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Com Cogna (COGN3) de fora, Ser Educacional (SEER3) e Yduqs (YDUQ3) disputam Laureate

Empresas tentam adquirir ativos da rede americana Laureate no Brasil

Com Cogna (COGN3) de fora, Ser Educacional (SEER3) e Yduqs (YDUQ3) disputam Laureate
FMU, parte dos ativos da Laureate no Brasil que estão à venda (Crédito: Divulgação)
  • Setor de educação ainda não venceu as dificuldades impostas pela pandemia. Nesse ambiente, movimentos de consolidação tendem a se intensificar, o que ajuda a explicar a compra dos ativos da Laureate por Ser ou Yduqs
  • Ativos têm importância estratégica, com duas marcas consolidadas no mercado de São Paulo (FMU e Anhembi Morumbi) e boa oferta de vagas de Medicina, um curso caro, rentável e com evasão muito baixa
  • Yduqs tem situação de caixa melhor para absorver a compra e, portanto, mais chances de vencer a disputa. Mas, se valor da transação entrar em espiral crescente, o investidor da empresa pode ser penalizado

O setor de educação está vivendo uma semana movimentada. No domingo (13), a Ser Educacional (SEER3) soltou um fato relevante anunciando um acordo para a aquisição dos ativos da rede americana Laureate no Brasil, que incluem as conhecidas universidades FMU e Anhembi Morumbi, de São Paulo.

A transação ainda depende de aprovação dos acionistas em assembleia geral extraordinária e do aval do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Uma das cláusulas do acordo permite que a Laureate receba outras propostas dentro de um prazo 30 dias – mas, caso feche negócio com um outro interessado, este deverá pagar à Ser uma multa rescisória de R$ 180 milhões.

Na manhã de segunda-feira (14), a Yduqs (YDUQ3) entrou na disputa e anunciou que tem condições de apresentar à Laureate uma proposta melhor que a da concorrente pelos ativos em questão. Com isso, as ações das duas empresas se valorizaram: Ser Educacional ON abriu o pregão com alta de 13,25% e Yduqs, de 6,49%.

Cogna fora do jogo

Se a pandemia não tivesse acontecido, talvez o comprador dos ativos da Laureate no Brasil não seria nem a Ser Educacional, nem a Yduqs – mas sim a Cogna (COGN3). O maior grupo educacional do País havia levantado capital para fazer essa compra.

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Mas aí veio o coronavírus, a Cogna deixou o dinheiro em caixa e resolveu priorizar o IPO da sua subsidiária Vasta em Nova York.

“Neste momento, a Cogna está com o balanço fragilizado e resultados muito piores. Ela tem sofrido com a queda do FIES de forma mais intensa. Já a Yduqs conseguiu minimizar esse impacto pelo seu curso de Medicina e também pelo crescimento do EAD”, diz Rafael Cota Maciel, gestor de renda variável da AF Invest.

Para Fernando Siqueira, gestor da Infinity Asset, também de renda variável, o impacto da venda dos ativos da Laureate atinge a Cogna apenas indiretamente, já que poderá formar um player mais forte para competir com ela no EAD, seara em que é veterana.

“Essa transação afeta muito pouco a Cogna em termos de ensino superior, onde ela é mais madura. Se algum desses players começasse a investir mais pesado em ensino básico e médio, que é onde a Cogna está investindo nesse momento, aí sim ela seria atingida”, afirma Siqueira.

O gestor acrescenta que Cogna já é um grupo bem grande e, por isso, a compra desses ativos não faz sentido para ela – e poderia até mesmo ser vetada pelo Cade: “Se a Cogna comprar alguma coisa, serão ativos bem menores, pontuais. Caso o Cade exija, para aprovar a venda para Yduqs ou Ser, que alguns ativos fiquem de fora da transação, talvez a Cogna possa se interessar em comprá-los”.

Consolidação é alento para setor em dificuldades

O setor de educação foi um dos mais atingidos pela pandemia de covid-19. De um lado, as medidas de contenção da transmissão do vírus impuseram o fim das aulas presenciais. De outro, as dificuldades financeiras enfrentadas pelas famílias fizeram com que a inadimplência aumentasse de forma exponencial.

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“Esses problemas vão persistir por algum tempo. O setor continua pressionado, já que não temos ainda uma solução para essa questão sanitária”, diz Maciel, da AF Invest. “Só com a chegada de uma vacina eu vejo o comportamento caminhando para uma normalidade.”

Siqueira explica que dois aspectos dificultam o cenário. O primeiro é que a educação ainda é muito focada em atividades presenciais. O segundo é que a retomada desse setor depende da própria recuperação da atividade econômica e do emprego.

“É difícil investir em uma faculdade ou pós-graduação quando a pessoa não sabe se vai continuar trabalhando. Por isso, a recuperação do setor só chega no final do ciclo econômico, quando os consumidores já estão bem mais confiantes”, diz.

Esses fatores ajudam a inserir o interesse dos competidores pelos ativos da Laureate em um contexto maior, de consolidação de um setor que ainda é bastante pulverizado. Movimentos como fusões e aquisições tendem a se intensificar, pois ajudam a recompor uma receita que foi muito debilitada pelo financiamento estudantil (FIES).

“É muito razoável haver uma consolidação agora, pois o momento do mercado é difícil para os players. As marcas tendem a se juntar”, diz Jorge Junqueira, sócio da Gauss Capital.

Ativos da Laureate são estratégicos para as duas rivais

Além das paulistas FMU e Anhembi Morumbi, o pacote de ativos da Laureate que está na mesa inclui Unifacs (Bahia) e Universidade Potiguar (Rio Grande do Norte). Eles são muito interessantes para as duas concorrentes, ainda que por diferentes razões.

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Do ponto de vista geográfico, a operação faz mais sentido para a Ser do que para a Yduqs. A Ser é mais forte no Norte e Nordeste e não tem exposição importante em São Paulo, onde ganharia acesso a duas marcas fortes e consolidadas.

Já a Yduqs tem presença maior no Sudeste (principalmente no Rio de Janeiro, onde opera a bandeira Estácio) e Sul. Então, para ela, a compra traria uma sobreposição de áreas maior.

Um ingrediente muito precioso desse pacote são 830 vagas de Medicina – um curso caro, rentável e com baixíssima evasão e, portanto, cobiçado por todos os grandes players do setor.

“Enquanto o tíquete médio da Yduqs é de cerca de R$ 800, a mensalidade de medicina chega a 10 vezes esse valor. Mas as famílias não enxergam isso como despesa, e sim um investimento que se paga. Por isso, Medicina é o filé-mignon de qualquer faculdade”, explica Maciel.

Para a Ser, o acréscimo de Medicina no portfólio seria ainda mais importante que para a rival, que já tem oferta razoável de vagas desse curso. “Para a Yduqs, a sinergia maior seria com a operação bem consolidada de ensino a distância (EAD) da Anhembi Morumbi”, destaca Siqueira.

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Contudo, qualquer uma das duas oponentes ganhará uma vantagem expressiva ao abocanhar os 270 mil alunos que vêm no pacote da Laureate. Ser Educacional, com atuais 190 mil, passaria a 460 mil, tornando-se a quarta maior rede de ensino superior privado no Brasil. Já Yduqs, hoje com 630 mil, encostaria na líder Cogna, que conta com cerca de 920 mil estudantes.

Para Junqueira, com o impulso que o EAD ganhou durante a pandemia, a força das marcas envolvidas tende a se tornar bem mais relevante que sua localização geográfica.

“O ensino remoto vai se confundir cada vez mais com o presencial. Veremos mais cursos em que parte das aulas será ministrada a distância, sem a necessidade de os alunos estarem presentes 100% do tempo. Com isso, as faculdades deixarão de ser regionais e se tornarão nacionais”, prevê.

Yduqs mais preparada

Os três especialistas ouvidos pela reportagem concordam que a Yduqs está melhor posicionada que a Ser nessa disputa, porque tem mais caixa para absorver a compra dos ativos.

“A Yduqs tem R$ 1,5 bilhão de Ebitda e a Ser, R$ 300 milhões. Isso significa que elas poderiam assumir dívidas de R$ 3 bilhões e R$ 600 mil, respectivamente”, diz Junqueira. “Yduqs está em posição mais favorável e não se penalizaria tanto.”

O sócio da Gauss Capital conta que a oferta da Ser contempla o pagamento de R$ 1,7 bilhão à vista, outros R$ 600 mil a prazo e mais R$ 1,5 bilhão em ações da empresa. Mas essas ações não seriam tão interessantes para a Laureate.

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“A Laureate ficaria com apenas 7,5% de participação e poder de voto diluído, enquanto Janguiê Diniz (fundador da rede) detém 50% e toma as decisões. Não necessariamente a Laureate ficará com essas ações, mas a liquidez desses papéis é menor que no caso da Yduqs”, compara.

Ainda que não se saiba qual será a oferta feita pela Yduqs, a situação de caixa da empresa permite uma proposta com percentual em dinheiro vivo maior que a oferecida pela Ser.

Vencedor terá papéis mais valorizados

As ações da Ser tiveram um salto de valorização logo após a divulgação do fato relevante. A entrada da Yduqs no páreo provocou uma alta nos papéis das duas rivais e também de Ânima e Cogna.

A partir de agora, porém, somente o desfecho dessa disputa poderá dar um viés mais claro para o preço dessas ações. A empresa que abocanhar os ativos terá alta nos papéis, enquanto a perdedora terá uma correção para baixo em seu preço.

Maciel frisa, entretanto, que o preço das ações também será influenciado pelo valor do lance final a ser dado pela parte vencedora.

“Temos que ver se a compra não vai sair cara demais. A Yduqs pode elevar a proposta. Se o negócio entrar em uma espiral de leilão, isso será ruim para o investidor daquela empresa”, pondera.

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