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- As ações da Casas Bahia (BHIA3) registraram uma desvalorização de mais de 80% no ano passado - a maior derrocada entre os papéis que compõem o Ibovespa
- O tombo dos ativos acontece na esteira dos números aquém do esperado, que não são exatamente fatos isolados
- Para 2024, o mercado deve acompanhar os efeitos do plano de transformação posto em prática pela empresa. Sucesso da estratégia, entretanto, ainda é incerto
As ações da Casas Bahia (BHIA3) registraram uma desvalorização de 81,03% no ano passado – a maior derrocada entre os papéis que compõem o Ibovespa, segundo dados da Economatica, empresa de informações financeiras do TC. O tombo dos ativos acontece na esteira de um balanço aquém do esperado: nos primeiros nove meses de 2023, a antiga “Via” acumulou um prejuízo de R$ 1,6 bilhão.
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Nos últimos cinco anos, a empresa apresentou apenas um balanço anual positivo. Em 2020, impulsionada pela explosão do e-commerce durante a covid-19, a varejista lucrou R$ 1 bilhão. De lá para cá, o agravamento da situação ficou notório. Uma das explicações para a sequência de prejuízos é a deterioração do cenário macroeconômico, já que a taxa básica de juros Selic subiu de 2%, em 2021, para 13,75% em 2022, e se manteve assim até agosto do ano passado.
Com o juro em patamar restritivo, o endividamento das famílias disparou -- segundo a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (PEIC), 68,7% das famílias brasileiras estão endividadas -- e as despesas financeiras da varejista aumentaram. “Em poucos momentos de sua história, a Casas Bahia conseguiu gerar valor para os acionistas”, afirma Hulisses Dias, analista CNPI e mestre em finanças.
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Na conjuntura micro, há outras razões para a performance negativa. De acordo Leonardo Piovesan, CNPI e analista fundamentalista da Quantzed, os investimentos no e-commerce feitos entre 2020 e 2021 pesaram nesta conta. “A empresa investiu muito no marketplace, uma aposta que acabou não dando certo e acabou queimando o caixa”, afirma Piovesan. Esses problemas não passaram despercebidos pela nova gestão da Casas Bahia.
Sérgio Leme, vice-presidente de RI, ressalta esses desafios na transição agressiva da loja física para o on-line, em função do isolamento social. “Quando uma varejista omnicanal muda o mix para menos lojas físicas e mais e-commerce, a empresa tende a a empresa ficar menos rentável já que requer investimentos e gastos operacionais diferentes”, afirma o executivo.
Sob o comando de Renato Horta Franklin, diretor-presidente desde março do ano passado, a varejista apresentou ao mercado um “plano de transformação”. A estratégia, publicada em agosto, tem como pilares a diminuição da alavancagem, com redução de lojas, estoque e despesas com pessoal, além da reestruturação de capital. Em setembro, a companhia fez um follow on de R$ 622 milhões.
"A empresa está voltando a focar mais no varejo físico, saindo de linhas de produtos que davam prejuízo e preferindo produtos de ticket médio maior, em linha branca [como refrigeradores, lavadoras e fornos], por exemplo”, afirma Piovesan. A mudança na marca, de Via para Casas Bahia, veio para consolidar essa nova estratégia. Agora, em 2024, o sucesso deste plano deve ser acompanhado de perto pelo mercado.
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“Vamos focar naquilo que é reconhecido pelos consumidores como bem feito, como eletrodomésticos e eletroportáteis. As outras categorias que eventualmente sejam comercializadas, precisam ser rentáveis”, diz Leme. "Virou aquela chave de vender qualquer coisa, a qualquer preço, para ganhar GMV. Agora é outro ângulo de observação, que é atender bem o cliente, mantê-lo fiel, nas categorias onde a gente é reconhecido, sendo rentável e ampliando o portfólio, naquelas categorias onde faça sentido do ponto de vista de rentabilidade."
Os próximos 12 meses
O plano de transformação ajudou a afastar, pelo menos por ora, os temores de uma recuperação judicial. Entretanto, o enxugamento de despesas ainda não foi o suficiente para mudar as recomendações sobre as ações. Piovesan, da Quantzed, ressalta que o mercado ainda tem baixa visibilidade sobre o sucesso do turnaround. “Essas mudanças podem trazer custos extras e a companhia precisará gerar caixa para sobreviver”, afirma.
A incerteza impede a indicação de compra, assim como a perspectiva de que o segmento de e-commerce deve ainda sofrer com o aumento da competitividade, principalmente por players estrangeiros, como Mercado Livre. “A Casas Bahia não tem muita folga financeira para trabalhar, apesar de ter renegociado algumas dívidas. É um cenário difícil para a empresa continuar em pé”, diz o especialista.
Flávia Meireles, analista da Ágora Investimentos, tem recomendação neutra para as ações. A analista tem uma projeção mais positiva para o setor em 2024 em função dos cortes na Selic. Entretanto, segmentos do varejo mais expostos a bens duráveis de preços mais altos, o caso da Casas Bahia, ainda não devem conseguir aproveitar o alívio nos juros no curto prazo. A especialista projeta que o endividamento das famílias continuará alto ao longo de 2024, mesmo com tendência à estabilização. Na ponta, a manutenção do endividamento significa ainda dificuldades no consumo, principalmente de produtos com preços mais elevados.
“Alguns marcos do plano foram alcançados, indicando progresso. É o caso da redução de estoques, fechamento de lojas e otimização das despesas, mas ainda é muito cedo para ter qualquer indicação sobre o poder real dos ganhos", afirma Meireles. “Há uma longa jornada pela frente para o grupo Casas de Bahia. No curto prazo, o cenário é complexo e desafiador."
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Dias, analista CNPI e mestre em finanças, também enxerga um 2024 complexo para a companhia. “Graficamente, a ação ainda não deu sinalização de reversão na tendência de queda. Embora a empresa possa se beneficiar de um ambiente com taxas de juros menores, vejo outros papéis com custo de carrego mais atrativo”, diz.
Já Gabriel Costa, analista da Toro Investimentos, espera ter melhor visibilidade sobre os efeitos do turnaround para reavaliar os papéis. Enquanto as consequências da estratégia não ficam claras, ele mantém a recomendação neutra. “Caso o plano seja integralmente cumprido, as operações devem voltar a ser rentáveis em 2025. Vemos que diversos pontos do turnaround estão em execução, mas é preciso acompanhar com cautela os efeitos por eles gerados”, diz Costa. “É possível que vejamos um alívio para o setor, mas a empresa ainda deve sofrer com resultados mais fracos nos próximos trimestres.”
Leme, da Casas Bahia, reconhece que há volatilidade à frente para quem comprar as ações, mas vê um 2024 de melhora nos resultados e um 2025 com possibilidade de crescimento. Pensando no longo prazo, o executivo também aposta na expansão dos crediários como um diferencial competitivo para ampliar o market share da companhia. “Precisamos mudar a linha dos números de lucro e prejuízo, não nos orgulhamos disso. Temos acionistas e estamos imbuídos no espírito de reverter esse quadro e sermos rentáveis”, afirma.