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Educação Financeira

Por que juros do cartão chegam a 1.000% mesmo com a Selic em 13,75%?

Entenda a composição dos juros e como se desvencilhar das dívidas

Por que juros do cartão chegam a 1.000% mesmo com a Selic em 13,75%?
(Foto: Envato Elements)
  • Segundo dados do Banco Central, em maio, a média de juros cobrados por instituições financeiros no rotativo do cartão de crédito foi de 455,1% ao ano (15,35% ao mês) - o maior nível desde março de 2017
  • Entretanto, esse percentual pode variar bastante, para cima ou para baixo, dependendo do player financeiro
  • No último Relatório de Taxa de Juros do BC, com dados colhidos entre 15 e 21 de junho, a instituição Omni SA, por exemplo, cobra no rotativo um juro de 1093,59% ao ano (22,9% ao mês)

Joice Nunes, assistente administrativa, teve problemas financeiros em janeiro deste ano. Com o marido desempregado, o casal precisou racionar o capital e o pagamento das contas do mês, que somavam  R$ 2.640,36, precisou entrar no cartão de crédito OuroCard, do Banco do Brasil.

Em fevereiro, a fatura ficou R$ 502,44 mais cara apenas com juros e taxas – deste montante, R$ 52,81 se referia à multa por atraso e R$ 449,63 referente ao temido crédito rotativo”, modalidade que possui as taxas mais altas do mercado e acionado quando o consumidor não consegue fazer o pagamento total da fatura do cartão na data do vencimento.

No caso do OuroCard, os juros do rotativo chegaram a 17% no mês. Somado a novos gastos e compras já parceladas anteriormente no cartão, o valor da fatura subiu para R$ 5.042,36. Em março, novas multas por atraso e encargos foram somados, o que jogou a cifra para R$ 6.594,18. Hoje, a dívida está em R$ 7.316,24.

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“Falei com o gerente para tentar uma negociação, mas eu pagaria quase três vezes o valor em juros se fizesse o parcelamento”, relata Nunes. Na proposta mais baixa, que caberia no bolso da assistente administrativa, ela precisaria pagar 120 parcelas de R$ 159,94 (R$ 19,1 mil no total, ou seja, juros de 162,3%). Já na proposta de parcela mais alta seria preciso pagar 12 vezes de R$ 708,68 (R$ 8,5 mil, no total, com juros de 16,24%). Ela preferiu não realizar o pagamento, por ora. “Estou juntando dinheiro para quitar depois com desconto”, diz Joice.

Histórias como a de Joice não são raras. Vale destacar, porém, que o Banco do Brasil não figura no ranking das instituições com as maiores taxas do juro rotativo. Em nota enviada ao E-Investidor, o banco diz que oferece duas modalidades de financiamento: o parcelamento automático da fatura e o parcelamento aprovado com o limite do CDC, espécie de crédito pré-aprovado. De acordo com o banco, o cliente pode escolher entre parcelas que vão de 3 a 24 meses. No site da estatal financeira, o consumidor encontra a relação de condições para parcelamento.

Juro recorde em 2023

Segundo dados do Banco Central, em maio, a média de juros cobrados por instituições financeiros no rotativo do cartão de crédito foi de 455,1% ao ano (15,35% ao mês) – o maior nível desde março de 2017. Entretanto, esse porcentual pode variar bastante, para cima ou para baixo, dependendo da instituição financeira.


No último Relatório de Taxa de Juros do Banco Central (BC), com dados colhidos entre 15 e 21 de junho, a instituição Omni SA, por exemplo, cobra no rotativo um juro de 1093,59% ao ano (22,9% ao mês). Devido aos altos porcentuais, a autoridade monetária definiu em 2017 que o consumidor só pode ser submetido ao crédito rotativo por 30 dias. Depois, a instituição é obrigada a oferecer opções de parcelamento, com taxas atrativas. Ainda assim, a média de juros cobrados no parcelamento chega a 194,2% ao ano (9,41% ao mês).

“Embora o juro do parcelamento ainda seja muito alto, é geralmente metade do juro no rotativo”, afirma Carlos Castro, planejador financeiro e sócio fundador da SuperRico - Projetos de Vida.

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É necessário a anuência do cliente para que esse parcelamento ocorra. Ou seja, mesmo que a fatura esteja atrasada há mais de um mês, a instituição financeira não pode parcelar automaticamente os valores devidos. “O consumidor não é obrigado a aceitar o parcelamento. Se não houver essa concordância, o banco deve tentar outros meios de obter esse crédito”, afirma João Marques, da Marques Silva Advogados. “Quando um cliente assina um contrato de parcelamento, ele tem acesso a todas as informações de juros e multas – e concorda com aquilo. Quando há esse parcelamento compulsório, não existe tal concordância.”

Entretanto, foi isso que ocorreu com Mônica Torres, policial civil. Ela tinha o costume de pagar as faturas do cartão de crédito com alguns dias de atraso. Contudo, acabava quitando a do mês vigente, não a fatura do anterior, que já estava fechada. Ficou em inadimplência e, quando se deu conta, tinha vários parcelamentos contratados automaticamente.

No total, Mônica acumulou uma dívida de R$ 10 mil em parcelamentos. “Até hoje não entendi o cálculo do banco”, diz Torres.

Por que taxas tão altas?

Hoje, a taxa básica de juros da economia, a Selic, se encontra em 13,75% ao ano. Ela serve como parâmetro para o rendimento de aplicações financeiras e todas as outras taxas de mercado, o que levanta a questão: por que os juros efetivamente praticados no País são tão mais altos que a Selic?

Eduardo Mira, analista CNPI-T e sócio da Me Poupe!, explica que as taxas praticadas nos bancos são compostas por três itens: a Selic, que é o mínimo para remunerar investidores que compram títulos de renda fixa da instituição, como os Certificados de Depósitos Bancários (CDBs); o lucro do banco (spread), que é uma parcela menor dentro desta composição; e o risco de inadimplência.

Este último tópico responde pela maior parte dos juros cobrados aos clientes. “Até porque mesmo se o correntista não pagar o cartão de crédito o banco não pode deixar de pagar os rendimentos de quem investe nos CDBs”, afirma Mira. “O cartão é um instrumento em que, para o banco, o risco se torna bastante alto.”

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Quando um consumidor deixa de pagar o cartão de crédito, a principal consequência está na inclusão do nome dele no Serviço de Proteção ao Crédito (SPC). Entretanto, depois de cinco anos, a dívida “caduca”.

Castro, da SuperRico, ressalta que o avanço do endividamento da população brasileira acompanha o aumento das taxas praticadas pelos bancos. Por isso, mesmo que a visão do mercado seja de que o BC fará cortes na Selic em breve, os juros dos cartões podem não diminuir no mesmo ritmo. “O risco da inadimplência pesa muito e é transferido para o custo de crédito. Então hoje o custo de crédito está maior, porque o risco de inadimplência subiu muito”, diz.

E nem todo juro alto significa “juro abusivo”. Marques, da Marques Silva Advogados, ressalta que não há um entendimento único na lei sobre o que configura abuso, quando o assunto envolve cobrança de taxas. Somente uma análise caso a caso permite entender se os porcentuais de multa e encargos estabelecidos em contrato foram descumpridos de alguma maneira.

Idean Alves, sócio e chefe da mesa de operações da Ação Brasil Investimentos, vê os juros altos como um fator que protege a instituição financeira, mas que leva muitos brasileiros a decidirem não pagar. "Como os juros são altos, na maioria das vezes não compensa para o consumidor", diz.

Como se “desenrola”?

O consumidor que entrou em uma bola de neve de juros no cartão de crédito deve, como primeiro passo para se “desenrolar”, negociar com os bancos a melhor forma de pagamento. Ele deve ler atentamente as condições de juros e encargos estabelecidas no contrato do cartão, para se certificar que as cobranças são devidas.

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“Cada instituição financeira pode ter políticas diferentes, por isso é essencial conversar diretamente com o banco para entender quais opções estão disponíveis. Ao agir prontamente, o cliente estará demonstrando responsabilidade e disposição para resolver a situação”, ressalta Carol Stange, educadora em finanças pessoais.

Caso a negociação com o banco não tenha resultado em uma solução viável, o consumidor pode pesquisar a contratação de empréstimos para cobrir a dívida no cartão. Desta forma, é possível trocar uma dívida mais cara, como a do cartão de crédito, por uma mais barata, como a de um consignado.

Existem também casos especiais em que o consumidor pode não ser obrigado a arcar com os encargos financeiros. Clientes que tiveram problemas graves de saúde ou ficaram de alguma forma impossibilitadas de cuidar das finanças e manifestar as vontades entram nesta situação. “Nesses casos, o cliente tem todo o direito de ter encargos reduzidos, pois foi algo de força maior”, diz Marques, da Marques Silva Advogados.

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