- Nova estrutura deve proporcionar mais liberdade de escolha aos consumidores, por meio do compartilhamento de dados entre as instituições financeiras
- Prevista para o último dia 30 de novembro, estreia foi adiada para 1º de fevereiro de 2021
- Sistema financeiro aberto manterá, em um só ambiente, os dados financeiros dos clientes, como cadastro pessoal, serviços e produtos contratados e movimentações em conta
Revolução é a palavra da vez para definir o que o sistema financeiro aberto poderá permitir ao mercado brasileiro, segundo as fontes que têm acompanhado de perto o Open Banking Brasil, com nome já definido. O assunto, porém, ainda é pouco conhecido no País. Uma pesquisa do Ibope DTM, encomendada pelo C6 Bank, revela que 61% dos brasileiros não conhecem ou nunca ouviram falar sobre open banking – apenas 2% afirmam conhecer bem o assunto.
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O sistema financeiro aberto trata-se de uma nova estrutura de mercado, com o objetivo de proporcionar maior liberdade de escolha aos consumidores via compartilhamento de dados entre as instituições financeiras.
A estreia, prevista para o último dia 30 de novembro, foi adiada para 1º de fevereiro de 2021, movimento esperado e necessário na avaliação de fontes ouvidas pelo E-Investidor. É que os prazos pareciam apertados, dada a dimensão e complexidade do projeto que ganhou celeridade este ano, após a aprovação da Lei Geral de Proteção de Dados.
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Se a necessidade de espaços físicos e atendimento presencial já vinha perdendo força nos últimos anos, a partir do open banking a expectativa é que a digitalização da experiência financeira ganhe ainda mais força, rapidamente.
Mas compartilhar as informações pessoais com as instituições financeiras ainda gera desconfiança. O levantamento do C6, que ouviu duas mil pessoas entre os dias 18 e 24 de novembro, aponta que 46% não têm interesse no compartilhamento dos próprios dados e que 72% se preocupam com quem vai ter acesso a essas informações.
É importante lembrar que já existem exemplos internacionais, como no Reino Unido e na Austrália, mas o open banking no Brasil deverá ter um escopo ainda mais amplo, ao englobar serviços e produtos de crédito, seguros e investimentos, por exemplo. A implementação será feita em etapas estabelecidas pelo Banco Central (BC), ao longo do próximo ano.
O que é open banking e em que fase está no Brasil
O sistema financeiro aberto manterá em um único ambiente os dados financeiros dos clientes – como cadastro pessoal, serviços e produtos contratados e movimentações em conta. A ideia é que o consumidor tenha autonomia sobre as suas informações, para que elas sejam compartilhadas entre as instituições financeiras de forma muito rápida e sob a autorização do cliente.
Para isso, será necessário uma estrutura tecnológica, por meio de softwares, ou mais especificamente um API (sigla em inglês para Interface de Programação de Aplicações). As APIs são interfaces de comunicação que permitem, por exemplo, fazer login em um site ou aplicativo com o cadastro de uma rede social ou e-mail. Como as instituições financeiras possuem APIs diferentes nas suas aplicações e plataformas, isso dificulta a comunicação entre esses sistemas. É neste ponto em que o open banking deverá fazer a sua revolução, uma vez que haverá um padrão de API para a troca dessas informações.
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“O open banking é mais que um protocolo, é uma padronização para troca de informações entre instituições financeiras. O BC já definiu a regra e o cronograma. Será uma estrutura de mercado, que vai se chamar Open Banking Brasil”, diz Thiago Alvarez, CEO do Guiabolso. “É uma instituição, com CNPJ, que vai organizar a criação da infraestrutura, terá um repositório de participantes, portal para o desenvolvedor, consulta de todas as APIs, sistema de monitoramento”, revela Alvarez, que integra o conselho deliberativo do novo sistema.
O BC não irá criar essa infraestrutura tecnológica, como aconteceu com o Pix, mas sim coordenar o trabalho, que será, como já mencionado, executado por uma organização formada pelo próprio mercado financeiro. Essa organização, o Open Banking Brasil (que Alvarez não revela maiores detalhes) é quem definirá os padrões a serem seguidos, a tecnologia adotada, os métodos de segurança, contratação de fornecedores etc., integrando tudo isso nas quatro fases de implementação.
Mercado de investimentos à espera da portabilidade
Por estar ainda no começo, não dá para apontar como o mercado se desenhará de fato, porque as estratégias e modelos de negócio deverão se desenvolver conforme o open banking for executado. Mas há muitas projeções. No caso dos investimentos, a grande expectativa é pela portabilidade.
Os clientes vão poder migrar os investimentos de uma plataforma para outra de maneira mais fácil e inteligente. Na opinião dos especialistas, isso forçará o aumento da competitividade, com o cliente deixando de ser uma “propriedade” das instituições, e sim do mercado.
“As empresas vão precisar estar na frente do cliente, mostrando o seu produto onde este cliente está consumindo”, diz Guilherme Assis, CEO do Gorila, sinalizando que as empresas atuarão em maior colaboração entre si.
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A esperança é que no futuro as prateleiras das instituições fiquem mais diversificadas, inclusive com maior disponibilidade de produtos concorrentes. E a concorrência deverá crescer exponencialmente, avaliam os especialistas.
“A padronização da troca de informações entre as instituições, para que estas consigam enxergar o portfólio do cliente como um todo, vai permitir que o produto de investimento seja colocado na hora certa para o cliente”, diz Assis. “O cenário competitivo muito maior vai levar à melhora da experiência, a uma briga por custo, queda de margem de todas as instituições e um preço melhor para o investidor final”, completa o CEO do consolidador de investimentos.
Alvarez lembra que, de 2012, quando o Guiabolso foi criado, até o momento presente, o mercado já avançou muito, com a expansão não só no número de fintechs, que concorrem com bancos, como na qualidade de serviços prestados. Para ele, o open banking é um catalisador dessa transformação em curso.
“É difícil inovar na estrutura antiga, que era mais antiquada. Agora haverá muito mais capacidade de inovação, por causa desse ‘encanamento’ novo que o BC está colocando no mercado”, diz Alvarez. “Vários modelos de negócio vão surgir, estratégias diferentes, bancos que virem plataformas abertas, marketplaces de produtos financeiros”, afirma.
Revolução leva tempo, mas já tem business no radar
Por ser uma nova era do sistema financeiro, o caminho da transformação poderá ser mais demorado. Assis, por exemplo, projeta um horizonte de cinco anos para que se veja, na prática, essa revolução no mercado. Na visão do CEO do Gorila, diferentemente do Pix, que foi adotado pelos consumidores após o evento de lançamento, o open banking é muito mais um processo.
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“Não é uma revolução que vai acontecer do dia para a noite”, diz Assis. “Ele vai criar condições para essa maior competição no sistema e para a criação de novos serviços e produtos em cima dessa regulamentação, dessa infraestrutura, que vai sendo criada ao longo do tempo”.
O Gorila já iniciou uma experiência de open banking antes mesmo da regulamentação, em uma parceria com a corretora Genial. O consolidador de investimentos também busca outros parceiros. O movimento de antecipação é visto ainda na XP, que comprou a Fliper, aplicativo de consolidação da vida financeira dos usuários.
“Nosso intuito com isso é que, quando chegar próximo da quarta fase, quando os investimentos começarem a entrar, já existam algumas experiências criadas no mercado e a gente possa mostrar isso para os reguladores, que vão escolher o caminho a ser tomado”, diz o CEO do Gorila.
Como o mercado de investimentos está se preparando?
O cliente no centro do mercado é uma certeza para os players de investimentos após o início do compartilhamento de dados dos usuários. Se, atualmente, algumas casas já disponibilizam em suas plataformas produtos e serviços de terceiros, a expectativa é que isso ganhe escala após o open banking.
“A gente vislumbra plugar a Ágora, através de APIs, de ligações sistêmicas, com outros players, de maneira que, quando o cliente for consumir em uma determinada plataforma, ele enxergue também nossas soluções para apoiá-lo”, diz Adriano Germenink, analista de estratégia da Ágora Investimentos.
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Apesar de ser uma empresa do Bradesco (BBDC4), Germenink afirma que a casa é favorável à distribuição de produtos não só do seu controlador, mas também de outras instituições do mercado. Na prática, isso já acontece, mas o novo sistema permitirá uma expansão.
O Santander Brasil (SANB11) também olha por este prisma, mas não só na expectativa de ampliar a diversidade de produtos nas prateleiras de investimentos, como também de oferecer uma melhor experiência. Este último seria o diferencial para ter a preferência dos usuários, que terão cada vez mais autonomia e liberdade nas escolhas, avalia Luciane Effting, superintendente executiva de investimentos do banco.
“Estamos robustecendo a nossa prateleira de produtos não só da casa, para que o cliente encontre no Santander essa comodidade, de fazer toda a gestão da vida financeira dele em uma única plataforma”, diz Effting.
Para a superintendente, o fato do banco no Brasil estar ligado a uma holding com posicionamento global, permite aproveitar da experiência de open banking de outros países. No caso do Brasil, ela vê a portabilidade dos investimentos como um diferencial.
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“A jornada de portar os investimentos de uma instituição para outra vai ser muito simples. O produto ofertado vai ser muito mais uma commoditie e vai ganhar a instituição ou plataforma que oferecer a melhor jornada, o melhor relacionamento e atendimento, para trazer a comodidade de o cliente fazer a gestão da vida financeira dele numa única plataforma”, diz Effting.
Na Easynvest, corretora que atua em um modelo de marketplace, a expectativa não é de mudanças significativas, uma vez que a casa já segue o modelo, em certa medida. “Isso já é algo que fazemos há muitos anos. Temos parceria com grandes bancos, mais fechados, que veem em plataformas como a nossa a oportunidade de apresentar bons produtos”, diz Fábio Macedo, diretor comercial da Easynvest.