- Índice japonês Nikkei desabou 12,4% em Tóquio, o dólar e o euro registraram desvalorização em relação ao iene
- Payroll mostrou a criação de 114 mil vagas em julho nos EUA ficou abaixo do esperado e alimenta o temor de recessão no país
- Junto a isso, valorização do iene pesa contra as operações de carry trade enquanto a bolha das Big Techs ameaça estourar
A possibilidade de a maior economia do mundo estar entrando em recessão gerou uma aversão a risco e queda generalizada nas Bolsas de Valores globais nesta segunda-feira (5). Enquanto o índice japonês Nikkei desabou 12,4% em Tóquio, o dólar e o euro registraram desvalorização em relação ao iene. E o motivo para as negociações de hoje estarem tão negativas vem do mercado de trabalho dos Estados Unidos e de movimentos econômicos do Japão.
Na última sexta-feira (2), o Departamento do Trabalho americano divulgou o relatório de empregos, conhecido como payroll, que mostrou a criação de 114 mil vagas em julho, em termos líquidos. O resultado ficou abaixo do piso das expectativas de analistas consultados pelo Broadcast, que variavam de 135 mil a 225 mil vagas, com mediana de 180 mil. Além disso, a taxa de desemprego aumentou para 4,3% em julho, ante 4,1% em junho. A previsão era de que a taxa permaneceria em 4,1% no mês passado.
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Diante desses números, a ferramenta FedWatch da CME passou a mostrar que o mercado precifica em 98,5% o corte na taxa de juros dos EUA de 0,50 ponto porcentual em setembro, indo de 5,25% a 5,50% para 4,75% a 5%. Há um mês, apenas 5% do mercado esperava por esse movimento. Para última reunião do ano, o consenso do dia 5 de julho apontava para o fed funds entre 4,75% e 5%. Hoje o mercado estima a taxa entre 4% e 4,25%.
Para se ter uma ideia, este momento de “pânico” nos mercados globais é o maior desde o anúncio do início da pandemia em março de 2020. Isso porque o VIX (Volatility Index em inglês, mais conhecido como “índice do medo”), calculado com base no preço de mercado para opções no S&P 500, sobe 74,65%, a US$ 40,85, por volta das 12h desta segunda-feira. Da pandemia para cá, o índice operava abaixo de US$ 20.
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Paulo Gala, economista-chefe do Banco Master, destaca que além do temor de recessão nos EUA, há outros dois fatores que explicam o que está acontecendo com os mercados globais hoje. “Há medo do desmonte do chamado carry trade em relação a outras moedas [quando o investidor aproveita diferenciais de taxas de juros entre duas moedas para obter lucro] e a ‘bolha Tech’ — que se brinca que só dá para dizer que é bolha depois que estoura e agora está ficando com uma cara de que está estourando.”
Nesta segunda (5), o O Ibovespa hoje fechou em queda: a principal referência da B3 terminou o pregão em baixa de 0,46% aos 125.269,54 pontos, após oscilar entre máxima a 125.850,51 pontos e mínima a 123.073,16 pontos.
As bolsas de Nova York fecharam em forte queda, em meio ao temor de recessão nos Estados Unidos. A debanda global do risco, que se estendeu desde a sessão asiática, levou Dow Jones e S&P 500 a registrarem as maiores perdas diárias desde setembro de 2022.
O índice Dow Jones caiu 2,60%, aos 38.703,27 pontos, o S&P 500 declinou 3,00%, aos 5.186,33 pontos e o Nasdaq fechou em queda de 3,43%, aos 16.200,08 pontos.
O índice VIX, uma espécie de “termômetro do medo” em Wall Street, bateu o maior nível desde março de 2020, à época do choque inicial da pandemia de covid-19. Perto do fechamento, o índice saltava 64,90%, a 38,57 pontos.
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Na Europa, o cenário não foi diferente: os principais índices acionários também terminaram o pregão no território negativo, diante dos crescentes temores sobre a perda de fôlego da economia dos Estados Unidos. Em Londres, o índice FTSE 100 caiu 2,04%, aos 8.008,23 pontos. O índice DAX, referência em Frankfurt, encerrou em baixa de 1,95%, a 17.317,58 pontos, enquanto o CAC 40, de Paris, perdeu 1,42%, a 7,148,99 pontos.
Com as inseguranças em torno da economia americana, o dólar encerrou o pregão em alta de 0,56% a R$ 5,7414. Pela manhã, chegou a alcançar máxima a R$ 5,864, mas perdeu força ao longo da tarde após a publicação do índice de gerentes de compras (PMI, na sigla em inglês) do setor de serviços dos Estados Unidos.
O dólar voltou a ter forte queda no exterior nesta segunda-feira (5), ainda sob efeito da apreensão com uma recessão nos Estados Unidos após o relatório sobre o mercado de trabalho de julho, divulgado na sexta-feira (2). A sessão foi marcada pelo debate sobre se o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) estaria atrás da curva na reação ao quadro de desaceleração da economia. O índice Dólar chegou a tocar a mínima de 102,16 pontos, ainda que tenha atenuado a baixa com o desenrolar do pregão. O iene e o euro se valorizaram. Entre as moedas mais fortes, a libra não se beneficiou da rotação fora do dólar e ficou pressionada após protestos no Reino Unido no fim de semana.
No fim da tarde em Nova York, o índice DXY, que mede o dólar ante uma cesta de moedas fortes, registrou desvalorização de 0,50%, a 102,689 pontos . O euro subia a US$ 1,0958 e a moeda japonesa seguiu firme, levando o dólar a recuar a 143,68 ienes. A libra caiu a US$ 1,2770.
A recessão nos EUA e a aversão a risco global
A queda dos ativos de risco é generalizada nas bolsas de valores globais. Nos EUA, o S&P 500 e o Nasdaq-100 caem 2,3% e 2,7%, respectivamente. No Japão, a queda de 12,4% foi a pior desde a “Segunda-feira Negra” de 1987. Em outras bolsas asiáticas as desvalorizações foram um pouco menores, mas a aversão ao risco também chegou às bolsas europeias e até na B3 (B3SA3), cujo principal índice, o Bovespa, recuou mais de 2% no início da sessão.
Em relatório, o estrategista-chefe da Monte Bravo, Alexandre Mathias, escreve que a reação do mercado parece “excessiva” e muito relacionada à desalavancagem técnica de posições. “Não há evidências de que a economia dos EUA esteja entrando em recessão, embora os riscos tenham aumentado. Por isso, é importante manter a tranquilidade e aguardar a depuração deste processo, que deve ocorrer até o final do mês.”
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Essa é a mesma linha de raciocínio de José Márcio Camargo, economista-chefe da Genial Investimentos. “Uma andorinha não faz verão”, diz, referindo-se que este é o primeiro dado realmente negativo do mercado de trabalho americano neste ciclo de política monetária do Federal Reserve (Fed, o banco central americano).
“Nossa avaliação é que o conjunto dos dados da economia americana continua a mostrar uma atividade e um mercado de trabalho ainda fortes. Na melhor das hipóteses, os riscos de mais inflação ou mais emprego estão equilibrados, o que exige perseverança e paciência nas próximas decisões de política monetária”, afirma Camargo.
Ainda assim, as Treasuries americanas operam em queda nesta segunda, com a taxa de juros do título de dez anos em 3,71%. Por outro lado, o iene japonês acumula uma superior a 10%, negociado a 142,3 ienes por dólar. O índice do dólar cai cerca de 0,5% em 102,5. As criptomoedas despencaram, com o Bitcoin caindo mais de 11% para US$ 52.501 hoje — nível mais baixo desde fevereiro.
Carry trade em iene e juros japoneses
As operações de carry trade também foram abaladas nesta segunda-feira em meio ao pânico dos mercados globais. Isso acontece porque o Banco Central do Japão, nas últimas semanas, aumentou a sua taxa de juros para 0,25%. Lembrando que o país foi um dos únicos a não elevar os seus juros durante a pandemia.
Paulo Gala, do Banco Master, explica que esse movimento levou a uma tendência dos investidores em tomar dívida com juros zero em iene e aplicar em outras moedas, inclusive o dólar americano, cuja taxa hoje está no intervalo entre 5,25% a 5,50%. “Isso retroalimentou um movimento de desvalorização do iene e começou a provocar a inflação no Japão”, observa.
Foi por causa desse cenário que as autoridades japonesas injetaram 5,535 trilhões de ienes (aproximadamente US$ 36,2 bilhões) em intervenções cambiais entre junho e julho a fim de valorizar sua moeda. “Isso pegou desprevenido quem estava em carry trade em iene e tinha tomado uma dívida com juros zero, mas agora a viu aumentar porque a sua moeda se desvalorizou em até 15% em relação ao iene, que é o que aconteceu nos últimos 15 dias. A estratégia virou pó”, afirma.
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Após o tombo das ações japonesas nesta segunda-feira, o ministro de Finanças do Japão, Shunichi Suzuki, disse que investidores precisam manter uma perspectiva de longo prazo e permanecerem calmos. O índice Nikkei, da Bolsa de Tóquio, caiu 12,4% hoje, no maior tombo diário desde outubro de 1987. “Espero que eles julguem as questões com calma”, disse Suzuki, referindo-se a investidores japoneses que aplicam em ações de um programa governamental que oferece vantagens fiscais para aplicações de longo prazo.
Em relação à forte valorização do iene nas últimas semanas, que veio após intervenções do governo do Japão ao longo de julho para defender a moeda, Suzuki afirmou que é desejável que as taxas de câmbio se movam de maneira estável e que reflitam os fundamentos econômicos. Segundo ele, por conta dos movimentos do mercado, o governo deve trabalhar em conjunto com o Banco do
Japão (BoJ) na política monetária.
Bolha Tech vai estourar?
Como nenhum evento econômico é isolado, outro fator alimentou a aversão a risco nesta segunda-feira. Ainda nos EUA, a Berkshire Hathaway, conglomerado de investimentos liderado por Warren Buffett, vendeu quase a metade da sua posição na Apple (AAPL34). Isso, por si só, já alimenta a desconfiança dos investidores. Mas outras empresas do setor de tecnologia também podem não estar no melhor momento.
A possibilidade de a bolha das Big Techs estourar também é um fator que alimenta as quedas nos mercados globais. Há rumores de que a Nvidia (NVDC34), por exemplo, vai atrasar a entrega de chips de Inteligência Artificial por falhas no design em três meses — ou até mais. Junto a isso, outras big techs apresentaram nos balanços do primeiro trimestre de 2024 lucros considerados abaixo do esperado, como foi o caso da Amazon (AMZO34), Intel (ITLC34), Alphabet (GOGL34), dona do Google, e Tesla (TSLA34).