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Lula em 100 dias: bolsa tem pior resultado desde FHC; o que vem por aí?

Bolsa sofre no 3º mandato do petista por fatores externos, mas volatilidade política também pesa; Veja os desafios daqui para a frente

Lula em 100 dias: bolsa tem pior resultado desde FHC; o que vem por aí?
Posse de Lula completa 100 dias nesta segunda-feira (10). Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
  • Luiz Inácio Lula da Silva (PT) completa nesta segunda-feira (10) 100 dias em seu inédito terceiro mandato como presidente da República
  • O desempenho do Ibovespa no período é o pior desde o início do primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso, em 1995
  • Os motivos para a queda são vários e a incerteza política tem seu papel; separamos os embates principais de Lula com o mercado nestes 100 dias

No dia 1 de janeiro, a população brasileira assistiu, dividida, ao ex-metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva (PT) subir a rampa do Planalto pela terceira vez. O inédito terceiro mandato de um presidente brasileiro completa 100 dias nesta segunda-feira (10).

De forma extraoficial, entretanto, o líder do Partido dos Trabalhadores está no poder há muito mais tempo. Desde que venceu a corrida presidencial, em 30 de outubro do ano passado, o Governo Lula 3 iniciou imediatamente uma segunda corrida. Desta vez, por espaço no orçamento.

Faltando dois meses para a posse, deu andamento às negociações da PEC de Transição (PEC 32/22), uma proposta de emenda à Constituição que expandiu em R$ 145 bilhões o Teto de Gastos, regra fiscal criada em 2016, no governo Michel Temer (MDB), que limitava as despesas da União.

O montante era necessário para bancar o aumento do Bolsa Família para R$ 600 e financiar programas como Farmácia Popular, Auxílio Gás, entre outras políticas públicas.

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“É bom notar que o governo Lula começou antes da posse”, diz André Perfeito, economista e mestre em economia política pela PUC/SP. “Aprovaram uma PEC que deu liberdades fiscais bastante generosas.”

O foco inicial na economia, contudo, foi logo desviado pela agressividade. Apenas sete dias após a cerimônia de posse, apoiadores radicais do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) também subiram a rampa do Planalto, mas de forma violenta.

Em um movimento também inédito na democracia brasileira, golpistas invadiram o Congresso Nacional, Palácio do Planalto e Supremo Tribunal Federal (STF) em uma manifestação contra o início do novo governo Lula.

Os atos do dia 8 de janeiro em Brasília foram uma virada de chave importante no discurso do Executivo – reviravolta que impactaria substancialmente a relação com o mercado neste primeiro marco temporal. “A destruição ocorrida no dia 8 de janeiro moldou muito esses 100 primeiros dias de mandato. Forçou o governo Lula a adotar um tom muito mais reativo”, afirma Mário Lima, analista político da Medley Advisors.

Na visão de Lima, o Executivo teve bons resultados ao lidar com a invasão dos bolsonaristas e intervir na situação dos Yanomamis, que estavam largados à própria sorte desde o início do governo Bolsonaro. Contudo, Lula, pessoalmente, entrou em discussões acaloradas e improdutivas em relação à economia, que atravancou possíveis ganhos na Bolsa e melhorias nas perspectivas para juros e inflação.

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“Foi um tempo perdido. O maior erro foi o próprio presidente ter entrado de cabeça na briga com o Banco Central. Isso causou ruídos que pioraram o cenário para a economia”, afirma Lima.

Entre ruídos políticos e fatores de mercado impossíveis de serem previstos ou evitados – como o colapso da Americanas (AMER3) e o avanço da inflação e dos juros pelo mundo – o governo Lula 3 chega à efeméride como os piores 100 dias de um início de mandato no Ibovespa desde a primeira gestão de Fernando Henrique Cardoso (FHC), iniciada em 1995.

Até o fechamento da quinta-feira (6), o Ibovespa acumula uma queda de 8,12% em 2023. O resultado negativo só perde para a queda de 28,28% registrada nos primeiros 100 dias do governo FHC 1, segundo dados levantados por Einar Rivero, head comercial do TradeMap.

Para Gabriel Barros, sócio, economista-chefe da Ryo Asset e ex-diretor da IFI, cada período político foi marcado por fortes influências externas. FHC enfrentou as consequências de duas crises, no México em 1994 e na Rússia em 1998, que contaminaram os países emergentes. Os dois mandatos iniciais do Lula foram mais positivos, com a China puxando o crescimento global dos países em desenvolvimento e, particularmente, do Brasil.

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Somente no governo Dilma Rousseff, por erros internos de política econômica, o Brasil destoou do cenário externo. Agora, Barros teme que o Lula 3 seja parecido aos mandatos da ex-presidente Dilma.

“O ponto central é que enquanto o País não tiver uma estratégia crível e sólida de desenvolvimento econômico, continuaremos a depender do cenário internacional e a experimentar curtos períodos de alto e baixo crescimento”, afirma Barros.

Separamos alguns dos principais embates do governo Lula 3 nestes 100 primeiros dias:

O terceiro mandato de Lula

Durante os 100 últimos dias, o presidente Lula fez questão de alimentar uma narrativa de contraposição entre os interesses do governo e do mercado financeiro. Já em sua primeira fala na presidência, classificou o Teto de Gastos, a âncora fiscal do País, como “estupidez”.

Lula também criticou as privatizações e identificou investidores como culpados por saquear os recursos comuns do Brasil. “Dilapidaram as estatais e os bancos públicos, entregaram o patrimônio nacional. Os recursos do País foram raspados para saciar a estupidez dos rentistas, de acionistas privados nas empresas públicas”, afirmou Lula, no discurso de posse.

As sinalizações mais preocupantes, para quem apostava em um Lula mais pragmático, foram em direção à condução das contas públicas. No dia 12 de janeiro, o presidente afirmou pela primeira vez que era preciso parar de usar a palavra “gasto” quando se fala em investimentos sociais.

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Para Lula, o mercado financeiro taxa como “despesa” todo o capital não destinado ao pagamento de juros da dívida pública – quando, na verdade, o aumento dos gastos gera inflação e, consequentemente, juros mais altos e diminuição do poder de compra da população.

“O mercado não tem coração, não tem sensibilidade, não tem humanismo”, afirmou Lula, a jornalistas durante encontro realizado em janeiro no Palácio do Planalto, como publicado pelo Estadão.

Até mesmo a derrocada das ações da Americanas (AMER3), varejista que anunciou a descoberta de um rombo de R$ 40 bilhões nos balanços no primeiro mês do ano, foi usada como subterfúgio para as críticas do presidente a acionistas.

Na época, os papéis AMER3 caíram 77,3% somente no dia 12 de janeiro, pregão seguinte ao anúncio do buraco na contabilidade da companhia. “O que eu fico chateado é o seguinte: qualquer palavra que você fale na área social, o mercado fica nervoso, irritado. E agora um deles joga fora R$ 40 bilhões de uma empresa que parecia ser a mais saudável do planeta e esse mercado não fala nada, fica em silêncio”, disse Lula em entrevista à Rede TV!.

Todos esses sinais, que foram constantemente reforçados em todo o 1º trimestre, levantaram questionamentos e produziram volatilidade “desnecessária” na Bolsa, já que pouco do discurso teve efeito prático.

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O último e mais intenso embate político que o presidente se envolveu foi contra os juros altos do Banco Central. Se por um lado um posicionamento favorável à elevação de despesas era esperado para um governo mais à esquerda, por outro o discurso áspero anti-mercado surpreendeu negativamente.

“A comunicação mais raivosa do governo Bolsonaro não fica bem para o governo do PT, porque não é para isso que Lula foi eleito. Então ele tem que buscar um meio termo na própria maneira que se comunica, até para desradicalizar o outro lado”, afirma Lima, da Medley.

Erro técnico, acerto político: Lula x Campos Neto

No lado da economia, um dos principais embates de Lula neste início de governo foi com a política de metas de inflação. O regime adotado no Brasil desde 1999 pressupõe a criação de metas oficiais para a taxa de inflação em diferentes horizontes de tempo, com o objetivo de dar maior previsibilidade à atuação do Banco Central, responsável pelos instrumentos de política monetária que devem levar ao cumprimento da meta.

A meta de inflação para 2023 é de 3,25%, com tolerância de 1,5 ponto para mais ou para menos. Ainda distante do patamar atual do IPCA acumulado em 12 meses até fevereiro, de 5,60% – o que obriga o BC a manter a Selic elevada, mas penaliza o crescimento da economia brasileira.

E essa era a crítica inicial de Lula: o atual patamar da taxa Selic de 13,75% ao ano, que não só é o maior desde o fim de 2016, como também é suficiente para garantir ao País o maior juro real do planeta. O discurso, no entanto, escalou e acabou personificado na figura do presidente do BC, Roberto Campos Neto, considerado bolsonarista por muitos integrantes do PT.

Em diferentes oportunidades, Lula classificou a independência da instituição como “bobagem”, chamou a taxa Selic de 13,75% de “vergonha” e sinalizou o desejo de elevar as metas de inflação.

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"Esse País está dando certo? Então, eu quero saber de que serviu a independência. Eu vou esperar esse cidadão Campos Neto terminar o mandato dele para a gente fazer uma avaliação do que significou o Banco Central independente”, disse o presidente em uma entrevista em fevereiro. Dias depois, a outro veículo, voltou a pressionar: “O Brasil precisa voltar a crescer. Não existe nenhuma razão para a taxa de juros estar em 13,75%”.

Uma semana após essas declarações, Campos Neto foi o convidado do programa de entrevistas Roda Viva, onde defendeu o regime de metas de inflação, mas tentou colocar panos quentes na discussão com Lula, dizendo que fará de tudo para "aproximar o Banco Central do governo".

Apesar disso, o assunto não foi encerrado, dando início a uma verdadeira queda de braço pública entre governo e BC, agravada pelo tom mais duro que a instituição monetária passou a adotar em seus comunicados.

No final de março, ao optar pela manutenção dos juros em 13,75% ao ano, o Comitê de Política Monetária (Copom) voltou a repetir que pode tornar a aumentar a taxa básica de juros em caso de descontrole da inflação.

Todo esse contexto ajudou a acentuar o sentimento de incerteza que o mercado financeiro já nutria pelo presidente, sendo apontado ainda como um fator decisivo para as quedas do Ibovespa vistas nas primeiras semanas de março, como contamos nesta reportagem sobre o desempenho do mês.

O tema é considerado por muitos especialistas como um dos principais erros do governo nestes 100 primeiros dias.

"As declarações e posicionamentos de Lula são, até certo ponto, uma estratégia para colar em Campos Neto a pecha de 'vilão', caso a economia não avance nesses próximos anos", destaca Erich Decat, head do time de análise política da corretora Warren Rena. "Mas esse tipo de iniciativa sempre cria um ambiente de apreensão dentro do mercado e dúvidas sobre até onde os discursos vão se transformar em medidas práticas."

O grande receio do mercado é que a condução econômica do Lula 3 não dê espaço para que o BC inicie os cortes nos juros, movimento fundamental para a recuperação da Bolsa. Ou, no pior dos cenários, que o presidente ataque a autonomia da instituição e encerre antecipadamente o mandato de Campos Neto, cuja vigência vai até o final de 2024.

Na visão do economista André Perfeito, no entanto, trata-se mais de uma briga "teatral". "Isso trouxe muito estresse para o mercado, mas, ao mesmo tempo, era uma falsa discussão. Era nítido desde o início que o Lula não ia tirar o Campos Neto e também que o Campos Neto não deixaria de cortar a taxa de juros por causa disso", explica.

O economista chama atenção ainda para um outro aspecto: a briga com o BC pode até ser considerada um erro na visão do mercado financeiro, mas não é de toda negativa no aspecto político.

Uma pesquisa divulgada pelo Datafolha no dia 2 de abril mostra que, para 80% dos entrevistados pelo instituto, Lula age bem ao pressionar o BC pela queda dos juros, enquanto 71% responderam que a taxa Selic está mais elevada do que deveria.

Um sinal de que o presidente tem apoio nessa briga. "Agora que ele já se posicionou para a própria base sobre o assunto a tendência é de que fale menos", destaca Perfeito.

Novo arcabouço, velhas dúvidas

Se a pressão política pela queda dos juros foi considerada um dos principais erros do governo nestes primeiros 100 dias, a apresentação de um novo pacote fiscal é tida pelos especialistas como uma das grandes vitórias deste início de mandato.

Quando a PEC de Transição foi aprovada, em dezembro de 2022, ficou estabelecido que o governo deveria apresentar até agosto deste ano uma proposta de regime fiscal para substituir o Teto de Gastos. Desde então, a possibilidade de que um novo mandato político mais à esquerda aumentasse os gastos públicos sem uma contrapartida sustentável para garantir a estabilidade econômica do País era um dos grandes receios de agentes do mercado financeiro com o Lula 3.

E foi neste contexto que a proposta oficial do arcabouço fiscal foi apresentada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, no dia 30 de março.

"É o ponto alto do governo Lula até o momento. Havia um receio estrondoso por parte dos investidores tendo em vista que o presidente já disse, em dezenas de ocasiões, ser contra qualquer tipo de 'amarras', uma vez que já governou duas vezes sem um teto de gastos", diz Erich Decat, da Warren Renascença.

A regra geral propõe que o crescimento da despesa fique limitado a 70% do aumento das receitas no ano anterior, permitindo a estabilização da dívida pública no longo prazo. A nova política fiscal inclui também a possibilidade de as despesas subirem mesmo em ano de queda na arrecadação, quando o gasto poderá crescer até 0,5% sobre as despesas do ano anterior.

O governo estabeleceu ainda metas para zerar o déficit já em 2024 e alcançar superávit a partir de 2025.

Logo que anunciada, a proposta foi bem recebida, suficiente para fazer a Bolsa subir, a curva de juros futuros ceder e o dólar voltar para baixo da casa dos R$ 5,10. Agora, passada a euforia inicial, o mercado volta a olhar com maior ceticismo para o tema.

Prevalece o entendimento que a regra apresentada não será suficiente para estabilizar as contas públicas, por ser muita dependente da necessidade de aumento na arrecadação.

Leia também: “Esse arcabouço fiscal não ajudará na redução de juros”, diz Fabio Kanczuk

"O lado positivo é que esse arcabouço dá para ser entregue. Mas talvez precisasse ter um pouco mais de ceticismo se é possível aumentar os ganhos da receita da forma que está sendo esperado", pontua Mário Lima, da Medley.

Do lado dos investidores, a pergunta principal era se a regra permitiria que o Banco Central iniciasse os cortes na taxa de juros. Uma dúvida que ainda permanece – e que deve voltar a pressionar o mercado de investimentos enquanto não for esclarecida.

"Eu entendo que inflação continua pressionada e a jornada está apenas começando. As deliberações sobre o pacote fiscal vão demorar, de modo que não permitiria que existisse um alívio gigante da inflação e, portanto, um corte muito relevante nos juros", explica Dalton Gardimam, economista-chefe da Ágora Investimentos.

Desafios no horizonte

Para frente, as discussões que foram iniciadas nestes primeiros 100 dias continuam no radar. A previsão do governo é que o texto do arcabouço fiscal seja entregue ao Congresso nesta terça-feira (11), para que a casa legislativa inicie os esforços de aprovação do pacote.

"A grande pauta vai ser como arrumar R$ 150 bilhões da desoneração. Não acho que só tributando apostas online vamos conseguir isso, é uma cifra grande demais", ressalta Gardimam, da Ágora.

O economista se refere à intenção do governo de tributar as apostas esportivas feitas pela internet, uma modalidade que se popularizou e está movimentando bilhões de reais no País sem nenhuma regulamentação. A princípio, a ideia do ministério da Fazenda é taxar aquelas empresas que operam no Brasil, mas têm sede apenas no exterior.

O ministro Haddad já deu algumas declarações de que não há planos para aumentar os impostos da população brasileira para garantir o incremento de receitas necessário para fazer o arcabouço funcionar. Ainda assim, existe um sentimento de incerteza no mercado quanto ao tema.

Outro plano do governo, que pode entrar no foco assim que o arcabouço for definido e aprovado, é a reforma tributária. A equipe econômica do governo já deixou claro suas intenções de atualizar o sistema de impostos brasileiro, unificando tributos. Uma proposta que tem muito apoio do mercado financeiro, mas que também suscita dúvidas.

"A reforma tributária é a bala de diamante do governo, mas tem uma regra de transição de 20 anos. Ou seja, durante duas décadas vamos conviver com dois sistemas", diz Gardimam. “Não sei como essa reforma catapultará o crescimento em um ano ou dois.”

No dia que o texto do arcabouço deve ser entregue ao Congresso, Lula embarca para a sua primeira viagem à China neste mandato. O encontro com Xi Jinping estava previsto para acontecer no final de março, mas foi adiado por motivos de saúde do presidente brasileiro.

A previsão do Ministério das Relações Exteriores é que ao menos 20 acordos comerciais sejam assinados durante a visita. Na avaliação de Thiago de Aragão, diretor de estratégia da Arko Advice, o mercado brasileiro poderia se beneficiar de negociações que resultem no aumento das exportações para a China. Mas é preciso atenção.

"É um erro não focar na diversificação das nossas importações e sim em um aumento de fluxo de exportação para a China, aumentando a dependência", destaca.

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