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“Momento é bom para brasileiros investirem nos EUA, apesar do risco de recessão”, diz gestor

John Kerschner, da Janus Henderson Investors, espera que o Fed faça cortes moderados até o fim do ano e momento oferece oportunidade de lucrar com produtos securitizados

“Momento é bom para brasileiros investirem nos EUA, apesar do risco de recessão”, diz gestor
O que é o risco de recessão nos EUA? Foto: Adobe Stock
  • John Kerschner destaca especialmente os produtos securitizados, que tiveram fases difíceis desde a pandemia de covid-19
  • O risco de recessão na economia americana existe e subiu de 15% para 25%, segundo estimativas do Goldman Sachs
  • O investidor diz que os indicadores da economia teriam que piorar para que o Federal Reserve corte 50 pontos na taxa de juros em setembro

Para John Kerschner, líder de produtos securitizados dos EUA e gestor de portfólio na Janus Henderson Investors, o risco de recessão na economia americana ainda é baixo e o momento de mercado traz condições favoráveis para os brasileiros que desejam investir nos Estados Unidos.

Kerschner destaca especialmente os produtos securitizados, que tiveram fases difíceis desde a pandemia de covid-19 e agora estão em trajetória de recuperação, oferecendo rentabilidade acima da média histórica e com baixo risco.

Um produto securitizado de investimento dos EUA é uma ferramenta financeira que agrupa vários ativos financeiros, como hipotecas, empréstimos estudantis, dívidas corporativas ou cartões de crédito, e os transforma em títulos negociáveis no mercado. Para o investidor brasileiro, esse tipo de aplicação pode ser uma forma de obter rendimento em dólar, dentro de uma estratégia de investimento estrangeiro. O rendimento desse tipo de aplicação é, atualmente, de 6% a 8,5% ao ano.

O risco de recessão na economia americana existe e subiu de 15% para 25%, segundo estimativas do Goldman Sachs. Para Kerschner, o risco é um pouco menor, cerca de 20%. O investidor diz ainda que os indicadores da economia teriam que piorar para que o Federal Reserve, o Banco Central dos EUA, corte 50 pontos na taxa de juros em setembro. Na sua avaliação, o Fed fará três cortes de 25 pontos cada até o fim do ano.

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Confira os principais trechos da entrevista a seguir:

E-Investidor – Como o mercado está avaliando o risco de recessão nos EUA?

John Kerschner – No começo do mês, eu provavelmente teria dado de ombros e dito que ninguém estava realmente prevendo uma recessão. Obviamente, já havia alguns cortes do Fed precificados no mercado. Mas, em geral, tivemos um crescimento forte do PIB no último trimestre de 2,8%. A maioria dos escritórios de Wall Street está prevendo algo entre 2% e 2,5% para este terceiro trimestre.

Há alguns dias, a probabilidade de recessão parecia muito baixa, e, de repente, recebemos números de empregos fracos, foram 114 mil  empregos, enquanto a estimativa era de 175 mil. Tivemos um furacão no Texas. O governo basicamente disse que não achava que realmente afetou os números, mas muitas pessoas pensam que talvez tenha afetado, pelo menos marginalmente. Isso não está claro. A chance de recessão ainda é relativamente baixa. O Goldman Sachs aumentou sua porcentagem de 15% para 25%. A chance de uma recessão no próximo ano é de cerca de 20%. Nunca é zero, ou muito raramente é.

Obviamente, o que aconteceu no Japão com o Nikkei caindo 20% foi bastante preocupante. Mas isso ocorre particularmente em ações, não acho que ocorra tanto em títulos. No mercado de ações, vemos as grandes empresas de tecnologia sendo impulsionadas pela loucura da inteligência artificial e vamos ver como isso se desenrola. Estamos vendo um pouco dessa desmontagem, porque provavelmente foram longe demais e rápido demais. E isso é bom, saudável para o mercado.

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Por outro lado, os títulos estão se valorizando, precificando mais cortes do Fed. Não estamos no estágio em que as pessoas estão muito preocupadas. Sobre o desemprego, não vemos muitas empresas demitindo pessoas, mas há muita imigração nos EUA, e a maioria dessas pessoas ainda não encontrou empregos.

Além do desemprego, quais indicadores o mercado deve observar de perto para determinar a probabilidade de uma recessão?

O mais importante é o consumo, e os empregos obviamente fluem de acordo com ele. O consumo tem sido muito forte nos EUA. A estatística de que o consumidor impulsiona algo próximo a 70% dos gastos nos EUA é um pouco enganosa, porque inclui coisas como saúde, um gasto que está no piloto automático para a maioria das pessoas. De qualquer forma, o consumidor representa muito na economia e ele tem sido forte, o que não é realmente uma grande surpresa porque mesmo com os números novos, o desemprego ainda permanece relativamente baixo, em 4,3%.

Os preços das casas subiu: dependendo de onde você mora, cerca de 40% desde a covid-19. O mercado de ações subiu. Então, se você possui uma casa, se você tem investimentos, se você tem um bom emprego, você está se sentindo bastante confortável.

Acrescente a isso o fato de que o dólar tem sido muito forte nos últimos dias. Se um americano vai para a América do Sul ou para a Europa, ele se sente relativamente rico, porque o dólar está forte. A preocupação era, novamente, se o desemprego subisse, certo? Tem empresas como a Intel dizendo que vão demitir 15 mil pessoas. É uma empresa enorme, mas ainda é um grande número. as pessoas estão de olho nisso. Temos que estar cientes de que esses pontos de inflexão são sempre difíceis de prever, e tendem a mudar rapidamente.

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Como está o poder de compra do consumidor americano atualmente?

Quando pensamos no consumidor, falamos da riqueza e da inadimplência. A única preocupação é a renda, e isso é por causa da inflação. A inflação caiu muito. Mas os ganhos caíram um pouco. Por isso, as pessoas ainda estão bastante irritadas. Os preços estão altos no supermercado, no posto de gasolina e, particularmente, nos seguros. Os seguros veiculares e residenciais subiram muito e ainda continuam subindo. Com isso, as pesquisas sobre confiança do consumidor mostram números relativamente fracos. Isso acontece devido ao descontentamento geral com os preços.

Um número muito interessante é o preço dos carros usados nos EUA. Os preços dos carros novos subiram muito, mas os usados custavam US$ 20 mil por quase uma década, quase sem reajustes. Com a covid-19, eles subiram para US$ 30 mil em poucos meses. Há muitas pessoas de baixa renda que não podem comprar carros novos e o carro usado ficou muito caro. Essas são as pessoas cujos aluguéis estão subindo, assim como vemos a comida ficando mais cara.

Dado o contexto que acabou de mencionar, como avalia a atual política monetária do Fed em relação às taxas de juros?

As taxas de juros são muito interessantes, particularmente quando você pensa sobre os fundos do Fed. Antes, era quase certo que haveria corte de juros em setembro. Depois, ficou para dezembro, para o começo de 2025 e para março. Isso mudou. Agora, o mercado está precificando, quatro cortes e meio agora até o final do ano.

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O mercado está dizendo que o Fed vai cortar 50 pontos-base em setembro, ficará entre 25 ou 50 em novembro e então mais 25 em dezembro. Talvez, o mercado tenha se adiantado um pouco. Jerome Powell basicamente disse que setembro está chegando, mas que não estavam pensando em cortar 50 pontos-base. Os números terão que ser piores, seja desemprego ou inflação para eles, ou inflação mais baixa, desemprego mais alto, para eles cortarem 50 pontos-base. Eles não querem cortar 50 pontos-base porque isso vai dizer ao mercado que o Fed está atrasado.

A meu ver, os cortes serão de 25 pontos por vez, totalizando um corte de 75 pontos até o fim do ano. Mas o mercado gosta de forçar a mão do Fed. A menos que os dados piorem substancialmente, não vejo as taxas de longo prazo caindo muito daqui.

Como as políticas monetárias do Fed estão impactando o fluxo global de investimento nos mercados emergentes?

Não é como se os mercados emergentes estivessem tão baratos assim em comparação com os demais. No escritório, nós investimos em mercados emergentes. Gerencio um fundo de renda fixa multi-setorial, algo na linha de “melhores negócios globais”, e estamos um pouco posicionados em mercados emergentes. Houve uma corrida global por rendimento ou spread que em quase todos os mercados, além dos produtos securitizados. E, novamente, isso foi mais uma questão técnica em produtos securitizados do que qualquer outra coisa.

Quando viajei globalmente, vi que as pessoas não entendem tanto sobre produtos securitizados. Eles os veem como uma caixa-preta, acham que são menores e mais menos líquidos. Isso é um equívoco. Hipotecas de agências são um mercado de US$ 9 trilhões. É o mercado de renda fixa mais líquido do mundo depois dos Tesouros dos EUA. Mas o resto dos produtos securitizados, se você está olhando para ABS, SBAC, CMBS, imóveis comerciais, hipotecas não-agênciais e CLOs, você combina todos esses, é um mercado de US$ 5 trilhões e muito mais líquido do que as pessoas pensam. Aos investidores da América Latina e América do Sul é que esses são mercados grandes, e são aplicações muito líquidas.

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Nós obviamente temos produtos na Janus Henderson que são puramente desse mercado. Ou se você quer mais de um portfólio multi-setorial que está com peso em produtos securitizados, nós temos também opções. Não são apenas tesouros ou crédito corporativo. Dado o movimento que a curva de rendimento nos EUA está fazendo agora, eles fazem muito sentido porque isso aconteceu pela última vez há cerca de 40 anos. Por que não aproveitar essa qualidade de crédito mais alta, o bom rendimento, o curto prazo da curva de rendimento e a boa liquidez?

Alguns investidores se protegem do risco e se satisfazem em apenas investir em produtos em dólar. Mas eu não acho que o dólar vá enfraquecer muito. A economia dos EUA ainda está relativamente forte. É difícil encontrar uma razão pela qual as pessoas não deveriam pelo menos considerar esses produtos securitizados para o portfólio delas.

Com os cortes do Fed, qual será o impacto para os produtos securitizados?

Na história recente, o Fed não apoiou esses produtos na covid-19, exceto pelas hipotecas de agências, enquanto o crédito corporativo teve apoio. Quando a situação começou melhorar, entre 2021 e 2022, houve outros contratempos. O Fed estava aumentando as taxas, havia previsão de recessão e muita oferta nos mercados securitizados.

Os gestores de fundos estavam sofrendo retiradas de cerca de US$100 bilhões por trimestre, e recebendo entradas de cerca de US$ 100 bilhões por trimestre. Então, a Rússia invadiu a Ucrânia. Levou mais um ano para os produtos securitizados se recuperarem desses contratempos. Até muito recentemente, ninguém estava pensando em uma recessão, e a maioria dos produtos securitizados estão mais no curto prazo da curva de rendimento, porque foram emitidos entre um e cinco anos. Havia uma qualidade de crédito mais alta.

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Em geral, os produtos securitizados são de maior qualidade de crédito. Com rendimentos mais altos, eles eram muito atraentes para nós como gestores de investimento, mas também para os nossos clientes. Sim, esses rendimentos vão diminuir à medida que o Fed começar a cortar as taxas de juros. Mas isso vai demorar um pouco. A vantagem no curto prazo da curva de rendimento ainda estará lá provavelmente por pelo menos mais 12 ou 18 meses.

No Brasil, temos uma tendência de oferta de contas globais para investimento ou para gastos em viagens. Como o investidor brasileiro pode diversificar sua carteira de aplicações no exterior neste momento?

As pessoas em mercados como o Brasil ou mercados emergentes olham muito para o mercado interno deles, mas também devem investir no exterior. Se os investidores na América Latina ou no Brasil estão olhando para o estrangeiro, logo pensam na renda fixa, por causa de fatores como a segurança e a liquidez. Se querem assumir riscos ou podem suportar a volatilidade, vão para as ações e afins. Mas a maioria das pessoas apenas quer aquela renda, aquele rendimento estável que vem de investir em renda fixa.

Infelizmente, até o Fed aumentar as taxas por causa da covid-19, era muito difícil obter muito rendimento dessa forma. A taxa era de 1%, 2% ou até 3%, com um pouco mais de risco. A inflação estava baixa, mas mesmo os rendimentos reais eram relativamente baixos uma vez que você tirava a inflação. Agora há uma oportunidade real de obter alguns bons rendimentos, mesmo ajustados pela inflação. O rendimento protegido contra inflação é de 1,75%. Historicamente, isso tem sido muito, muito atraente.

Se você estiver disposto a assumir um pouco mais de risco de crédito ou investir no curto prazo da curva de rendimento, poderia obter um rendimento real mais alto. Para os investidores brasileiros, é importante olhar para os EUA por causa do dólar forte e da segurança que vem com ele, e particularmente em produtos securitizados, porque eles estão dando um rendimento excedente, e isso é muito atraente para renda fixa.

Por muito tempo, os investidores descartaram investir em renda fixa porque não estavam obtendo muito rendimento, mas esse rendimento voltou, e esperamos que ele esteja por aí por muitos anos no futuro.

Quais tipos de produtos securitizados são mais atrativos para os brasileiros hoje?

A maioria dos investidores que não estão familiarizados com esses mercados querem manter as coisas simples e ficar nos grandes mercados líquidos. Nas hipotecas de agências, há um prazo maior, cerca de seis anos, mas a aplicação é basicamente garantida pelo governo e é muito líquida. Elas têm sido mais baratas apenas porque tivemos alguns problemas bancários dos EUA.

O Silicon Valley Bank faliu no ano passado, e isso custou US$ 100 bilhões de hipotecas sendo vendidas pelos reguladores no mercado. Além disso, a volatilidade das taxas de juros tem sido muito alta. Normalmente, as hipotecas não gostam disso. Mas estamos indo para uma situação na qual as hipotecas devem se normalizar com os cortes de juros do Fed. Então, esse é um mercado para o qual os investidores estrangeiros podem olhar.

Realmente, gostamos muito de CLO (obrigação de empréstimo colateralizado). É possível escolher seu perfil de risco-retorno. Nos AAAs, o rendimento é de 6,5% e eles nunca entraram em default, porque a qualidade do crédito é alta. Ou se você descer para BBBs, o rendimento vai para 8,5%, e nenhum deles entrou em default desde a recessão de 2008.

Em geral, outros produtos securitizados, seja ABS (Título de Dívida Garantido por Ativos), CMBS (Títulos Garantidos por Hipotecas Comerciais) e imóveis comerciais tiveram alguns problemas, mas nós temos os produtos e a expertise para guiar os investidores através disso.

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