Popularmente, o ponto que marca o início de um bear market ocorre quando um índice acumula uma desvalorização de mais 20% em relação ao topo histórico. Em 7 de junho de 2021, o Ibov finalizou o pregão em 130.776,27 mil pontos, maior patamar já registrado para um fechamento.
Desde essa data até a última quinta-feira (23), o indicador caiu 25%, atingindo os 98.080,34 mil pontos. Em comparação à máxima alcançada em 2022, de 121.570,15 mil pontos no dia 1 de abril, a desvalorização do Ibovespa foi de 19,3%. Por esses cálculos, o mercado brasileiro está tecnicamente entre as garras do urso.
“O mercado precisa ficar um tempo nessa faixa de 20% abaixo do pico histórico para caracterizar um bear market. Não adianta permanecer alguns dias e depois subir”, afirma Paulo Gala, economista-chefe do Banco Master.
O mesmo panorama é visto nas bolsas americanas. A Nasdaq cai 29% no ano, enquanto o S&P 500 cede 20%. Renato Breia, sócio-fundador da Nord Research, explica que o aumento de juros no mundo é o principal fator que alimenta o bear market.
Na semana passada, o Federal Reserve (Fed), banco central americano, subiu a taxa de juros dos Estados Unidos em 75 pontos percentuais, para a faixa de 1,50% e 1,75% ao ano. Esta foi a maior elevação desde 1994, na esteira do avanço da inflação no país. Em 12 meses, o CPI (índice de inflação americano) acumulou uma alta de 8,6%, a maior desde 1979.
O Fed também sinalizou uma possibilidade de recessão nos EUA por conta do aperto monetário. No Brasil, o cenário é um pouco diferente: o Banco Central começou a subir juros já no ano passado, portanto, estamos na ‘frente’ em relação a esse ciclo contracionista. Atualmente, a Selic está em 13,25% ao ano e deve sofrer pelo menos mais um aumento em 2022.
Ainda assim, o estresse provocado pelas expectativas de juros mais altos economia norte-americana é sentido na bolsa brasileira e nas bolsas globais.
“À medida que tem um cenário de aumento de taxas de juros nos EUA para conter a inflação, isso acaba afetando todos os mercados”, explica Breia. “No início do ano, a bolsa brasileira subiu forte com as commodities, mas agora já devolve tudo porque temos um cenário não só de aumento de taxa de juros, mas de possível recessão.”
Essa também é a opinião de Marcelo Oliveira, CFA e fundador da Quantzed. “O mundo está em um bear market. É um problema muito mais macro global, do que brasileiro”, diz.
É importante lembrar também dos efeitos de uma subida de juros no comportamento dos investidores e na rentabilidade da renda fixa. “O medo da recessão e a aversão a risco no mercado local contribuem naturalmente para uma migração da Bolsa de Valores para a renda fixa, já que o trade off entre a fixa e a renda variável hoje está perdendo para as taxas de juros atrativas”, afirma Idean Alves, chefe da mesa de operações e sócio da Ação Investimentos, escritório credenciado da XP Investimentos.
Quase tudo está barato, mas cuidado
Enxergar o fim do período de bear market é uma tarefa difícil. Na visão de Nicolas Borsoi, economista-chefe da Nova Futura Investimentos, essa conjuntura negativa deve perdurar enquanto os juros permanecerem em níveis altos. Para ele, alguns sinais de melhora devem começar a aparecer no 4° trimestre deste ano, após as eleições.
“O mercado deve digerir a agenda econômica do novo governo e se, e quanto, o Copom conseguirá cortar a taxa Selic em 2023”, afirma Borsoi. “Acho que o cenário está com menos previsibilidade do que o normal, porque tem vários choques afetando a economia neste momento, como guerra na Ucrânia, política de Covid zero na China e, principalmente, a duração da política monetária apertada nos países desenvolvidos.”
Já Gala, do Banco Master, vê um prazo mais longo para esse inverno no mercado financeiro. “O que tiraria de fato a bolsa de um bear market é um corte nas taxas de juros. O problema é que isso não vai acontecer nos próximos meses, porque tanto o Banco Central brasileiro quanto o Fed estão sinalizando que os juros vão subir mais”, diz. “No caso do BC, haverá mais uma alta que deve ser mantida por pelo seis meses. Portanto, o corte deve acontecer somente lá para o 2° semestre do ano que vem.”
O segundo fator para o qual o investidor precisa estar de olho são os dados de aceleração da atividade econômica no Brasil e EUA – que ainda não estão fortes, segundo o economista-chefe do Banco Master.
Nesse cenário conturbado, o investidor deve ter cautela e não confundir uma retomada consistente com ‘ralis de mercado em baixa’, quando a Bolsa sobe por um curto período de tempo e volta a cair para o mesmo patamar em que estava antes. A perspectiva também deve ser de longo prazo, já que ainda não há sinalizações de melhora nas bolsas.
Tendo em vista que a pressão nos preços pode ser longa, o indicado é investir um dinheiro que não fará falta nos próximos meses. “Tem que ser um capital que você não vai precisar usar, porque se o investidor precisar vender os papéis daqui um ou dois meses, poderá perder muito dinheiro”, diz Gala. “Quase tudo está muito barato na Bolsa brasileira, a única coisa que vejo que estão mais caras são as empresas de commodities, que também já caíram bastante.”
Breia, da Nord Research, alerta que o investidor não deve mudar o perfil de risco em momentos de variação de preço. Ou seja, não migrar todo o capital para a renda fixa só porque a Bolsa está caindo e os juros subindo, assim como não é indicado entrar na renda variável só porque os juros estão baixos.
Seguir a estratégia inicial, de acordo com a tolerância a risco e objetivos de curto, médio e longo prazo, é fundamental para não perder dinheiro em meio à volatilidade. Breia também vê a Bolsa brasileira em um nível de valuation baixo.
“A bolsa está em um dos menores valuations que já vimos nos últimos 10 ou 15 anos, mas se esse é o momento de comprar, vai depender muito do perfil do investidor”, diz Breia. “Se o investidor é moderado ou arrojado e, por conta das quedas das ações, a exposição dele à renda variável diminuiu muito, pode ser o momento de complementar as alocações.”
Para quem nunca investiu em Bolsa, essa também pode ser uma boa época para começar. “Os preços estão muito deprimidos e existem, sim, boas oportunidades”, afirma o sócio da Nord. “E apesar das oportunidades, não menosprezamos que no Brasil temos oportunidades boas em prefixados e indexados à inflação, que estão pagando excelentes rendimentos.”
Já Borsoi acredita que não é o momento de tomar risco em Bolsa, especialmente considerando que os juros da renda fixa estão bastante elevados. O Tesouro Prefixado para 2025, por exemplo, estava pagando 12,36% ao ano até o fechamento da última quinta. O Tesouro IPCA mais curto, para 2026, garante também juros reais de 5,48%.
Fora o mais conservador Tesouro Selic, que paga a variação dos juros e está rendendo 1% ao mês. Mesmo assim, Borsoi também entende que o investidor deve se guiar pelo perfil de risco para decidir se deve comprar ou não.
“No caso de um investidor de longo prazo, caso haja uma baixa exposição, o investidor pode destinar uma pequena parte do patrimônio, pois, de uma perspectiva de diversificação, nunca é ideal estar sem posição em Bolsa. Uma vez decidido o tamanho da posição, sugiro ao investidor fazer alocações parciais ao longo do tempo”, recomenda Borsoi.
Por último, o economista-chefe da Nova Futura Investimentos destaca positivamente o setor elétrico e empresas de commodities, como Vale (VALE3), e monopolistas, como B3 (B3SA3).
“Obviamente, acertar o que vai dar certo é mais difícil do que evitar o que vai dar errado. Portanto, uma recomendação mais razoável neste momento seria evitar empresas e setor imobiliário e de tecnologia, que ainda devem sofrer com os juros elevados, e as varejistas que ainda devem ter meses opacos devido à queda no poder de compra das famílias”, diz Borsoi.