Publicidade

Mercado

Solange Srour: “O cenário internacional está favorável ao risco”

Economista-chefe do Credit Suisse fala sobre as perspectivas para a economia e mercado

Solange Srour: “O cenário internacional está favorável ao risco”
Solange Srour, economista-chefe do Credit Suisse. Foto: divulgação/Ricardo Borges
  • Segundo a especialista, cenário é favorável para o Ibovespa no segundo semestre, mas riscos políticos e fiscais seguem no radar
  • Mesmo com alta dos juros, a conjuntura ainda continuará favorecendo renda variável, se inflação estiver controlada

Depois de um ano difícil em 2020, o País começa a enxergar alguma luz no fim do túnel. Os dados do PIB do primeiro trimestre vieram acima da média das projeções, o que indica que a economia está mais resiliente que o previsto. A vacinação também avança, mesmo que mais lenta que o esperado, e o Ibovespa já atingiu o patamar de 130 mil pontos.

O boom das commodities, que favorece a Bolsa e o Brasil como um todo, a as retomadas econômicas mundo à fora são outras questões que criam um cenário ‘favorável ao risco’, ou seja, que beneficia ativos de renda variável e até mesmo atrai mais investidores estrangeiros para mercados emergentes. Ainda assim, há fatores importantes que não podem sair do radar.

Segundo Solange Srour, economista-chefe do Credit Suisse, é preciso ancorar as expectativas de inflação e manter a incerteza fiscal baixa, principalmente pensando nas eleições do ano que vem. “Hoje o fator internacional prepondera, no ano que vem, por ser eleitoral, o cenário doméstico ganha relevância”, explica.

Publicidade

Invista em oportunidades que combinam com seus objetivos. Faça seu cadastro na Ágora Investimentos

O controle da inflação pode, inclusive, determinar se o movimento forte de migração de pessoas físicas para a B3 vai continuar na mesma toada dos últimos meses. “Quanto menor o juro real (descontada a inflação), mais positivo é para a Bolsa”, afirma. “E quanto mais demorado for o controle da inflação, maior a probabilidade do juro real ficar acima do neutro.”

Leia a entrevista na íntegra:

E-Investidor – Qual a projeção do Credit Suisse para a Selic e Inflação?

Solange Srour – Estamos para esse ano com uma inflação de 6%. Para o ano que vem é 4,5%. A nossa projeção de taxa de juros é que o Banco Central vai subir para 6,5% a Selic até outubro e manter estável até o final de 2022 .

E-Investidor – No relatório, o Credit Suisse fala muito de deterioração dos fundamentos e aumento das taxas de juros de longo prazo. O que isso significa?

Publicidade

Srour – Na verdade colocamos o risco pela inflação ficar mais alta. O risco para inflação e o risco para taxa de juros está muito relacionado ao risco fiscal. Se continuarmos discutindo mudanças no teto de gastos, propostas de mudança nessa âncora fiscal ou de adoção de políticas que impliquem no contínuo aumento do gasto obrigatório, isso terá impacto na inflação e na taxa de juros. E aí não estou falando só desse ano, mas principalmente do ano que vem, que é um ano eleitoral.

Estamos partindo de uma situação neste ano de inflação já alta e o mercado já espera uma alta significativa da Selic. Está embutido na curva de juros uma alta significante para 2022, acima do que estamos esperando. Se continuarmos nessa toada de incerteza fiscal, acabará tendo impactos não só na inflação e na alta de juros, mas também na atividade econômica. Vimos recentemente várias casas revisarem para cima o PIB desse ano, mas mantendo o PIB do ano que vem estável. Isso é um reflexo desta incerteza fiscal. A importância disso se dá sobre o juros, câmbio e inflação, mas principalmente sobre o PIB.

E-Investidor – Como essas projeções impactam os investimentos?

Srour – O Brasil está atravessando hoje um cenário externo muito favorável. O crescimento global sendo revisado para cima, temos uma alta muito relevante de commodities, e o Brasil é um exportador de commodities. Inclusive, estamos vendo o câmbio apreciar nos últimos dias, a Bolsa tem performado bem, apesar dos juros pressionados pela inflação. De qualquer maneira, estamos longe do momento de maior estresse que vivemos no início de 2021.

O cenário internacional está favorável ao risco. Logo, os ativos relacionados ao risco estão performando positivamente. O que eu saliento em relatórios, é que o Brasil precisa manter essa incerteza fiscal baixa, não acrescentar incerteza fiscal, porque em um ano eleitoral nós podemos não surfar um cenário tão positivo lá fora por conta dos fatores domésticos. Hoje o fator internacional prepondera, no ano que vem, por ser eleitoral, o cenário doméstico ganha relevância. Imaginamos que no ano que vem o cenário internacional vai continuar positivo, mas para os investimentos vai depender muito desse peso que será dado para o cenário externo, em relação ao doméstico, que será mais volátil.

Publicidade

E-Investidor – Uma expressão do Copom (Comitê de Política Monetária) que incomodou muitos analistas de mercado na última reunião foi a questão da ‘normalização parcial’ da Selic. Como a senhora interpreta essa sinalização?

Srour – Eles estão utilizando essa expressão como parte de uma maior transparência. Isso quer dizer que hoje o cenário básico do Banco Central (BC) fica em uma normalização parcial da taxa de juros, mas eu entendo que esse cenário básico tem riscos, e por isso o BC deixa claro que não vai se prender a ele.

A sinalização é apenas uma transparência do que parece ser, na visão da instituição, o cenário mais provável, mas não é um compromisso imutável, porque o BC vai recebendo muitos dados entre uma reunião e outra e esse cenário base pode mudar.

Nos nossos modelos não encontramos uma Selic abaixo do neutro como sendo suficiente para controlar a inflação do ano que vem, ou seja, bem perto do centro da meta. Por isso que no nosso cenário básico não trabalhamos com normalização parcial. A nossa Selic vai para 6,5%, que é o número que entendemos ser perto do neutro.

Eu não consigo ver a normalização parcial levando a inflação do ano que vem para o centro da meta, mas entendo que o Banco Central não esteja preso nesta comunicação. Aliás acredito que essa comunicação vai cair na próxima reunião do Copom. O BC vai deixar claro que as portas estão abertas para um ciclo que chegue perto do neutro e não termine em uma normalização parcial.

Publicidade

E-Investidor – Há riscos inflacionários relevantes?

Srour – Há riscos, sim. A pressão das commodities e do câmbio são sempre um risco relevante, mas fora isso tem outro fator. O terceiro risco é que o Brasil, por estar vivendo muito tempo com uma inflação bastante alta – a nossa expectativa é que em junho a inflação bata 8,3% acumulada em 12 meses – a inércia da economia e a persistência da inflação cresça. E com a persistência crescendo, o risco de inflação aumenta, já que quanto maior a inércia, maior a inflação realizada e maior também a expectativa de inflação.

Eu vejo isso como algo muito significante e por isso acho importante, mesmo com a economia passando por choque de oferta, que o Banco Central tente ancorar as expectativas. Até porque a persistência desses choques por muito tempo e a persistência de uma inflação alta, aumenta o risco inflacionário para frente.

Diria que o maior risco, fora o choque de oferta, é a volta de uma inércia mais elevada na economia.

E-Investidor – Como a senhora mencionou, os dados do PIB do 1° trimestre surpreenderam parte do mercado. Podemos dizer que isso é um indicativo que a economia pode finalmente deslanchar na segunda metade do ano?

Publicidade

Srour – O dado surpreendeu, mas já tínhamos uma expectativa de que a economia iria recuperar mais forte no segundo semestre. Na segunda metade do ano, é esperado que a economia volte a operar na sua capacidade máxima, que não tenha restrições de mobilidade e que a já tenhamos vacinado todo o grupo de risco e até mesmo uma parcela do grupo que não é de risco já deve estar vacinado nesse próximo semestre.

A nossa opinião é que a economia vai ter mais força no segundo semestre. Agora, o que o dado de ontem mostrou é que mesmo no começo do ano, em que havia um medo da segunda onda e toda aquela incerteza, a economia se recuperou bem. E também a despeito da redução dos estímulos fiscais, porque no primeiro trimestre não tivemos o auxílio emergencial. Isso mostra que a economia estava muito mais resiliente do que o mercado esperava e com a vacinação e controle do contágio, é possível crescer e ter uma recuperação mais expressiva.

O ponto é o quanto do crescimento deste ano, pode ser transferido para o ano que vem, com risco fiscal, incerteza política e etc. As expectativas para o ano que vem ainda estão muito baixas porque todo mundo tem uma baixa visibilidade de como vai ser o ano que vem e qual será o debate que estaremos enfrentando, principalmente com a continuidade da agenda de reformas.

E-Investidor – Como essa perspectiva afeta o Ibovespa? 

Srour – Não temos projeções em números para o Ibovespa, o que temos é um cenário favorável de crescimento doméstico e ambiente externo. Ainda que no segundo semestre tenhamos mais discussões em relação a tapering (normalização das condições monetárias do país), com eventual abertura dos juros americanos e fortalecimento do dólar.

Publicidade

E-Investidor – Quais fatores podem brecar essa perspectiva favorável ao Ibovespa?

Srour – São três fatores: o primeiro é o atraso na vacinação. Esse é o mais relevante, qualquer atraso nesse programa pode afetar bastante as expectativas, a confiança, porque aí realmente o Brasil estará na contramão do mundo.

O segundo fator é o risco hidrológico. Nós não trabalhamos com cenário básico de apagão. Trabalhamos com o sistema bastante pressionado, de acionar todas as energias alternativas às hidrelétricas, mas não com apagão e nem com rodízio de energia. Se as chuvas nos próximos meses vierem bem abaixo das expectativas e tivermos que fazer algum tipo de racionamento, é um risco elevadíssimo para a atividade.

Em terceiro, eu diria que é o risco político, uma antecipação da campanha. Nós esperamos que a campanha política ganhe força no começo do ano que vem, mas se houver uma antecipação para esse segundo semestre, o ambiente político pode ficar muito tenso e gerar implicações fiscais e na confiança.

E-Investidor – Com a alta da Selic, a senhora acredita que pode haver uma desaceleração desse maior movimento recente de investidores indo para a Bolsa?

Srour – Isso vai depender muito do juro real. Quanto menor o juro real (descontada a inflação), mais positivo é para a Bolsa. Não só porque juro real mais baixo traz mais crescimento e o valor descontado das empresas aumenta, mas também porque a alternativa de renda fixa fica menos atrativa.

Vai depender dessa variável chave. Nós trabalhamos com um juro real muito baixo. A projeção para Selic no final de ano é 6,5% e se pensarmos que a nossa projeção para a inflação no ano que vem é 4,5%, estamos falando de um juro real perto de 2% (6,5% – 4,5%), que é o juro real que acreditamos ser próximo ao neutro.

É um juro que é muito positivo para crescimento no Brasil e bastante baixo para nossos padrões históricos. Eu acredito que este cenário ainda vai ser bastante favorável para renda variável. Agora, tudo vai depender desse controle da inflação, porque quanto mais demorado for o controle da inflação, maior a probabilidade do juro real ficar acima do neutro. E aí você começa a entrar em uma dinâmica negativa de atividade e isso afetará certamente a Bolsa.

Por isso é preciso tentar ancorar as expectativas (de inflação) o quanto antes e almejar uma taxa de juro real mais baixa. Aliás, é muito mais importante almejar uma taxa de juro real mais baixa, que uma Selic mais baixa. A inflação precisa estar contida.

E-Investidor – Em maio tivemos uma entrada forte de fluxo estrangeiro na B3. Quais os principais fatores que estão atraindo esse investidor?

Srour – O crescimento, vimos os dados do 1º trimestre, que vieram fortes. Então o investidor estrangeiro está olhando esses dados e vendo que a economia está crescendo e crescimento chama fluxo (de investimento). Do outro lado, temos uma visão de que a foto do fiscal do Brasil está melhor, porque o próprio crescimento tem feito a arrecadação subir, tem diminuído as projeções de deficit primário para esse ano, a dívida/PIB com o deflator do PIB tem caído.

O indicador fiscal de curto prazo do Brasil está melhor. E um outro fator é a própria percepção de que nós iremos controlar o processo inflacionário. Apesar da comunicação do Banco Central com o ajuste parcial, na curva de juros está embutida a expectativa de que a autoridade monetária vai subir os juros para o que for necessário para controlar a inflação. Isso é positivo, por mais paradoxal que pareça o pensamento de que uma Selic mais alta embutida na curva de juros leve a uma perspectiva melhor para a economia, mas leva, sim, quando o Banco Central tem credibilidade.

Os agentes esperam que, com isso, o juro real não fique tão alto no fim do ciclo. Fora tudo isso, ainda temos um ciclo de commodities muito positivo que beneficia várias empresas e o Brasil como um todo.

E-Investidor – Estamos vendo também um movimento forte de rotação entre setores, com investidores saindo de ações de tecnologia e indo para ações ligadas à economia real, como shoppings, aéreas e varejistas. É o momento para essa migração ou é cedo para falar em retomada desses segmentos?

Srour – É natural que a medida que voltemos ao normal, os setores que foram mais afetados voltem com força. E vemos isso claramente nos dados econômicos, como a PMS (Pesquisa Mensal de Serviços), que é o indicador de serviços, que está melhorando com o começo da abertura da economia, e também na confiança dos serviços. Essa melhora acaba impactando o comércio, por mais que alguns segmentos do comércio foram muito positivos, principalmente alguns setores puxados pelo auxílio emergencial e relacionados ao isolamento, quando temos a economia voltando esses setores continuam se recuperando.

Faz sentido os setores relacionados a crescimento apresentarem uma melhora nesse momento, de abertura da economia. Mas o que vai ser o médio prazo vai depender muito dessa nova forma de trabalhar, de consumir, o quanto da pandemia vai influenciar daqui para frente, até no avanço tecnológico. No curto prazo, então, faz todo sentido. No médio prazo, vai depender de um fator desconhecido, porque ninguém sabe os efeitos da pandemia no futuro.

E-Investidor – Como a senhora enxerga o câmbio? Veremos o real se fortalecendo nos próximos meses?

Srour – Eu acho que no curto prazo, o real pode apreciar mais do que está hoje. Vemos um espaço para apreciação porque acreditamos que o BC vai subir os juros, esse diferencial de juros vai aumentar e isso chama fluxo. E temos aquele cenário de permanência dos preços elevados de commodities, que tem trazido saldos de balança comercial mais positivos e provavelmente trará mais fluxo comercial.

Digo ‘provavelmente’ porque tem uma parte importante do fluxo comercial que hoje fica fora do Brasil, então vemos que o fluxo comercial é alto, mas o fluxo financeiro relacionado ao comércio ainda é baixo.

Acreditamos que tem espaço para o câmbio apreciar, e esse espaço irá depender justamente da incerteza política e fiscal, porque se entrarmos muito nessa discussão (política) logo agora, não aproveitaremos esse movimento favorável. Temos que manter a política fiscal ancorada, o teto de gastos, e adiar esse debate de mudanças para frente, que aliás é um debate que tem que ser feito com cautela. A mudança no teto pode ser muito negativa, se não for feita de maneira cuidadosa, com reformas já em andamento, e não estamos, hoje, nesse momento.

Web Stories

Ver tudo
<
>

Informe seu e-mail

Faça com que esse conteúdo ajude mais investidores. Compartilhe com os seus contatos