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Negócios

BlackRock e a aliança entre ESG e o capitalismo

Em sua carta a lideranças empresariais, Larry Fink fala de propósito na relação com stakeholders e ações sustentáveis reais

BlackRock e a aliança entre ESG e o capitalismo
Larry Fink, o CEO da gestora norte-americana BlackRock atribui aos tempos de "dinheiro fácil" a alta de juros e possíveis desdobramentos. (Foto: Divulgação BlackRock)
  • Em sua influente carta anual para as lideranças empresariais, enviada nesta terça-feira (18) e obtida em primeira mão pelo E-Investidor, o CEO da gestora soa o alarme para o poder do capitalismo de stakeholders
  • Segundo o executivo, quanto mais uma companhia colocar propósito na relação com os funcionários, clientes e a comunidade, mais retornos duradouros entregará aos acionistas
  • Mas ele reforça que as empresas não podem fazer isso sozinhas. Segundo ele, a participação dos governos é fundamental para as crescentes demandas desse novo mundo

Há exatamente um ano, Larry Fink, o CEO da gestora norte-americana BlackRock, deu um poderoso ultimato aos executivos do mundo ao pedir que as empresas apresentassem modelos de negócios compatíveis com uma economia neutra em carbono [quando não se emite mais gases causadores do efeito estufa do que foi removido da atmosfera] até 2050.

Desde o início da pandemia, ele havia alertado: “sabemos que o risco climático é um risco de investimento” e sobre como esse movimento daria início a uma importante realocação de capitais.

O recado sobre meio ambiente é reiterado em sua influente carta anual para as lideranças empresariais, enviada nesta terça-feira (18) e obtida em primeira mão pelo E-Investidor, onde ele soa o alarme para o poder do capitalismo de stakeholders. Para ele, quanto mais uma companhia colocar propósito na relação com os funcionários, clientes e a comunidade, mais retornos duradouros entregará aos acionistas.

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“Não se trata de política. Não é uma agenda social ou ideológica. Não é justiça social. É o capitalismo, conduzido por relacionamentos mutuamente benéficos entre você e os funcionários, clientes, fornecedores e comunidades nos quais sua empresa depende para prosperar. Esse é o poder do capitalismo”, afirma.

Apesar da provocação de um dos investidores mais poderosos do mundo, Fink não descarta a responsabilidade das empresas em oferecer valor de longo prazo aos acionistas, principalmente no mundo interconectado de hoje.

“Não se engane, a busca justa pelo lucro ainda é o que anima os mercados; e a rentabilidade de longo prazo é a medida pela qual os mercados determinarão o sucesso da sua empresa no fim das contas”, diz ele na carta aos CEOs.

A BlackRock é uma das maiores gestoras de fundos do mundo e atingiu o valor  recorde de US$ 10 trilhões em ativos sob sua gestão no fim de dezembro de 2021 – um crescimento de 15% em relação ao ano anterior.

As relações não são mais as mesmas

Na avaliação de Fink, nenhuma relação foi mais alterada pela pandemia da covid-19 do que a de empregadores e funcionários. Em particular, na evolução do ambiente operacional de praticamente todas as empresas e setores.

“Diante deste cenário, empresas inovadoras que procuram se adaptar, têm acesso mais fácil do que nunca ao capital para concretizar suas visões”, escreve o CEO da BlackRock.

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Fink destaca em sua carta que a taxa de pedidos de demissão nos Estados Unidos e no Reino Unido atingiu altas históricas, além de um dos maiores crescimentos nos salários em décadas nos EUA.

Infelizmente, essa não é a realidade do Brasil, que tem mais de 13,5 milhões de desempregados e a quarta pior taxa de desemprego do mundo. Ainda assim, o CEO reforça que, embora a rotatividade e o aumento dos salários não sejam uma caraterística de todas as regiões ou setores, funcionários em todo o mundo querem mais de seus empregadores, incluindo maior flexibilidade e trabalhos mais significativos. “Trabalhadores que exigem mais de seus empregadores são uma caraterística essencial do capitalismo eficaz”, afirma.

Isso pode gerar um cenário mais competitivo para os profissionais, forçando as empresas a criar ambientes melhores e mais inovadores – ações que os ajudarão a alcançar maiores lucros para seus próprios acionistas.

Uma pesquisa realizada pela gestora no ano passado revelou que as empresas que navegam nessa nova realidade já estão colhendo bons resultados. Segundo Fink, as companhias que forjaram fortes vínculos com seus funcionários observaram níveis mais baixos de rotatividade e maiores retornos durante a pandemia.

A esse ponto, ele é contundente ao falar sobre o papel dos CEOs. Segundo o executivo, nunca foi tão essencial que as lideranças tenham uma voz consistente, um propósito claro, uma estratégia coerente e uma visão de longo prazo. “O objetivo da sua empresa é definir seu rumo neste ambiente turbulento. Os stakeholders dos quais sua empresa depende para gerar lucros para os acionistas precisam ouvir diretamente de você – estar engajados e ser inspirados por você”, afirma.

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A chave para o sucesso no longo prazo, segundo ele, está em articular propósito na base dos relacionamentos com os stakeholders.

“Os funcionários precisam entender e se conectar com seu propósito; quando fizerem isso, eles poderão se tornar seus defensores mais fiéis.  Eles serão mais propensos a apoiar você em momentos difíceis se tiverem uma compreensão clara de sua estratégia e do que está por trás dela”, diz.

Descarbonização da economia

A carta de 2022 também traz um destaque especial para a relação entre capitalismo e sustentabilidade, tema recorrente nas últimas cartas. Em dois anos, a gestora informa que houve um deslocamento robusto de capital, com os investimentos sustentáveis atingindo uma soma de US$ 4 trilhões em ativos no mundo. “Isso é apenas o começo”, afirma Fink.

A aposta do executivo é que todas as empresas e setores serão transformados para um mundo de emissão zero. A provocação que ele faz aos executivos é: “Você conduzirá [essa transição] ou será conduzido?”.

A maioria dos stakeholders espera agora que as empresas desempenhem um papel na descarbonização [processo de redução de emissões de carbono na atmosfera] da economia global. Para a BlackRock, essa é a maior oportunidade de investimento de todos os tempos, pois tem o poder de “deixar para trás as empresas que não se adaptarem, não importando o setor em que se encontrem”.

Mas para construir esse capitalismo inclusivo que o executivo defende, é importante reconhecer que “o acesso ao capital não é um direito, e sim um privilégio”. “E o dever de atrair esse capital de forma responsável e sustentável é seu [empresário]”, provoca Fink.

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“Seja o capital que está sendo investido em novos empreendimentos focados na inovação energética ou a transferência de capital dos índices tradicionais para portfólios e produtos mais personalizados, veremos mais dinheiro em circulação”, diz o CEO.

No Brasil, a procura por investimentos “verdes” já mostra sinais de entusiasmo.  Hoje, os ativos associados com selo ESG somam cerca de R$ 84 bilhões no País, segundo dados compilados pela consultoria Sitawi. De acordo com Gustavo Pimentel, sócio da Sitawi, o mercado de operações sustentáveis de crédito pode chegar a R$ 500 bilhões nos próximos 5 anos no Brasil

“O Brasil cresceu muito rápido e esse foi o grande destaque de 2021. Houve um forte apoio dos bancos que não só aprenderam a fazer dívida ESG, mas também ensinaram os clientes e investidores”, diz.

Governos precisam definir metas e agir

Para o CEO da BlackRock, “o capitalismo tem o poder de moldar a sociedade e agir como um poderoso catalisador para mudanças. Mas as empresas não podem fazer isso sozinhas”. Segundo ele, a participação dos governos é fundamental para as crescentes demandas do novo mundo.

Fink destaca que foi a parceria entre o governo e o setor privado, por exemplo, que levou ao desenvolvimento de vacinas contra a covid-19 em tempo recorde. No entanto, a pandemia  também foi responsável pela degradação da confiança em instituições tradicionais e exacerbou a polarização em muitas sociedades ocidentais.

No caso do Brasil, em meio a discursos negacionistas, anti-vacina e defensores de tratamentos sem eficácia comprovada, o País já contabiliza mais de 621 mil vítimas fatais da doença desde o início da pandemia, em março de 2020, segundo dados do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass).

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Questionada sobre o que os investidores brasileiros devem esperar em um ano que promete ser de extrema volatilidade com eleições presidenciais no radar, Karina Saade, diretora-geral da BlackRock no Brasil, é confiante. “Embora 2022 possa ser um ano desafiador, investidores experientes em mercados emergentes podem não considerá-lo diferente do “business as usual”, diz. “Em muitos aspectos, as coisas podem parecer ainda melhores do que no passado.”

Na seara das mudanças climáticas, o compromisso dos governos com a definição de metas e execução de ações reais também é fortemente defendido pelo executivo. “Precisamos que os governos forneçam caminhos claros e uma taxonomia consistente para a política de sustentabilidade, regulamentação e divulgação em todos os mercados”, diz.

Além disso, o CEO destaca que os governos também devem apoiar as comunidades afetadas pela transição, ajudar os mercados emergentes e investir em inovação e tecnologia que serão essenciais para descarbonizar a economia global. “Quando usamos o poder dos setores público e privado, podemos realizar coisas realmente incríveis. Isso é o que devemos fazer para chegar à emissão zero”, afirma.

Propósito e ações reais geram valor aos acionistas

A bandeira sustentável já se tornou protagonista das cartas e discursos de Fink. Mais do que ditar o tom das conversas entre empresários e gerar debates nas salas de reuniões ao redor do mundo, a gestora não se isenta dos compromissos com as práticas e políticas ambientais, sociais e de governança.

Na carta que enviou em janeiro do ano passado, a BlackRock se comprometeu a turbinar o lançamento de novos produtos de investimento alinhados com a  trajetória de neutralidade em carbono, a publicação de uma métrica de temperatura para os fundos abertos de ações e títulos de dívida e, por fim, atingir o zero emissões líquidas em emissões de gases do efeito estufa até 2050 ou antes.

Desde então, alguns passos já foram dados. A gestora levantou US$ 673 milhões para o fundo “Climate Finance Partnership” (CFP), uma iniciativa público-privada, dedicada a financiar infraestrutura climática em países emergentes e acelerar uma economia zero em carbono.

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Para reforçar seu comprometimento com o capitalismo consciente, a gestora acaba de anunciar o lançamento de um centro  de estudos em Nova York, nos Estados Unidos, voltado para o Capitalismo de Stakeholders.

O objetivo é criar um fórum de pesquisa para incentivar a relação entre empresas e interessados para compreender os efeitos nos retornos dos investimentos de longo prazo. O centro vai reunir CEOs, investidores, especialistas em políticas e acadêmicos para compartilhar experiências e insights. Com a iniciativa, a companhia acredita que será possível compreender melhor as relações entre as empresas e seus interessados e como entregar valor aos acionistas.

“Se você se manter fiel ao propósito de sua empresa e se concentrar no longo prazo, enquanto se adapta a esse novo mundo ao nosso redor, entregará retornos duradouros aos acionistas e ajudará a perceber o poder do capitalismo para todos”, escreveu Fink.


“Os mercados exigirão investimentos sem precedentes em tecnologias de descarbonização”, Karina Saade, diretora-geral da BlackRock no Brasil

Karina Saade, diretora-geral da BlackRock Brasil (Foto:Divulgação BlackRock Brasil)

E-Investidor – As mudanças climáticas não respeitam fronteiras e todos os mercados exigirão investimentos sem precedentes. Mas o ritmo dessas mudanças é muito diferente entre os países em desenvolvimento e desenvolvidos. A diferença não está necessariamente relacionada em investir em nações com menos riquezas, mas na qualidade das instituições daquele país. Afinal, o que todos buscam é a oportunidade de ganhar bons retornos para o seu cliente. O risco-Brasil pode impedir esse progresso?

Karina Saade – Todos os mercados exigirão investimentos sem precedentes em tecnologias de descarbonização. Empresas, cidades e países correm o risco de ficar para trás se não planejarem a transição para um mundo de emissão zero. A BlackRock acredita que a descarbonização da economia global, incluindo o Brasil, criará uma quantidade sem precedentes de capital à procura de novas ideias.

E-Investidor – O capitalismo de stakeholders enfrenta mais desafios em países emergentes, como o Brasil? 

Saade – As empresas têm melhor desempenho quando são deliberadas sobre seu papel na sociedade e agem no interesse dos stakeholders – isso não só nos países desenvolvidos, mas nos emergentes também.  Por isso, estamos lançando o Centro para o Capitalismo de Stakeholders. Se nos mantivermos fiéis ao propósito de nossas empresas enquanto nos adaptamos ao novo mundo, entregaremos retornos duradouros aos acionistas e ajudaremos a perceber o poder do capitalismo.

E-Investidor – A economia brasileira não está na trilha de crescimento e o mercado de capitais ainda segue em trajetória de ascensão. Qual o papel das empresas e gestores para transformar essa realidade?

Saade – Pedimos às empresas que definam metas de longo, médio e curto prazos para reduções de emissões de gases do efeito estufa. Essas metas e a qualidade dos planos para cumpri-las são fundamentais para os interesses econômicos dos acionistas. A transição para emissão zero é irregular, com diferentes partes da economia global se movendo em diferentes ritmos, que serão em estágios diferentes em países emergentes e desenvolvidos. Mas as empresas e os governos devem garantir que as pessoas continuem a ter acesso às fontes de energia baratas e confiáveis enquanto perseguimos esses grandes objetivos. Essa é a única forma de desenvolver uma economia verde justa e evitando conflitos sociais.


Confira o especial sobre a divulgação da carta do CEO da BlackRock:

Larry Fink: Os próximos 1.000 unicórnios não serão de redes sociais

BlackRock: Brasil criará capital sem precedentes para novas ideias

 

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