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Janeiro termina com gringos e fundos locais retirando bilhões da B3

No primeiro mês de 2024, o Ibovespa acumulou queda de 4,79%, aos 127,7 mil pontos

Janeiro termina com gringos e fundos locais retirando bilhões da B3
Painel do Ibovespa. (Foto: Werther Santana/Estadão)
  • O Ibovespa terminou janeiro com uma queda de 4,79%, aos 127.752,28pontos, a maior desvalorização para o mês desde 2016
  • Liderando as vendas, estão os investidores estrangeiros e os institucionais, como os grandes fundos de investimento
  • Até o dia 26, último dado disponível, o saldo de investimentos de gringos na B3 ficou negativo em R$ 4,7 bilhões, enquanto os institucionais retiraram R$ 2,4 bilhões

O Ibovespa terminou janeiro com uma queda de 4,79%, aos 127.752,28 pontos, a maior desvalorização para o mês desde 2016. Liderando as vendas, estão os investidores estrangeiros e os institucionais, como os grandes fundos de investimento. Até o dia 26, último dado disponível, o saldo de investimentos de gringos na B3 ficou negativo em R$ 4,7 bilhões, enquanto os institucionais retiraram R$ 2,4 bilhões.

Juntos, portanto, essas duas classes de investidores foram responsáveis por um fluxo vendedor de mais de R$ 7 bilhões. Os especialistas consultados pelo E-Investidor apontaram uma série de fatores, internos e externos, que impulsionaram as liquidações no mês.

No caso dos estrangeiros, por exemplo, o movimento deriva de uma possível realização de lucros – entre novembro e dezembro do ano passado, o Ibov subiu 18%, em uma performance apoiada principalmente pelo capital de investidores de fora.

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Vale lembrar que em 2023 o saldo estrangeiro ficou positivo em R$ 44,8 bilhões. Deste montante, R$ 38,5 bilhões foram aportados somente nos dois últimos meses de 2023, segundo cálculos de Ricardo Jorge, especialista em renda fixa e sócio da Quantzed. Agora, o momento é de embolsar os ganhos no período.

“O fluxo estrangeiro negativo em janeiro é mais um ajuste técnico. Não vejo isso como um movimento estrutural ou uma piora do sentimento com relação às expectativas do Brasil para 2024”, afirma Jorge.

“A forte alta da bolsa brasileira na reta final de 2023 acabou não tendo sequência no primeiro mês de 2024, prevalecendo um movimento de realização de lucros no período. As persistentes preocupações com a trajetória fiscal no Brasil e a volatilidade dos juros dos treasuries levaram a correção”, corrobora a Ágora Investimentos, em relatório.

Já em relação aos institucionais locais, o saldo negativo em janeiro representa apenas a sequência de uma tendência observada no ano passado. No acumulado de 2023, os grandes fundos retiraram R$ 65,1 bilhões da B3, segundo dados do Itaú BBA. Essas vendas são reflexo de uma onda de saques feitos por cotistas nestas aplicações, que por sua vez, acabam obrigadas a encerrarem posições em Bolsa para darem saída aos investidores.

Os resgates ficaram concentrados nos fundos multimercados, cujos desempenhos ficaram, em média, abaixo do CDI no período. Paralelamente, apesar dos cortes na taxa básica de juros Selic, a renda fixa foi um concorrente forte para os fundos em 2023 e deve continuar sendo em 2024.

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“Essa movimentação dos institucionais diz muito respeito à exaustão do investidor que passou boa parte do ano de 2023 sofrendo com o portfólio rendendo abaixo do CDI. Inclusive, muito desse fluxo negativo é para atender a resgate de cotista”, diz Jorge, da Quantzed.

Essa também é a visão de Pedro Canto, analista CNPI da CM Capital. “Tivemos grandes saques nos fundos, principalmente nos multimercados, que sofreram bastante. Da parte interna, ainda temos as taxas atrativas da renda fixa, ainda difíceis de bater”, afirma.

Fatores em comum

Apesar de existiram motivações díspares para as vendas feitas por investidores estrangeiros e institucionais locais, há também fatores em comum que alimentaram as saídas. Em janeiro, os rendimentos do Tesouro Americano avançaram, o que atrai players do mundo todo para a renda fixa dos EUA. No período, o rendimento da treasury de 10 anos, por exemplo, subiu de 3,8% para 4,038%.

“As bolsas americanas continuam rompendo máximas históricas. Temporada de balanços está bombando por lá e o Federal Reserve (Fed, banco central americano) está na iminência de iniciar o ciclo de corte de juros. Assim como a gente teve aqui o nosso próprio rali quando o BC começou a cortar os juros, lá eles estão tendo o rali deles”, afirma Canto, da CM Capital. “Logo, tende a ter essa migração de capital para a renda variável americana.”

Por outro lado, a percepção de risco no cenário interno aumentou. As questões fiscais e os ruídos políticos voltaram ao radar em janeiro, com um fluxo de notícias lido como negativo pelo mercado brasileiro. Entre essas notícias, está o déficit primário de R$ 230 bilhões em 2023, o segundo maior da história logo no primeiro ano do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

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“Lembrando que o déficit primário representa o resultado negativo das contas do governo sem os juros da dívida pública. Se a gente for analisar mais detalhadamente, em 2022 tivemos superávit. Então, isso quer dizer que o governo gastou, além do superávit que tínhamos, R$ 230 bi a mais. Isso, de fato, preocupa”, afirma Marcelo Boragini, sócio da Davos Investimentos.

Paralelamente, a possível reoneração da folha de pagamento segue no radar do mercado. Em janeiro, o governo Lula seguiu na defesa da reoneração gradual da folha, enquanto o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, se posiciona contra a medida. “O principal responsável pela queda do Ibovespa em janeiro tem sido o descompasso entre Governo e Congresso”, diz Leonardo Cappa, economista-chefe da consultoria Traad. “O governo está propondo uma reoneração da folha de pagamentos para diversos setores que por vários anos tiveram esse benefício”, ressalta.

Seguem no radar ainda as possíveis mudanças nas metas fiscais estabelecidas no Arcabouço e o desenrolar da nova política industrial, apresentada pelo governo Lula na semana passada. Apelidado de “Nova Indústria Brasil”, o programa de R$ 300 bilhões em créditos parece lembrar antigas iniciativas que não deram certo, como a política de “campeãs nacionais”.

“O mercado não gostou, e não gostou por motivos claros. De novo, uma industrialização via empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), com a escolha pelo Governo de quem serão os beneficiados”, afirma Cappa. “Ainda tem a questão da necessidade de ‘conteúdo nacional’ para se receber alguns empréstimos em condições melhores. Tudo isso não é muito pró-mercado e acabou afetando a nossa Bolsa.”

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No cenário micro, os boatos de que o presidente Lula pretendia colocar o ex-ministro da Fazenda do Governo Dilma Rousseff, Guido Mantega, na Vale (VALE3),  geraram aversão a risco no mercado. A mineradora, que tem uma participação de 13,2% no Ibovespa, também foi impactada pela crise imobiliária na China.

Saída temporária?

Apesar dos riscos no radar, os analistas enxergam um cenário promissor para 2024. Isto porque independentemente dos ruídos, os cortes na Selic devem continuar e inflar a atratividade da renda variável. Nos EUA, o Fed também deve começar a cortar juros até o fim do 1º semestre, o que também diminui a competitividade do Tesouro Americano com os mercados globais.

Esses fatores devem fazer os investidores, institucionais e estrangeiros, voltarem para a B3. “Isto, claro, desde que o governo faça o dever de casa e não desancore as expectativas com medidas muito abruptas, no que diz respeito a mudança da meta fiscal”, afirma Jorge, da Quantzed. “Esse é o principal tema no âmbito político, porque o âmbito macroeconômico parece estar tudo em uma dinâmica muito mais positiva.”

Boragini, da Davos, vê o mesmo cenário se desenhando no horizonte. “Nos próximos meses, eu creio que com a queda da Selic e o início da queda dos juros americanos, o fluxo tende a voltar para o Brasil”, diz.

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