- Empresa teve uma das maiores quedas na B3, com 80% de desvalorização dos papéis
- Série de escândalos abalou confiança dos investidores no ressegurador
- Analistas tiraram recomendação de compra para a companhia
Quem nunca passou por uma fase difícil, em que tudo dá terrivelmente errado? No caso do IRB Brasil Resseguros (IRBR3), esse ‘inferno astral’ ganhou força quando a CVM abriu dois inquéritos para apurar irregularidades contábeis por uma gestora de fundos. O cenário já era preocupante quando a empresa levou uma ‘bronca’ do famoso oráculo de Omaha, Warren Buffett, e a crise se acentuou com a chegada do coronavírus. Mas os problemas não pararam por aí.
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Uma série de acontecimentos fez as ações da IRB, cotadas em R$39,89 no primeiro pregão de janeiro, se desvalorizarem até chegarem à mínima de R$7 em março. Mesmo com a recuperação no mês de junho, em que os papéis valorizaram 30%, aos R$10,35 (até o fechamento do dia 15), a empresa continua entre os piores desempenhos do ano, com queda acumulada de cerca de 70%.
No episódio mais recente dessa história cheia de altos e baixos, a equipe de análise de investimentos do BTG Pactual cortou em 40% o preço-alvo da ação do ressegurador, passando de R$15 para R$9 em 12 meses. A empresa também finalmente divulgou os balanços do primeiro trimestre de 2020 e informou um lucro líquido de R$13,8 milhões. A queda é de 92,2% na comparação com o mesmo período do ano passado.
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A situação é incomum para uma corporação com mais de 80 anos de existência, considerada sólida, cujo Conselho de Administração envolvia bancos como Itaú e Bradesco. “O IRB entregava resultados qualitativos superiores a seus pares”, lembra Ilan Arbetman, analista de equity research da Ativa Investimentos. “Mas hoje, não temos como recomendar a compra aos nossos investidores.”
O que aconteceu com o IRB?
O IRB Brasil Resseguros foi fundado em 1939 e atualmente é a maior do segmento do Brasil. Na prática, a empresa faz o ‘seguro’ das seguradoras, ou seja, indeniza as empresas seguradoras em caso de danos decorrentes das apólices de seguro.
Entre janeiro de 2018 e dezembro 2019 as ações da empresa valorizaram cerca 244%. No começo deste ano, o IRB anunciou lucro líquido de R$ 1,7 bilhão. Tudo corria aparentemente bem até o dia 3 de fevereiro, quando a gestora de fundos Squadra apontou inconsistências no balanço da companhia.
02/02: Investigação de irregularidades
Logo no começo de fevereiro, a Squadra produziu dois relatórios aos cotistas (divulgados no dia 2 e 9 daquele mês) em que justificava a posição vendida em IRB. Estar vendido em uma ação, significa apostar em sua queda.
No relatório, a gestora questionava as práticas contábeis do ressegurador e acusava o IRB de inflacionar os lucros do balanço de 2019 em R$1,5 bilhão, ao considerar ‘ganhos extraordinários’, que não se repetiriam. Na visão da Squadra, se a contabilidade considerasse apenas os ganhos recorrentes, o lucro seria bem menor.
O relatório causou polêmica na época e os argumentos da Squadra não foram acatados por vários analistas, como Carlos Daltozo, co-head de renda variável da Eleven Financial, que chegou a reforçar a recomendação de compra dos papéis.
No mercado, entretanto, os relatórios da gestora foram certeiros. Entre os dias 2 e 9 de fevereiro, datas em que foram divulgadas as análises em relação à contabilidade da IRB, os papéis da resseguradora despencaram quase 20%, caindo de R$40,77 para R$33.
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Atualmente, após outros fatos sobre o IRB virem à tona, Daltozo, da Eleven Financial, mudou a recomendação dos papéis da resseguradora para ‘neutra’. “Com os esqueletos saindo dos armários da Companhia, como já dizia Keynes, quando os fatos mudam, eu mudo de opinião”, disse o especialista, em relatório enviado aos investidores no dia 18 de maio.
03/03: O nocaute de Warren Buffett
Após o dia 09, data do último relatório da Squadra, as ações do IRB receberam o primeiro golpe de 2020. Entretanto, o nocaute veio com o “Warren Buffett day”.
No dia 27 de fevereiro, o IRBR3 fez circular entre seus acionistas um documento em que mostrava que o Berkshire Hathaway Inc., fundo de Warren Buffett, havia triplicado sua participação na empresa e outros grandes fundos também tinham aumentado suas posições. A tabela fez as ações do IRBR3 ter valorização de 6,25%, chegando aos R$34,13.
A bomba veio uma semana depois, na noite do dia 03 de março, quando a Berkshire Hathaway não só desmentiu a empresa, como afirmou em comunicado que a holding “não é atualmente acionista do IRB, nunca foi uma acionista do IRB e não tem intenção de ser acionista do IRB.”
As ações beijaram o chão no dia seguinte (04/03), com queda de 32%, aos R$19. Nesse dia, o IRB perdeu quase R$ 8,3 bilhões em valor de mercado. “Depois de saber desse caso, nós passamos um comunicado aos nossos investidores, retirando a recomendação de compra da empresa”, revelou Henrique Estéter, analista da Guide Investimentos.
Em nota enviada ao E-Investidor, o IRB justifica que a nova administração reagiu rapidamente para responder o mercado e instaurou um procedimento interno de apuração para esclarecer os acontecimentos.
04/03: Saída de representantes
No mesmo dia em que as ações despencavam com a notícia de Buffet, o então CEO do IRB, José Carlos Cardoso, e o CFO, Fernando Passos, anunciavam que deixavam seus cargos. No lugar deles entraria Werner Suffert, novo vice-presidente Executivo, Financeiro e de Relações com Investidores da resseguradora.
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O episódio com Buffett só reforçou as apostas negativas quanto à contabilidade do IRB. No dia 12 de março a cotação das ações saiu dos dois dígitos e fechou o dia em R$9,15.
12/03: Operação da Polícia Federal acelera queda
Foi também no dia 12 de março que a Polícia Federal bateu na porta da sede do ressegurador, em São Paulo. Segundo jornal, o objetivo era investigar o envolvimento do ex-CFO, Fernando Passos, em práticas de corrupção passiva e ativa, no período em que foi diretor do Banco do Nordeste. A 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça de São Paulo, porém, anulou o decreto de busca e apreensão contra Passos.
A operação foi batizada de ‘suitcase’ e aumentou as dores de cabeça em relação aos ativos do IRB.
A reação do mercado, contudo, foi previsível: as ações caíram 23% entre a data da operação e 23 de março, passando de R$9,19 para R$7. Em nota, o ressegurador disse que o caso não está relacionado à empresa.
11/05: Ressegurador entra no regime de fiscalização especial
Na segunda-feira, 11 de maio, o IRB anunciou que a Susep (Superintendência de Seguros Privados), órgão que rege o setor, iria submeter o ressegurador a uma fiscalização especial por conta da detecção de ‘insuficiência de provisões’. No dia, as ações caíram 14,82%, aos R$7,70.
Em nota, o IRB diz que acompanha de perto o ‘elevado índice de solvência e de volume de ativos livres’.
21/05: Diretor de controladoria é demitido
Pouco tempo depois do fato relevante da Susep, o diretor de controladoria da empresa, Paulo Daniel Araújo da Rocha, foi demitido. A alegação de fraude em contratos teria motivado uma dispensa por justa-causa, mas a empresa não deu maiores detalhes.
No dia da demissão, as ações da empresa caíram 7%, fechando o dia com os papéis cotados em R$7,05.
26/05: CVM abre investigação
Toda essa conjuntura levou a Comissão de Valores Mobiliários a abrir dois inquéritos sobre o caso IRB. O primeiro inquérito investigaria o suposto conflito de interesses da Squadra, que tinha posições vendidas no ressegurador, assim como a queda das ações e demais acontecimentos pós-divulgação do relatório da gestora.
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O segundo inquérito investigaria a suposta divulgação seletiva de informações sobre a situação da empresa, por parte do IRB, a alguns investidores.
29/05: Agência rebaixa rating da empresa para A-
Na última sexta-feira, a agência especializada AM Best rebaixou o rating da IRB de A, para A-. A classificação refere-se ao nível de risco associado ao investimento em papéis do ressegurador. “Quanto mais baixa a nota da empresa, maior o risco de investir”, explicou Arbetman.
O rebaixamento, inclusive, pode prejudicar planos de expansão para a companhia. “Com uma nota mais baixa, também fica mais difícil para o IRB conseguir crédito”, disse.
Em resposta, o IRB afirma que o rating A- tem classificação ‘excelente’ e que “a empresa detém níveis de solvência à altura dos maiores grupos seguradores/resseguradores do mundo”.
03/06: Forte alta e especulação
Na primeira quarta-feira de junho, a alta de 25% das ações do IRB surpreendeu o mercado. Para os especialistas, o resultado não passa de especulação. “Hoje, quando os investidores se deparam com a empresa, a única coisa que possa levar ao investimento é o preço estar muito baixo”, explicou o analista de equity research da Ativa Investimentos.
Para Arbetman, a empresa tem um longo caminho para recuperar a confiança dos investidores. “Hoje a companhia se encontra muito longe daquele patamar qualitativo de antes”, disse.
Essa também é a visão de Estéter. “IRB é de longe um dos casos mais específicos da Bolsa, aconteceu de tudo com a empresa esse ano, e tudo foi negativo”, afirmou. “O ativo ainda tem, de longe, o pior resultado.”
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De acordo com o analista da Guide Investimentos, o balanço do 1º trimestre, que deve ser divulgado no dia 18 de junho, é que vai jogar mais luz sobre o futuro do IRB. “Para retomar o antigo patamar de preço, de R$40, vai demorar um tempo”, disse. “Quando os resultados forem divulgados, teremos uma perspectiva mais clara, mas não temos recomendação de compra.”
No início do mês, o investidor que teve prejuízo com as ações do IRB poderia entrar com processo em câmara de arbitragem. Mais detalhes na coluna do Fabrizzio Gueratto.
12/06: Até R$1 bilhão em ressarcimento
Na sexta-feira (12), a 2ª Vara Empresarial e Conflitos de Arbitragem do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) determinou que o IRB comprovasse que a empresa tem como arcar com até R$1 bilhão em ressarcimento para cobrir possíveis prejuízos a investidores. A decisão judicial aconteceu em uma ação movida pelo pelo Instituto Ibero-Americano da Empresa, segundo informou o jornal Valor Econômico.
No dia seguinte ao anúncio feito pelo TJ-SP, o ressegurador anunciou que adotará medidas legais cabíveis para reverter a determinação da Justiça.
24/06: Mudanças na Governança
Em assembleia o ressegurador divulgou ao mercado algumas medidas de reforma de sua estrutura de governança, na tentativa de diminuir a desconfiança do mercado. A primeira providência seria em relação ao Conselho de Administração, que passaria a poder deliberar sobre aumentos de capital, dentro do limite autorizado, o que permitiria uma capitalização mais rápida da companhia.
Além disso, a Diretoria Executiva passaria a ter composição mais flexível, entre quatro e sete diretores, conforme as reais necessidades da empresa. Por fim, foi criada uma reserva de lucros estatutária, que ajudaria a resseguradora a manter sua margem de liquidez e solvência, arcar com despesas operacionais e realizar investimentos.
Na opinião de analistas ouvidos pelo E-Investidor, as medidas anunciadas são tímidas e não têm o poder de reverter o desencanto do mercado com a empresa neste momento. Para recuperar a credibilidade com o mercado, a diretoria teria que abrir os números da empresa e mostrar uma postura mais transparente.
26/06: Bônus indevido de R$60 milhões
Na data, O IRB Brasil RE divulgou que havia concluído uma investigação interna que identificou supostas fraudes praticadas por sua antiga diretoria. A notícia repercutiu bem entre os investidores, que viram uma atitude mais transparente do ressegurador.
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A empresa informou que enviou um fato relevante à Comissão de Valores Mobiliários (CMV), afirmando que ex-executivos se apropriaram de cerca de R$ 60 milhões em forma de bônus pela venda de imóveis. Além disso, os ex-funcionários teriam recomprado um lote de ações avaliado em R$ 100 milhões, valor acima do limite autorizado pelo seu Conselho de Administração, na época da polêmica carta da gestora Squadra.
30/06: Divulgação de balanços e capitalização
Após dois adiamentos, resseguradora divulgou balanço do primeiro trimestre de 2020. A maior resseguradora do Brasil informou ter tido um lucro líquido de R$ 13,874 milhões, ante R$ 177,895 milhões no mesmo período do ano passado. A queda é de 92,2%.
A empresa também republicou os balanços de 2018 e 2019, revisados após indícios de fraude contábil. O resultado de 2019 ficou R$ 553,4 milhões menor, enquanto no de R$ 2018, a redução foi de R$ 117,2 milhões. As revisões tiveram reflexo também nos lucros da companhia, que caiu de R$ 1,76 bilhão para R$ 1,21 bilhão em 2019 e de R$ 1,21 bilhão para R$ 1,10 bilhão em 2018.
O diretor-presidente do IRB, Antonio Cássio dos Santos, teria afirmado em teleconferência com os jornalistas que a companhia está robusta e solvente. “Se não fosse, meu Deus do céu. A mudança do rating ocorreu por governança e não por solvência. Não temos problema algum de caixa operacional, nem de hedge de balanço, mas um desenquadramento nas reservas técnicas”, explica.
Apesar de apresentar um lucro bastante menor que no primeiro trimestre de 2019, a companhia deu mais esperança a investidores ao divulgar que planeja realizar uma capitalização com o Banco Bradesco BBI S.A. e o Banco Itaú BBA S.A.. Especialistas avaliaram que, com as contas às claras, as atenções a partir de agora se voltam para os desdobramentos dessa tentativa de aumento de capital. Estaria o IRB saindo do ‘inferno astral’?
01/07: Ação contra ex-executivos
De acordo com jornal, o IRB teria proposto uma ação de responsabilidade contra os antigos CEO e CFO da companhia, José Carlos Cardoso e Fernando Passos, em relação à veiculação de informações falsas sobre a participação acionária da Berkshire Hathaway, do bilionário Warren Buffett, na companhia.
Além disso, recairia sobre os ex-executivos a acusação de apropriação de bônus indevido de R$60 milhões. A proposta de abertura de ação seria levada para os acionistas em Assembleia Geral Ordinária e Extraordinária programada para o dia 31 de julho.
07/07: BTG corta preço-alvo para as ações em 40%
O BTG Pactual informou, em relatório assinado por Eduardo Rosman e Thomas Peredo, um corte de 40% nas projeções para os papéis do IRB, passando de R$15 para R$9 em 12 meses. A justificativa apresentada pelos analistas se baseia na piora do lucro por ação estimado até 2022, cortes na receita com ativos e redução do crescimento internacional.
“A visibilidade é baixa e ainda temos muitas perguntas: qual será o tamanho do aumento de capital? O IRB perderá o grau de investimento? Quem será o novo CEO?”, afirmaram os analistas no documento. Apesar de reconheceram as iniciativos em relação à transparência, o BTG mantém posição neutra e olhar cauteloso para o papel.
O corte nos preços estimados para as ações resultou na queda do IRBR3 no pregão seguinte. Até as 13h07 da quarta-feira (08), os papéis do ressegurador caíam 1,68%, para R$9,35.
08/07: Conselho de Administração aprova reforço de capital da companhia
O IRB Brasil RE (IRBR3) anunciou, em Fato Relevante enviado à CVM, que o seu Conselho de Administração aprovou o reforço de capital da companhia de, no mínimo, R$ 2,1 bilhões e, no máximo, R$ 2,3 bilhões, por meio da emissão de ações ordinárias.
No comunicado, os acionistas do Bradesco e do Itaú comprometeram-se a acompanhar a capitalização de forma proporcional às suas participações, de 15,4% e 11,3%, respectivamente. Na avaliação de Marcio Loréga, analista da Ativa Investimentos, a escolha dos bancos para acompanhar o processo pode empolgar os investidores. “Com grandes players por trás dessa capitalização, podemos ter uma melhor recepção por parte dos investidores”, diz.
(*Com Thiago Lasco, Isaac de Oliveira e Estadão Conteúdo)
*Reportagem atualizada no dia 2 de agosto de 2021 para incluir a informação de que a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça de São Paulo anulou o decreto de busca e apreensão contra Fernando Passos.