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Carlos Kawall: ‘Hoje o maior risco é a inflação baixa’

Ex-secretário do Tesouro Nacional projeta Selic a 1% no fim do ano, mas vê com bons olhos o horizonte para o investidor

Carlos Kawall: ‘Hoje o maior risco é a inflação baixa’
Carlos Kawall, ex-secretário do Tesouro Nacional e atual diretor da Asa Investments (Crédito: Leonardo Rodrigues)
  • Em entrevista exclusiva ao E-Investidor, Carlos Kawall diz que a fraqueza da atividade econômica já era anterior à pandemia. Com a crise, a redução da taxa básica de juros se tornou ainda mais importante
  • Mesmo em um cenário de juros a 1%, a gestora prevê uma inflação de apenas 1,7% em 2020 e de 2,7% em 2021. A meta estipulada pelo BC para o IPCA é de 4% para 2020 e de 3,75% para o ano que vem
  • Apesar da turbulência macroeconômica, Kawall vê o mundo dos investimentos em um momento interessante, com maior protagonismo da Bolsa e de fundos multimercados e imobiliários, por exemplo

Em meio às incertezas econômicas geradas pela crise do coronavírus, o investidor brasileiro hoje vive um dilema sobre como posicionar seus ativos. Se por um lado a renda fixa fica cada vez menos atrativa com a taxa Selic em queda, na outra ponta a Bolsa ainda é um ambiente de muito volatilidade. Para o economista Carlos Kawall, ex-secretário do Tesouro Nacional, não é segredo que a saída está na diversificação. O problema é como atingir um ponto de equilíbrio no portfólio em um país tradicionalmente conservador nos investimentos. “A cultura da renda fixa e do CDI é muito arraigada”, diz o atual diretor da Asa Investments, gestora do Grupo Alberto Joseph Safra.

Em entrevista exclusiva ao E-Investidor, Carlos Kawall ressalta que o cenário mudou para o investidor. Agora, o País tem juros e inflação bem baixas e dólar elevado. O economista projeta a taxa básica de juros em 1% ao final do ano – hoje a Selic está em 2,25%. Mesmo neste cenário de juros baixos, a gestora prevê uma inflação de apenas 1,7% em 2020 e de 2,7% em 2021. A meta estipulada pelo Banco Central para o IPCA é de 4% para 2020 e de 3,75% para o ano que vem, com intervalo de tolerância de 1,5%. Já o PIB, nos cálculos de sua equipe, sofrerá contração de 5,8% em 2020 e subirá 2,8% em 2021.

“Hoje o maior risco é a inflação baixa. Há uma fraqueza da atividade econômica, uma ociosidade muita elevada”, alerta Kawall, também ex-diretor do BNDES e ex-economista-chefe do Citi e do Banco Safra. Ele lembra que o Banco Central está indo por “mares nunca navegados”, mas na direção correta com os cortes, em linha com o resto do mundo.

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O ex-secretário do Tesouro – deixou o cargo em 2006 -, porém, vê com bons olhos o horizonte no mundo dos investimentos, com maior protagonismo da Bolsa e de fundos multimercados e imobiliários, por exemplo. Contudo, o economista faz uma ressalva: “A renda fixa não é de jeito nenhum um veículo do qual se deva fugir. No fundo é aquela história de não colocar todos os ovos na mesma cesta.”

Confira a entrevista completa do economista ao E-Investidor:

E-Investidor: Por que o ASA Investiments projeta uma Selic a 1% no fim do ano? Não há riscos para a inflação?

Carlos Kawall: Hoje o maior risco é a inflação baixa, o problema inverso do que já vivemos no Brasil. Isso preocupa todos os BCs do mundo. A inflação baixa limita a queda do juro real. Os Estados Unidos, por exemplo, que estavam há pouco tempo em pleno emprego, com a crise, não conseguiram elevar sua taxa básica acima de 2%, 2,25%, e já estão de novo no zero. O que temos visto no mundo todo é um processo de reestruturar a taxa de juros.

Há uma fraqueza da atividade econômica, uma ociosidade muita elevada. E isso, inclusive, já era o quadro anterior à pandemia. Já tínhamos juros abaixo do patamar estrutural antes. Com a pandemia, a redução se tornou ainda mais importante, em linha com o resto do mundo.

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Por que o Banco Central está tão cauteloso então?

Nossa visão não prescinde de se interpretar o momento com cautela. A trajetória até o ‘nosso 1%’ é bem gradual. São cortes de 0,25%. Dado que tem mais quatro reuniões, chegaria a 1% na virada do ano. O Banco Central está indo em mares nunca antes navegados. Os BCs devolvidos já tinham experimentado juros baixos e até negativos, tiveram mais conforto em fazer movimento de forma mais rápida.

No nosso caso, o BC tem pedido cautela por diversos fatores: ambiente fiscal, estabilidade financeira, cambio e financiamento da dívida pública. Com exceção do ambiente fiscal, nós relativizamos os outros problemas. Porque se caminhar para uma ruptura do teto de gastos ou uma trajetória ascendente de gastos, acaba impedindo a flexibilização monetária adicional. E entramos em outro cenário em que os juros até tenham que subir. Isso (problema fiscal) é algo mais binário: você sai ou continua no trilho.

E qual é a saída para o problema fiscal em meio a uma crise sem precedentes?

Temos que avançar na reforma tributária, na autonomia do BC e em outros marcos regulatórios, como no setor elétrico, que tem desequilíbrio. Tudo isso aumenta a produtividade para sairmos mais rápido da crise e gerar empregos. No desastre trazido pela pandemia, tanto humano como econômico, é imprescindível não perder a possibilidade de quebrar algumas barreiras que atravancam a economia e a geração de emprego.

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É nesse contexto de perseverança das reformas e manutenção do teto de gastos que conseguimos pensar em uma taxa de juros incrivelmente baixa. É uma combinação macroeconômica muito superior à que quando tínhamos com o dólar a R$ 1,50 e o juro a 20%. Então, o quadro atual ainda inspira confiança, porque a ideia é que o desvio de rota que foi causado pela pandemia no gasto público será corrigido a partir do ano que vem.

Sobre o câmbio, o BC projeta o dólar em R$ 5,20 no final do ano. Você acha plausível ou prevê mais oscilações à frente? E por que a moeda neste patamar tão alto não preocupa mais?

O ambiente político melhorou, o governo se aproximou do centrão, vislumbra-se retomada das reformas e o tivemos o marco do saneamento também. Então, a panela de pressão de Brasília que estava com o nível de tensão muito grande melhorou. Nossa previsão é de R$ 5,50 no fim do ano e de R$ 5,00 no ano que vem dependendo do mercado internacional e do cenário de juros.

Não enxergamos agora problemas advindos da alta do dólar. Não temos hoje vulnerabilidades que tivemos no passado, como endividamento em dólar das empresas muito elevado ou mesmo do próprio governo. Hoje a alta do dólar não tem impactos negativos do ponto de vista da situação de balanço, nem do governo nem do setor privado.

Um câmbio nesse patamar chega a ser vantajoso para as empresas brasileiras? Quais setores se beneficiam e quais se prejudicam?

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O setor de commodities está muito bem porque tem um ambiente favorável de demanda da China, com exportações recordes de grãos, minério e petróleo. Para a indústria, o cenário também é muito bom, pois vai propiciar competir melhor com o produto importado. Se há algum impacto negativo, é no turismo internacional e setor aéreo, por exemplo, muito prejudicado pelo encarecimento do custo do combustível em dólar. E o grande nó da crise é o setor de serviços.

Como você vê a troca na secretaria do Tesouro, com a saída de Mansueto Almeida e chegada de Bruno Funchal? Acredita em manutenção ou alguma mudança de rota?

A saída do Mansueto certamente é uma grande perda para qualquer equipe. Mas acho que não muda nada na política econômica e na gestão fiscal em particular. A expectativa é que continue no mesmo rumo do ajuste fiscal estruturado, com o teto e a tentativa de continuar avançando nas reformas.

O secretário Funchal tem uma experiência muito importante no Espírito Santo, repetindo o caminho da ex-secretária Ana Paula Vescovi, a quem ele sucedeu no estado, e ao que tudo indica com muito sucesso. Posteriormente, se juntou ao Paulo Guedes na secretaria especial de Fazenda. Tem, portanto, já uma experiência de Brasília de um ano e meio, e, por experiência próprio, eu te digo que um ano e meio lá é cinco vezes mais do que em qualquer qualquer outro tipo de emprego. Não conheço pessoalmente, mas foi escolhido por conta desse currículo, tanto na esfera estadual como federal.

Como você vê os investimentos em renda fixa atualmente com a Selic baixa e com a projeção de queda contínua da taxa?

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Temos a cultura do juro extraordinariamente elevado, combinando com aplicações de alta liquidez. A cultura da renda fixa e do CDI é muito arraigada. Já há alguns anos, eu insistia que precisávamos de uma mudança de portfólio e usava a expressão ‘acabou a bolsa CDI’. As pessoas estavam preocupadas que não tinha rendimento de 1% ao mês e hoje estamos entre 1 e 2% ao ano. É um outro mundo.

É hora do investidor fugir desse tipo de investimento?

A renda fixa não é de jeito nenhum um veículo do qual se deva fugir. A curva de juros apresenta uma inclinação bastante interessante, com oportunidades em pré-fixados e fundos de inflação. Desde o segundo semestre de 2019, os recursos alocados em fundos de renda fixa começaram a cair. Já víamos uma maior alocação em renda variável, não só em fundos mas também em pessoa física na Bolsa. Mas agora, nos últimos meses, já vemos uma volta à renda fixa, porque, por excelência, é a maneira que você melhor preserva o patrimônio. Mas no fundo é aquela história de não colocar todos os ovos na mesma cesta.

E como os investidores devem se posicionar então em outros investimentos? A Bolsa ganha ainda mais força?

Desde o ano passado, a Bolsa não para de crescer em número de investidores individuais, mesmo no período da pandemia. Outro segmento importante é o de multimercados, que têm crescido em patrimônio desde 2016. É notória a proliferação desses fundos, que são uma maneira de diversificar investimentos e buscar maior retorno. Há ainda o setor imobiliário, com fundos e imóveis para aluguel.

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Essa é a beleza do modelo que propicia juros baixos, leva as pessoa a buscarem nova composição de portfólio. No Brasil, nos testes de perfil de risco, a recomendação é de 30% em ações para aquele que tem mais apetite ao risco, enquadrado como arrojado. Isso nos Estados Unidos é considerado um perfil conservador. Lá a alocação em Bolsa é, tradicionalmente, bem maior.

E o que falta no Brasil? Você vê os investidores mais preocupados e mais atentos às finanças pessoais agora?

É uma questão cultural do nosso conservadorismo. Fazer com que pessoas de alta renda, bem informadas, se exponham à renda variável não é nem um pouco trivial. Obviamente, temos que respeitar o perfil de risco e a velocidade desse processo de mudança. Mas do ponto de vista de uma poupança de longo prazo, de aposentadoria, manutenção do padrão de vida, temos que pensar diferente, como tem acontecido no resto do mundo, em que esse movimento estrutural já vem ocorrendo há mais tempo.

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