por conta disso, lá na frente, o BC teria que subir os juros muito mais do que gostaria.
E-Investidor – É no caso de o BC subir a taxa de juros?
Fontes – Aí veríamos uma valorização cambial, a curva longa cairia e o juro curto subiria razoavelmente, porque o mercado não está esperando por isso. Seria uma surpresa e não acho que seria necessariamente bom. As projeções de crescimento teriam que ser revisadas para baixo. Por exemplo, uma coisa que poderia sofrer muito se o BC subisse a Selic é a Bolsa de Valores, que veio performando muito bem em um cenário de queda de juros. Subir a Selic em uma época de baixo crescimento desfavoreceria a Bolsa.
E-Investidor – Quais as melhores estratégias em renda fixa em cada um desses cenários?
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Fontes – Para o cenário de corte na Selic, o melhor seria apostar em um prefixado. O recomendado para o investidor seria, por exemplo, aquela ETF da Mirae Asset de Renda Fixa, o Fixa 11, para tentar ganhar com marcação a mercado. Em caso de alta, eu usaria o próprio pós-fixado do Tesouro Selic. E para manutenção, como já é o que o mercado espera, nenhum ativo vai ganhar muito com isso, então o investidor pode usar o Tesouro Selic também, como manutenção de rentabilidade.
E-Investidor – O que podemos esperar da Selic para 2021?
Fontes: Alta. Eu acho que a Selic é daqui para cima. O BC pode tentar até segurar em 2% o máximo que conseguir, vai depender da inflação e da questão fiscal, mas eventualmente em algum momento do ano que vem vai ter que subir.
Pode ser no segundo trimestre ou, até, no terceiro, se a inflação estiver tranquila, mas vai ter de começar a subir. Hoje estamos abaixo do juro neutro [a taxa adequada ao País], porque temos uma crise. Então, o Banco Central consegue ficar com juro baixo porque a economia está muito fraca, tem capacidade ociosa nas indústrias etc.
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Entretanto, se tivermos recuperação econômica, vai ter que subir a Selic e jogar de novo para o juro neutro, que, segundo os economistas que fazem essas estimativas, está em torno de 6,5% a 7% no Brasil. O Banco Central vai ter que ir subindo os juros devagar para voltar para esse patamar.
E-Investidor – Há alguma chance de voltarmos para os juros de dois dígitos no médio prazo?
Fontes – Eu acho que voltaríamos a ter juros de dois dígitos se acabássemos com o teto de gastos. Nesse caso, a dívida entraria em uma trajetória explosiva e voltaríamos para esse nível, como em 2015 e 2016. Fora isso, acho que não, até porque fizemos reformas estruturais importantes. O próprio teto de gastos é uma delas, que fez o País mudar o patamar de taxas de juros.
E-Investidor – Com a alta nos preços dos alimentos, o investidor deve se preocupar com a volta da inflação?
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Fontes – No Brasil, sempre temos que nos preocupar com a inflação. Tivemos um período recente de inflação baixa, que foi seguido por crescimento baixo, uma capacidade ociosa bem grande, e claro, reformas liberais. Então, tudo isso propiciou um período de inflação baixa.
Mas ainda temos vários gargalos, em infraestrutura, produtividade e abastecimento, por exemplo. Então, qualquer choque pode, sim, causar inflação. Temos uma economia ainda muito indexada, com uma série de contratos no País que são atrelados à inflação. Temos que tomar muito cuidado com essa questão.
Essa alta enorme nos preços de atacado, nos alimentos e alguns insumos, por exemplo, deve ser acompanhada de lupa. Ao mesmo tempo, vemos uma queda muito importante dos preços de serviços. Então, está tendo uma troca, uma realocação de preços na economia, mas isso pode não se sustentar. Essa pode ser a primeira fagulha de um processo inflacionário.
E-Investidor – Qual é a melhor forma de proteger a carteira com a inflação no radar?
Fontes – Contra a inflação, a melhor forma de proteger os investimentos é comprando ativos reais. Então, por exemplo, pode-se aplicar em imóveis, ouro e algumas empresas da Bolsa que conseguem repassar a inflação, como as do setor imobiliário. Um grande problema de se proteger da inflação utilizando um título IPCA+ é que se a inflação aumentar a ponto de subir também a expectativa do mercado a respeito da taxa de juros, o título IPCA+ pode gerar prejuízo.
Aconteceu isso, por exemplo, entre 2013 e 2015. A inflação começou a acelerar na época da [ex-presidente] Dilma, quando Alexandre Tombini [ex-presidente do BC] estava no Banco Central, chegando a bater 10,5% em 2015. Nesse período, quem tinha um título IPCA+ teve prejuízo, porque as taxas de juro real subiram. As pessoas têm uma ideia errada de que o título IPCA+ protege contra a inflação, mas isso não necessariamente é verdade.
E-Investidor – Qual é o maior risco que você enxerga para a economia?
Fontes – Com certeza é o risco fiscal. Por conta da pandemia, tivemos que fazer gastos enormes. A duras penas, aprovamos a Reforma da Previdência, que em dez anos economizaria R$ 800 bilhões, mas gastamos essa quantia em menos de um ano durante a pandemia.
Agora temos que endereçar como faremos para pagar essa dívida que estamos emitindo. Estamos chegando a quase 100% do PIB de dívida bruta e, por enquanto, não estamos sentindo os gastos públicos porque a Selic está baixíssima. Logo, o custo da dívida caiu muito, mas não vai ficar baixo para sempre. Não somos a Suíça e nosso juro não é 2%.
Quando a Selic voltar a subir, o custo dessa dívida vai ficar enorme para os cofres públicos. O cobertor é curto: se a gente paga mais na dívida, temos que pagar menos em outra coisa. Tanto o governo como o Congresso estão com muita dificuldade de cortar. É um cenário muito difícil. E se não tem redução de gastos, tem aumento de impostos, o que é terrível para o crescimento.