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Títulos públicos acumulam queda de até 17,7% em 2021. Entenda

Por trás dos desempenhos estão a escalada da inflação e dos juros e o agravamento do risco fiscal

Títulos públicos acumulam queda de até 17,7% em 2021. Entenda
Aplicativo do Tesouro Direto. Foto: Shutterstock/Brenda Rocha - Blossom/Reprodução
  • Levantamento feito pela plataforma Economatica Brasil a pedido do E-Investidor mostra o cenário de forte instabilidade e aversão a risco
  • O tesouro prefixado com juros semestrais para 2031, por exemplo, está com rentabilidade de -17,7% no mesmo período
  • Na mesma toada, os IPCA+ mais longos estão todos no vermelho. Os IPCAs+ 2050 e 2055 acumulam perdas de -9,9% e -11,5% no ano

O Tesouro Direto acumula neste ano prejuízos em títulos públicos prefixados e IPCA+. Os retornos negativos desses ativos de renda fixa ultrapassam até mesmo a queda observada no Ibovespa – principal índice de ações da B3. Desde janeiro até quinta-feira (11), o indicador está em baixa de -9,5% no ano, enquanto o tesouro prefixado com juros semestrais para 2031, por exemplo, está com rentabilidade de -17,7% no mesmo período.

Os prefixados com cupons semestrais para 2029 e 2027 também estão afundados no negativo, com retornos de -16,2% e -13,5%, respectivamente. Nesta categoria de títulos, os que tem melhores performances são os Prefixados mais curtos, para 2022, que renderam entre 0,5% e 1,6% ao investidor.

Na mesma toada, os IPCA+ mais longos estão todos no vermelho. Os IPCAs+ 2050 e 2055 acumulam perdas de -9,9% e -11,5% no ano. Entre os papéis com vencimentos mais curtos, para 2022 a 2024, o cenário é melhor e as rentabilidades variam entre +0,8% e +5,5%. Lembrando que esses títulos são pós-fixados, ou seja, pagam inflação medida pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) mais uma taxa prefixada.

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O levantamento feito pela plataforma Economatica Brasil a pedido do E-Investidor mostra o cenário de forte instabilidade e aversão a risco em que o mercado brasileiro mergulhou nos últimos meses. Por trás dos desempenhos estão a escalada da inflação e dos juros e o agravamento do risco fiscal, que impacta as perspectivas para o futuro do País.

Piores retorno entre títulos públicos em 2021
Título Vencimento Retorno em 2021
Tesouro Prefixado com Juros Semestrais 01/01/2031 -17,7%
Tesouro Prefixado com Juros Semestrais 01/01/2029 -16,2%
Tesouro Prefixado com Juros Semestrais 01/01/2027 -13,5%
Tesouro IPCA+ 15/05/2055 -11,5%
Tesouro Prefixado com Juros Semestrais 01/01/2025 -10,1%
Tesouro IPCA+ 15/08/2050 -9,9%
Tesouro Prefixado 01/01/2024 -8,2%
Tesouro IPCA+ 15/05/2045 -7,5%
Tesouro IPCA+ 15/08/2040 -7,4%
Tesouro IPCA+ 15/05/2035 -7,2%
Fonte: Economatica / Precificação da Anbima / Levantamento considera o reinvestimento dos títulos que pagam cupons

Renda fixa com retorno negativo?

Os retornos negativos são referentes a vendas feitas antes do vencimento dos títulos. Isso significa que quem levar os prefixados ou IPCAs+ até o prazo combinado terá a rentabilidade estabelecida na compra. Porém, se precisar resgatar o dinheiro antes da data estipulada, estará sujeito às condições de mercado. E é nesse momento que o investidor pode ter grandes prejuízos.

As taxas prefixadas oferecidas por esses títulos variam conforme as expectativas econômicas. Em resumo, quanto pior é a perspectiva para a economia do Brasil no médio e longo prazo, mais rentabilidade esses títulos oferecem, já que o mercado passa a ‘prever’ juros e inflação mais altos no futuro. Nessa dinâmica, o governo precisa conceder mais prêmio para que os investidores financiem a dívida pública, na esteira do aumento do risco-país (chance de o Brasil dar um calote).

“É importante lembrar que títulos têm preços. O fato de ver o título do preço caindo dá ao investidor a sensação de perda, mas só vai perder mesmo se vender aquele título antes do vencimento”, explica Sarai Molina, especialista em investimentos da Ágora.

Porém, quanto maior a rentabilidade prefixada oferecida pelos títulos novos, menos os títulos antigos, que pagam um valor mais baixo, passam a valer no mercado secundário. Para quem não conhece, o ‘mercado secundário’ é uma parte do mercado financeiro em que investidores compram e vendem ativos entre si, sem a instituição ‘primária’ que emitiu os papéis.

“No começo do ano, esses títulos tinham taxas bem mais baixas, então valiam mais. Agora, como as taxas estão maiores, os preços dos títulos desvalorizam para poderem entregar a rentabilidade maior. O investidor que comprou esses títulos e decidiu vender irá arrematar esse prejuízo”, afirma Marília Fontes, especialista em renda fixa e sócia-fundadora da Nord Research.

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Paula Zogbi, analista da Rico Investimentos, reforça essa perspectiva. “Começamos o ano com os juros (Selic) em patamares muito baixos e com os títulos do Tesouro Direto pagando prêmios também historicamente baixos”, explica. “Durante o ano, fomos percebendo que a inflação estava muito pressionada por diversos motivos, e os juros tiveram que subir bastante. Além de a situação fiscal e incerteza terem piorado muito no Brasil.”

Para as analistas, ainda é difícil saber se as taxas chegaram às máximas. Na visão de Fontes, da Nord, ainda é perigoso apostar em prefixados com a proximidade das eleições de 2022. Historicamente, anos eleitorais adicionam aversão a risco no mercado, o que pode fazer com que os prêmios oferecidos subam ainda mais.

Em 2016, período do governo Dilma Rousseff que foi marcado por grande irresponsabilidade fiscal, essas taxas estavam em 16%. “Se o governo (Bolsonaro) não parar de gastar, a rentabilidade pode subir”, afirma Fontes. Com isso, o investidor que comprar prefixados ou IPCA+ e precisar vender antes do vencimento, no ano que vem, poderá sofrer com a diluição do patrimônio.

Para o investidor conservador, segundo a sócia-fundadora da Nord, o indicado seria apostar em Tesouro Selic (que paga a variação dos juros no período) pelo menos até a definição da nova equipe econômica. De fato, esses títulos atrelados aos juros são bem menos voláteis e apresentam retornos de 3,3% a 3,9% no ano.

Já Zogbi, da Rico, vê oportunidades também em IPCA+ . “A alta das taxas não depende só das contas públicas, mas da inflação. Se a inflação ficar mais pressionada (além do esperado) por uma eventual alta do dólar, no preço das commodities ou por crise hídrica, por exemplo, isso pode fazer com que as taxas aumentem mais. Por isso é interessante ter uma parte da carteira atrelada à inflação.”

Aversão a risco

A aversão a risco dominou o cenário doméstico em 2021. O IPCA já acumula uma alta de 8,24% entre janeiro e outubro e de 10,67% em 12 meses. Para conter o aumento de preços, o Banco Central acelerou o passo na política monetária e elevou a taxa Selic de 2% para os atuais 7,75%.

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Paralelamente, o governo de Jair Bolsonaro deu indícios, ao longo do terceiro trimestre, de que poderia furar o teto de gastos, a principal âncora fiscal e de credibilidade do País. O objetivo seria viabilizar o novo Auxílio Brasil, substituto temporário do Bolsa Família.

As incertezas fiscais trazidas por Brasília adicionaram uma grande dose de volatilidade ao mercado. No último Boletim Focus, do dia 5 de novembro, a estimativa para o IPCA no final deste ano foi reajustada para cima pela 33ª semana seguida, atingindo os 9,33%.

Ainda de acordo com o Focus, a mediana das expectativas aponta agora para uma alta de 4,63% em 2022. Os juros devem atingir os 9,25% em 2021 e 11% no ano que vem. O PIB também foi atualizado para baixo. A perspectiva caiu de 1,54%, há quatro semanas, para 1% no ano que vem.

Respiro

No final, a aprovação da ‘PEC dos precatórios’ foi a estrutura utilizada para dar vazão ao programa social.  O texto muda a regra de cálculo do teto de gastos, que deverá ser corrigido pela inflação acumulada em 12 meses do ano anterior, e não pelos 12 meses até junho.

Os precatórios (dívidas judiciais do governo) também poderão ser parcelados, segundo o projeto. Dessa forma, se abre um espaço fiscal de mais de R$ 90 bilhões para 2022. Mesmo com ares de ‘calote’, a solução foi considerada ‘menos pior’ do que furar o teto deliberadamente e deu um respiro para o mercado, que vinha em uma ‘espiral do caos’.

Na terça (9), data da votação e aprovação da PEC na Câmara, e na quarta (10), as taxas dos títulos públicos abriram em queda com os investidores precificando o avanço da proposta na esfera política. O discurso de Sérgio Moro no ato de filiação ao Podemos foi um segundo fator que gerou otimismo. O ex-ministro da justiça e ex-juiz se apresenta como uma terceira via para as eleições presidenciais de 2022.

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O alívio nas taxas aconteceu mesmo com a inflação de outubro vindo mais alta do que o esperado. O IPCA veio em 1,25%, maior alta para o mês desde 2002. Na visão de Rachel de Sá, chefe de Economia da Rico, isso indica uma preponderância da questão política em relação aos dados econômicos. “Esse fechamento das taxas no médio e longo prazo indicam muito mais essas discussões estruturais sobre risco fiscal”, diz.

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