- Bolsas estrangeiras caíram, porque receio de segunda onda de covid-19 trouxe maior aversão ao risco, e isso também repercutiu no Ibovespa
- Porém, o cenário doméstico apresenta um importante risco adicional: a questão fiscal. Esse fator impede o Ibovespa de acompanhar a melhora dos outros mercados
- Mercado financeiro precisa receber sinais positivos do governo, mostrando empenho em lidar com o problema. Somente isso permitirá uma melhora consistente do índice
Setembro não foi um mês generoso com o Ibovespa. O principal índice da Bolsa brasileira perdeu 4,80% no mês e fechou o período em 94.603 pontos. Nesse segundo mês consecutivo de queda, já que em agosto houve retração de 3,44%, o evento mais simbólico foi a perda da zona dos 100 mil pontos, a partir do dia 18.
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Esse desempenho é fruto da combinação de fatores locais como internacionais. O período foi de abalos generalizados nas bolsas globais, por conta do receio quanto a uma segunda onda de contágio do coronavírus e seus possíveis impactos na economia mundial. Em meio a esse ambiente de maior aversão ao risco, o Ibovespa não poderia ficar incólume.
“Quando as coisas dão certo no exterior, não necessariamente dão certo aqui também. Mas, quando dão errado lá fora, nós sempre sofremos”, diz João Guilherme Penteado, CEO e estrategista da Apollo Investimentos.
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O mercado financeiro global estava apostando que a retomada das economias ocorreria em um ritmo mais acelerado do que o que de fato se verificou. Quando as expectativas se frustraram, isso levou a um choque de realidade que acabou se traduzindo em correções nos mercados.
Até então, os preços das bolsas estrangeiras vinham esboçando uma recuperação. O Ibovespa não reagiu com a mesma intensidade em função de um fator muito relevante do cenário doméstico: a insegurança quanto à questão fiscal. É ela a principal culpada pelo mau desempenho da B3 nos últimos meses.
Risco fiscal impede voos mais altos da Bolsa
O desequilíbrio das contas públicas brasileiras é um problema de longa data, mas se agravou muito com a pandemia de covid-19. O governo foi obrigado a lançar mão de medidas de emergência para enfrentar a crise, como o auxílio emergencial, que deve ser substituído pelo programa Renda Cidadã. Com isso, o déficit primário já beira os 13% e a dívida pública já é de quase 100% do PIB, algo impensável para um país em desenvolvimento.
“É preciso discutir como será paga essa conta. Não é sustentável manter essa política de gastos ao longo do tempo”, diz Luiz Constantino, gestor de ações do Opportunity. “Por outro lado, se os estímulos forem reduzidos, qual será o impacto sobre o consumo e a atividade econômica?”, indaga.
O Brasil está longe de ser o único país que recorreu a políticas expansionistas nesse momento. Estados Unidos e países europeus também lançaram mão de medidas semelhantes. “Mas a capacidade financeira dos países desenvolvidos é muito clara. O risco para eles é bem menor. Então, o mercado financeiro não demanda grandes prêmios e o investidor exige menos retorno para os ativos. Com isso, o preço das ações pode ser mais alto”, diz Constantino.
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Já no Brasil, ao contrário, a percepção é de que o aumento de gastos tornará ainda mais difícil o controle da situação fiscal e a redução da dívida. Uma parte importante da dívida do governo vence nos próximos meses, e a rolagem está saindo cada vez mais cara. Isso se traduz em risco maior para o País, gera fuga de investimentos e deprecia seus ativos.
“Para o mercado financeiro ter mais tranquilidade, o governo precisa mostrar que o teto de gastos continua em pé em 2021, que este ano foi uma exceção. E oferecer contrapartidas, segurar outros gastos: proibir reajustes salariais e contratações no setor público”, aponta o gestor da Opportunity.
Para o estrategista da Apollo, a luz no fim do túnel da Bolsa só virá com medidas mais enérgicas que imprimam velocidade à agenda de reformas do governo.
“A reforma mais importante é a administrativa. Quase todo o dinheiro do governo vai para salários e aposentadorias”, diz Penteado. “Isso dará espaço para uma reforma tributária que não eleve ainda mais a nossa carga tributária de 36%, que esmaga a capacidade de crescimento do País.”
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Ricardo França, analista da Ágora Investimentos, diz que outubro será um mês muito importante para a Bolsa. “Teremos maior clareza sobre a sucessão presidencial nos Estados Unidos, que sempre gera volatilidade. E outubro é praticamente o último mês cheio com o Congresso Nacional funcionando, antes das eleições municipais, em que muitos deputados são candidatos. Seria muito bom ter alguma novidade positiva no encaminhamento das reformas.”
Recente boom de IPOs não favoreceu o índice
O aumento do ritmo de ofertas públicas de ações, tanto iniciais (IPOs) como subsequentes (follow-ons), deu o tom na B3 nos últimos meses. Elas captaram R$ 5 bilhões em junho, R$ 6 bilhões em julho e R$ 20 bilhões em cada um dos meses de agosto e setembro.
Embora isso pareça um sinal de pujança, o efeito para o índice Bovespa foi o contrário. Seria preciso que viesse dinheiro de fora da Bolsa para absorver essas ofertas, o que não aconteceu. Na prática, para participar das ofertas, os investidores acabaram vendendo outras ações, o que ajudou a segurar o preço dos ativos.
“Por mais que os preços dos IPOs estejam descontados, a Bolsa não consegue atrair R$ 20 bilhões instantaneamente. Então, para realocar seu capital e comprar essas ações, o investidor exige um retorno mais alto, que se traduz em preço mais baixo dos papéis”, diz Constantino.