- Após movimento nos EUA, investidores brasileiros tentaram replicar com as ações de IRB Brasil, que subiram 17% em um dia
- Em suma, short squeeze é manipulação de mercado
- Para Christian Squassoni, a prática torna-se delituosa quando tem o intuito de elevar, manter ou baixar a cotação de um valor mobiliário por meio de negociações coordenadas que distorcem a oferta e demanda do mesmo
Short squeeze pra lá, short squeeze pra cá… Não, nós não estamos nos referindo àquela garrafinha d’água que você leva para a academia. Esse fenômeno vem acontecendo há algumas semanas no mercado financeiro e está tirando o sono de muitos investidores.
Tudo começou há algumas semanas, no fórum do Reddit Wallstreetbets, quando os usuários resolveram se vingar de Wall Street pela crise de 2008 comprando ações da GameStop. Como a companhia não estava muito bem financeiramente, investidores e fundos de hedge apostavam “contra” a empresa, em uma tática conhecida como montar posições vendidas.
Por conta disso, muitos desses grandes investidores ficaram em pânico, pois ao contrário do que acreditavam, que as ações de GameStop continuariam em queda, elas estavam subindo e eles seriam obrigados a arcar com o prejuízo. Um dos mais impactados foi a Melvin Capital, que perdeu 57% de seus investimentos apenas em janeiro.
Por conta do movimento, as ações da GameStop subiram 323% entre os dias 25 e 29 de janeiro. O fórum também tentou fazer o mesmo com as ações de AMC, Nokia e BlackBerry, contudo, os efeitos não foram tão fortes.
No Brasil
É claro que o brasileiro com a criatividade que tem não deixaria de tentar replicar o movimento por aqui. Por meio de um grupo do Telegram, 47 mil investidores se empenharam para aumentar os valores da resseguradora IRB Brasil (IRBR3). Em apenas um dia (29), as ações da companhia tiveram alta de 17%.
Contudo, a Comissão de Valores Mobiliários alertou que o short squeeze é crime. “A atuação com o objetivo deliberado de influir no regular funcionamento do mercado pode caracterizar ilícitos administrativos e penais”, afirma o comunicado da entidade.
Após alguns dias, o nome do grupo mudou de “Short Squezee IRB” para “CPFs IRB” e o foco também foi alterado. Agora, são apenas investidores da empresa que compartilham suas posições e outras notícias sobre a companhia.
O E-Investidor conversou com cinco advogados para entender porque a prática é ilegal
Matheus Cardoso, sócio do escritório Amorim Advogados Associados
A primeira coisa que precisamos entender é que o mercado já é regulado desde 1976 por meio da lei 6385. Quem vigia o mercado é a CVM, que é uma autarquia vinculada ao Ministério da Economia. Por meio de uma instrução, a comissão determinou que qualquer processo ou artifício destinado, direta ou indiretamente, a elevar a cotação do mercado mobiliário de ações é uma pratica ilegal, quando acontece de forma intencional.
Essa autarquia tem a capacidade de investigar o mercado de ações. A partir do momento que ela investiga uma situação e constata que houve dolo, ou seja, intenção de prejudicar, a CVM pode abrir um processo criminal em relação a isso, com penas que variam de um a oito anos e multa de três vezes o montante da vantagem ilícita obtida com o crime.
Isso para apenas uma pessoa física. Caso seja um grupo de pessoas, a prática pode ser configurada como crime de associação criminosa e organização criminosa. O grande ponto para ser considerado um crime é a intenção. No direito, temos a expressão em latim consilium fraudis, que é quando o devedor e o comprador têm o conhecimento de que essa operação vai causar um prejuízo para o credor.
Carlos Junqueira, Professor de Direito da FGV/RJ
A prática pode ser ilegal quando verificado que investidores estão atuando de maneira coordenada para provocar artificialmente a elevação da cotação de valores mobiliários, induzindo terceiros à sua compra ou venda. Nos eventos recentes envolvendo a GameStop no mercado norte-americano e o IRB no Brasil, foi constatado a atuação de milhares de investidores organizados em fóruns de discussão na internet.
A identificação do papel de cada ator nesse processo é complexa, mas verificando-se a intenção de alterar artificialmente a cotação e de induzir terceiros a negociar com o papel, fica caracterizado o ilícito que, inclusive, pode ter repercussão penal. Nem todos os que compram ou vendem estão em uma postura ativa ou estão induzindo esse movimento.
Vinícius Rios, professor de direito empresarial da Estácio
A prática do Short Squeeze, bastante divulgada nos últimos dias, é considerada ilegal pois é vista como manipulação de mercado. Esse tipo de crime cria uma esfera que é imprópria tanto para nós, operadores de bolsa, como também para a relação do mercado como um todo.
Por isso que a própria CVM, que é a autarquia responsável por regular as ações, constatou que houve uma grande crescente de um desses parâmetros, que é o IRB.
A relação com o crime, a própria CVM já tipifica isso em sua legislação. A grande parte que perde é a população com investimentos não tão bons, como o caso de GameStop e IRB.
Victoria Fabbriani, sócia da Daniel Advogados
Esse encontro de pequenos investidores em comunidades virtuais com a intenção de manipular os preços das ações de determinadas empresas pode se encaixar no crime de manipulação de mercado por ter por trás um viés de prejudicar um terceiro ou obter algum benefício para si próprio ou para o grupo.
Isso porque os investidores apostam na prática com a possibilidade de alavancagem muito grande, o que não acontece tanto aqui no Brasil, já que temos os agentes autorreguladores do mercado, como a B3 e a CVM, que delimitam muito a ação dessa alavancagem.
O limite de 20% para o aluguel de ações é um teto para a prática e também existe um limite de alavancagem para cada CPF atuante no mercado. Então, o Short Squeeze é mais limitado no Brasil.
Christian Squassoni da Comissão de Direito Bancário, da OAB SP
É importante, primeiramente, atentar para o uso generalizado do termo. O chamado short squeeze pode ser decorrente, por exemplo, de posições montadas no mercado que, diante de uma oscilação relevante de preços de um ativo, obrigam um investidor a realizar uma negociação dos bens em volume atípico com o intuito de cobrir sua posição, sem objetivo delituoso. A prática torna-se delituosa quando tem o intuito de elevar, manter ou baixar a cotação de um valor mobiliário por meio de negociações coordenadas que distorcem a oferta e demanda do mesmo.
Tecnicamente falando, segundo o art. 27-C da Lei 6.385/76, a prática de manipulação de preços de valores mobiliários é crime contra o mercado de capitais. O importante, então, passa a ser determinar se a prática, em cada caso, teve ou não o intuito de manipular preços. Ademais, é bom que se saiba que a manipulação de mercado pode ser feita tanto por executivos de grandes fundos em partidas de golfe quanto por jovens investidores por meio de grupos em redes sociais.
A Comissão de Valores Mobiliários, a B3 e a BSM possuem políticas e ferramentas que permitem a investigação de tais práticas e os envolvidos vêm sendo punidos com base em tais investigações.