- Cofundador da XP, que deixou a sociedade em 2014, afirma que empresa de investimentos parou no tempo
- Sócio-fundador da Warren defende um modelo de remuneração em que o cliente remunera o assessor, que deixa de receber comissionamento por venda de produto
- Transparência é um outro ponto que ajudaria o investidor entender por que um produto A era melhor do que B
Toda ação gera uma reação – não é possível escapar da Terceira Lei de Newton. Para o mercado financeiro, essa frase se concretizou na campanha publicitária do Itaú, que questiona a atuação dos agentes autônomos, o que provocou uma resposta da XP, a criadora e principal defensora desse modelo de venda de ativos de investimentos. O mais interessante nessa história é que essa é uma briga caseira, afinal, o Itaú detém 46% do capital da XP.
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“Quando uma instituição com o porte do Itaú direciona os holofotes para esse tema, o grande público vai dar um outro tipo de atenção ao problema”, diz Marcelo Maisonnave, sócio-fundador e diretor institucional da Warren, uma plataforma digital de investimentos que detém R$ 2 bilhões sob custódia e 130 mil clientes.
Maisonnave é mais que um espectador desse problema que envolve o conflito de interesse na atuação dos agentes autônomos de investimento. É cofundador da XP com Guilherme Benchimol, ele deixou a sociedade em 2014.
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Naquele momento, os sócios romperam a corda que já vinha esticada sobre os caminhos que a empresa deveria seguir. Ao deixar a sociedade, Maisonnave passou a dedicar seu tempo ao que acredita ser mais importante em um negócio: apoiar iniciativas disruptivas. Além da Warren, é sócio da Startse e da fintech Monkey. “A XP parou naquele modelo que ela revolucionou 10 anos atrás”, afirma ele.
Nesta entrevista exclusiva ao E-Investidor, Maisonnave abre o jogo sobre o papel do agente autônomo, mostra com o investidor sai prejudicado com esse modelo de comissionamento e aponta algumas saídas. Para ele, chegou o momento de toda a indústria de investimentos debater, com transparência, esse tema. “Estamos vivendo uma situação de monopólio sem regulação. Nosso regulador aqui no Brasil não pode se omitir neste momento”, afirma Maisonnave.
E-Investidor – Por que esse debate envolvendo Itaú e XP ganhou uma proporção enorme?
Marcelo Maisonnave – As corretoras passaram a última década batendo nos bancos em razão dos produtos caros e ruins, do conflito de interesse e por só oferecerem investimento nos produtos próprios. Mas esse é um tema já antigo, porque foi há dez anos. De lá para cá, muita coisa aconteceu. Falaram hoje [quarta, 24]: ‘Comecei há 20 anos atrás numa salinha de 25 m²’. Eu comecei, porque estava lá também. Eu vi toda essa indústria se desenvolver. A XP tem um mérito fantástico e tenho muito orgulho de ter feito a história com meus outros sócios, os que estão lá e os que já saíram; de ter transformado a indústria e ter trazido tanta inovação. Parabéns!, mas não pode parar ali. Porque a indústria, as pessoas, os produtos, a tecnologia, a integração, a informação continuaram evoluindo. E a XP não. A XP parou naquele modelo que ela revolucionou há 10 anos atrás.
E-Investidor – Ou seja, do agente autônomo exclusivo dependente de rebate?
Maisonnave – Sim, exclusivo baseado em comissão. Vende e paga a comissão para os agentes autônomos. O que a XP tinha diferente dos bancos? Ótimos produtos, porque os bancos só tinham os produtos próprios. A XP tinha uma plataforma aberta e colocou uma camada motivada de assessores para ligar para os clientes. A propaganda do Itaú ficou muito boa porque pegou bem o ângulo do conflito, na cena da pessoa ao telefone. O assessor liga mesmo porque vai ganhar dinheiro fazendo aquela venda. É um canal sob conflito de interesse. É isso que a gente critica.
E-Investidor – O que acontece em outros mercados?
Maisonnave – A indústria no mundo evoluiu. Na Inglaterra, desde 2012, pela regulação, o distribuidor não recebe remuneração do produto, seja da gestora ou do banco. O distribuidor precisa ser remunerado pelo cliente final, um modelo que não tem conflito de interesses. Nos Estados Unidos, que foi a grande inspiração da XP com a Charles Schwab, eles também já estão em outro modelo. 80% da indústria americana de investimentos já é distribuída por gestores de patrimônio. Lá eles usam a sigla RIA – Registered Investment Advisors, que recebe a remuneração dos clientes. Eles acertam clara e objetivamente qual é o porcentual do patrimônio que vai ser descontado. Pode ser um fixo, mas é acertado com o cliente. A partir daí, todas as comissões e spreads que esse assessor receber são repassados para o cliente. O Itaú jogou um holofote nesta questão no Brasil.
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E-Investidor – Os bancos voltaram a ser as melhores opções para o investidor?
Maisonnave – O Itaú e os outros bancos atingiram um ponto mais avançado, mas evoluíram tanto que são a melhor opção para o cliente? Isso não é verdade. Eles melhoraram, abriram sua plataforma, e a própria campanha do Itaú fala que eles aperfeiçoaram o modelo de remuneração da sua rede de distribuição para diminuir o conflito de interesse, o que é muito bom. Mas o fato é que a XP não fez isso. O que a XP fez há algumas semanas foi abrir e divulgar a comissão dos agentes autônomos. Mas a dela ela não divulga. Foi isso que o Itaú resolveu chamar a atenção. Os investidores e o mercado brasileiro tiveram um ganho muito grande ao acessar as plataformas abertas de investimento, e temos dezenas sensacionais espalhadas pelo Brasil. Mas o investidor não estava preparado para o seguinte passo: agora que já dominei a plataforma de investimento, qual é a próxima evolução? Quero investir sem conflito de interesse.
E-Investidor – O distribuidor é o grande vilão?
Maisonnave – A indústria de distribuição de investimentos é superimportante, eu faço parte dela. Mas ela não cria nada. Ela tira uma parcela do gestor, banco ou empresa que emitiu a debênture; e uma outra parcela do investidor. Então, só se apropria. Foi citado hoje, pela XP: ‘o que tem de errado em ganhar dinheiro’? Não tem problema nenhum, mas estamos tratando aqui de uma indústria regulada. Que contas devem ser prestadas? Não é venda de parafuso ou de qualquer outro produto sem impacto. Existe um mercado regulado e que precisa prestar contas. Foi esse gigantismo que tomou conta da indústria de distribuição de investimentos. Por vários fatores, os concorrentes perderam muito tempo em acordar. O que fez esse principal player ficar muito dominante e agressivo e, de fato, causar uma distorção do mercado.
E-Investidor – Esse distribuidor ganha mais que o investidor?
Maisonnave – Vamos fazer uma conta aqui. Pelos últimos resultados divulgados, seja pela XP ou pelo BTG, vamos estimar que eles se apropriem de 1% do patrimônio dos clientes. A gente utiliza um indicador, o ROA, return on asset, que é basicamente o retorno pelo ativos. Se eu tenho R$ 400 bilhões sob custódia e faturei na intermediação R$ 5,5 bilhões, eu me apropriei de 1,3%. Com a taxa de juros a 2,25%, se eu me apropriar de apenas 1%, estou tirando 50% da rentabilidade do CDI dos clientes. O que acontece é que não tem mais como as empresas de intermediação e distribuição remunerarem as suas estruturas distribuindo fundos básicos.
E-Investidor – O que acontece com a indústria de distribuição?
Maisonnave – Vão ter de empurrar clientes para produtos estruturados, onde as comissões estão embutidas e são mais difíceis de serem verificadas. Além disso, ainda tem uma camada de assessores de investimento que são pagos por produtos vendidos. Eles, naturalmente, estão alinhados a empurrar os clientes para tomar mais risco. Distribuir fundo de renda fixa não rende mais. Novamente, a crítica do Itaú pegou nesse ponto. Eu vejo a indústria refém dessa situação. Se fizer uma avaliação junto aos bancos emissores, gestores, fundos, da Faria Lima ao Leblon, todos estão preocupados com essa situação. Esse player extremamente organizado, dominante, e cada vez mais ganancioso está se apropriando cada vez mais dessa indústria. Estamos vivendo uma situação de monopólio sem regulação. Nosso regulador aqui no Brasil não pode se omitir nesse momento.
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E-Investidor – Como diminuir ou acabar com esse conflito?
Maisonnave – À medida que o investidor tiver mais informação e educação financeira ele vai conseguir perceber aquela venda viciada, aquela venda que empurra o produto X e no mês seguinte aparece um novo produto, baseado num cenário de incerteza. Esse assessor consegue organizar as ideias, oferece o novo produto, e esse cliente fica trocando de produto em produto. Muitas vezes o produto de margem mais baixa não é oferecido, porque não rende nada para o assessor. À medida que houver mais plataformas e que surgir na cabeça do investidor a possibilidade de ele estar sendo prejudicado, esse investidor tende a se proteger. Acho que acontece naturalmente e cada vez mais rápido.
E-Investidor – Qual é a importância da atuação dos reguladores?
Maisonnave – Tenho confiança que a CVM e o Banco Central estão acompanhando isso. Teve uma pré-audiência pública para estudar a maior transparência na distribuição pelos agentes autônomos. A CVM já se manifestou que prefere o modelo de consultor de investimentos, uma licença que foi reformada em 2017. Nela, o consultor não recebe comissão da corretora. O regulador não vai e nem pode se omitir. E isso vai ajudar o mercado.
E-Investidor – Por que falar sobre o tema só agora?
Maisonnave – Aqui na Warren falamos sobre isso há bastante tempo, sobre o problema do conflito de interesse e sobre a distribuição no Brasil estar calcada em cima de um conflito de interesses. Com a redução da taxa de juros, esse problema vai ficar cada vez mais evidente porque os assessores, essa força e massa extremamente treinada e remunerada para isso, vai ficar jogando o investidor para o risco. Isso é um problema estrutural. Uma nova gestora, para entrar no mercado, precisa fazer parte desse jogo, que é pagar comissões altas para ter um lugar na plataforma. Essas gestora já nascem reféns. O Brasil perde novas opções de investimento e os clientes perdem porque vão receber apenas os mesmos produtos. Estamos com uma distorção clara que precisa ser resolvida.
E-Investidor – Qual é o modelo que você acredita fazer sentido?
Maisonnave – É o modelo de digital wealth management. Esse modelo não foi inventado por nós. Isso já existia nas plataformas dos private bankings. Os super ricos no Brasil e no mundo já investem assim. Eles têm assessores dedicados que acertam com essa famílias riquíssimas um percentual ou valores fixos, tetos e limites de quanto esse assessor vai receber. A partir daí, todas as comissões que o assessor receber serão devolvidas para os fundos dos super ricos. Esse modelo já existe e estamos levando para todos os clientes de varejo. A gente acredita no modelo de distribuição com a licença de consultor de valores mobiliários, que acerta o seu serviço com o cliente. E a Warren operacionaliza isso [a Warren cobra uma taxa fixa de gestão que varia de 0,5% a 0,7%].
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E-Investidor – Existe algum outro caminho?
Maisonnave – Esse é o modelo que a gente acredita. Na falta dele, o menos ruim é a transparência. Vou repetir: a indústria de distribuição tem de ser remunerada, mas como toda atividade regulada, as contas têm de ser prestadas, tem de haver transparência e saber por que ofereci o produto A e B e quanto ganhei neles; e quais produtos similares teriam um custo mais baixo. Isso não existe na indústria de investimento.
E-Investidor – A XP critica o modelo dominante dos bancos na sua carta, mas bastaria olhar para dentro para perceber ela está repetindo o mesmo comportamento no mundo dos investimentos?
Maisonnave – Exato. Ninguém ali abraçou a transparência, que é o real benefício para os clientes. O Itaú é ótimo ao se posicionar dizendo que a distribuição dele tem outros indicadores menos ‘conflitados’. Para mim, a reação da XP não respondeu. E acredito que outras plataformas tinham de responder também. Porque o Itaú não cita a XP, que acusou o golpe. Não vi o André Esteves, do BTG, respondendo. Mas é uma discussão boa.