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- Em agosto de 2020, a Havan almejava ser avaliada em cerca de R$ 100 bilhões. Em março deste ano, as expectativas já caíram para R$ 70 bilhões e agora para R$ 45 bilhões
- Especialistas de varejo afirma que o risco político, a falta de transparência e boas práticas de governança corporativa podem fazer o valuation cair ainda mais
- Por outro lado, varejista é uma das únicas no modelo de negócio de grandes magazines, que tornou trouxe popularidade aos empreendimentos como o Mappin
Em agosto de 2020, a famosa Lojas Havan protocolava pedido de abertura de capital na Bolsa. A ideia inicial era de que o negócio estreasse com valor de mercado de ‘gente grande’, de R$ 100 bilhões. Para efeito de comparação, a Magazine Luiza, benchmark do setor varejista, era avaliada na época em cerca de R$ 170 bilhões. Entretanto, a empresa de Luciano Hang desistiu do processo depois de dois meses.
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A retomada do projeto de ir à B3 aconteceu só em março deste ano, com expectativas bem mais conservadoras. A projeção inicial ere que a varejista fosse avaliada em R$ 70 bilhões. Agora, conforme apurado pelo Estadão, o esperado é que a rede de lojas das estátuas da liberdade seja avaliada em R$ 45 bilhões, menos da metade do almejado há um ano – e a tendência é que os números continuem a ser revisados para baixo.
“O viés é de baixa, por conta especialmente do risco político. Esse é o principal risco hoje”, afirma Luiz Claudio Dias Melo, sócio-diretor da consultoria 360 Varejo. “O Luciano Hang está abraçado ao presidente da república, que por sua vez está envolvido em uma série de situações que podem ter desdobramentos nos próximos meses.”
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Para Ana Paula Tozzi, CEO da AGR Consultores, a Havan começa a ficar mais próxima da realidade com a nova meta. “Quando olhamos projeções de venda, nível de endividamento, acredito que a atual projeção está mais adequada. Ainda assim, não tenho certeza que Hang irá conseguir lançar a empresa a R$ 45 bilhões”, afirma. “Mesmo com o crescimento importante que a companhia teve esse ano no 1º trimestre, não será fácil. Chegar a R$ 100 bilhões não fazia o menor sentido.”
‘Bolsonaro na pele de empresário’
O emblemático Hang é conhecido por ser um aliado fervoroso de Jair Bolsonaro, inclusive nos posicionamentos polêmicos do chefe de Executivo. O empresário defende, por exemplo, o ‘tratamento precoce’ contra o coronavírus e é suspeito de financiar o impulsionamento de publicações falsas sobre o STF nas redes sociais.
O vínculo entre a imagem do ‘Senhor Havan’ e o Planalto pode pesar sobre as análises feitas pelos agentes financeiros à varejista. “Uma coisa é a companhia se posicionar, outra coisa é você se vestir na figura do próprio Bolsonaro encarnado em um empresário”, afirma Melo. “O que representaria uma eventual mudança de Governo para a empresa? Hang ficaria isolado no ambiente empresarial brasileiro, aos moldes do Bolsonaro na política internacional, com a saída de Donald Trump.”
É importante lembrar que a CPI da Covid, que investiga eventuais irregularidades na condução do Governo em relação à pandemia, começa a se afunilar com denúncias de superfaturamento e propina na compra de vacinas. Bolsonaro também foi alvo de gravações que apontavam um suposto esquema de rachadinhas conduzido por ele enquanto deputado federal.
Junto às notícias negativas, Bolsonaro sofre com uma queda de popularidade. Nas últimas pesquisas do DataFolha sobre a corrida eleitoral de 2022, o atual presidente perde em intenção de votos para o petista Luiz Inácio Lula da Silva. O momento mais delicado do Governo também fragilizaria Hang. “Nenhum investidor gostaria de ter seus investimentos associados a um governo, à questão política”, explica Melo.
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Já Tozzi não enxerga um impacto tão direto entre a atividade política de Hang e o valuation da Havan. “O mercado está atrás de comprar barato e vender caro. Mesmo que tenha algum risco político, não acho que seja o mais importante”, explica. “O Luciano tem uma qualidade, uma carisma com os funcionários, uma brasilidade e etc. Risco de sabotagem, de ninguém ir às lojas, boicote e tudo mais, não vejo. Tanto é que as lojas abriram e as pessoas estão indo.”
Governança e Transparência
Segundo a CEO da AGR Consultores, os principais pontos que minam a avaliação das Lojas Havan são relacionados a questões de Governança e Transparência. A empresa seria excessivamente centralizada na figura de Luciano Hang, que além de dono, também ocupa um cargo no Conselho de Administração da companhia – prática que compromete a independência do órgão.
“O risco está muito mais no Luciano Hang não ter resolvido as questões de governança que teria para resolver. Ainda é um Conselho de Administração formado por apenas três pessoas, sendo ele uma delas. Mesmo cumprindo a Lei das S.As, isso não é mais prática de Governança e o mercado quer ver um Conselho independente. São práticas que garantem transparência.”
A especialista diz ainda que essa conduta reflete uma ‘teimosia’ do empresário em se adequar às necessidades trazidas pelo mercado. “O CEO não pode acumular funções no Conselho e o diretor financeiro tem que ter liberdade de reportar valores, por exemplo. Quando Hang não cumpre essas questões, a mensagem que ele passa para o mercado não é de seriedade, de segurança”, afirma Tozzi.
O reporte dos resultados de 2020, publicado pela varejista no site de Relações com Investidores (RI), também deixou a desejar. O documento possui apenas uma página e deixa lacunas importantes no entendimento dos números. O EBITDA (lucro antes dos juros, impostos, depreciação e amortização) saltou 45% na comparação com 2019, de R$ 1,1 bilhão para R$ 1,6 bilhão, com uma receita líquida que subiu menos de 1% no mesmo período.
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O capital de giro de 2020 ficou na ordem de R$ 800 milhões, metade do montante de 2019, de R$ 1,6 bilhão. “Como o EBITDA pode ter saltado tanto com uma receita similar a de 2019? E como uma empresa pode ter a mesma receita de 2019, com um capital de giro tão menor? Não existem notas explicativas para isso. O nvestidor que vai aderir ou não ao IPO, não tem subsídios para verificar esses números”, afirma. “Isso mostra que não é uma empresa que adota as melhores práticas de transparência.”
Transformação Digital
Além das questões de Governança, Transparência e Risco Político, os especialistas consideram que as Lojas Havan estão atrasadas no processo de transformação digital. “A empresa vem evoluindo, mas muito aquém dos principais concorrentes. Cerca de 1% do total do faturamento da empresa vem de e-commerce, muito lento ainda”, diz Melo, da 360 Varejo. “No conjunto dos fatores de risco, não é uma surpresa esse corte de valuation de R$ 100 bilhões para R$ 45 bilhões.”
Pontos fortes
Apesar dos riscos, a empresa também apresenta características fortes e interessantes para o investidor. O negócio é um dos poucos a utilizar, com sucesso, o modelo de ‘grandes magazines’. O antigo Mappin, que faliu nos anos 90, é um exemplo desse segmento de lojas de maior proporção.
“A Havan está praticamente sozinha nesse modelo de negócio. E eles vêm crescendo, abrindo lojas ano a ano, aumentando receita”, diz Melo. “Mas essa parte bonita da análise fica desgastada quando vemos os fatores de risco comentados anteriormente.”