A reação do poder legislativo frente à possível fraude contábil nas Lojas Americanas (AMER3) foi tirar da gaveta um projeto de lei que há anos vinha sendo estudado (2.925/23), que propõe a ampliação da atuação fiscalizatória da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e traz a ação civil coletiva de responsabilidade, similar ao “class action” do sistema jurídico norte-americano, como ferramenta de proteção de acionistas minoritários.
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Havia otimismo sobre a possível aprovação do PL ainda este ano, dada sua tramitação em regime de urgência. Contudo, não foram registrados avanços significativos no âmbito legislativo e o Poder Executivo solicitou o cancelamento da medida de urgência.
O PL propõe alterações tanto na Lei do Mercado de Capitais quanto na Lei das Sociedades por Ações, de forma a fortalecer a atuação da CVM, dar robustez ao regime de responsabilização de administradores, controladores e intermediários de ofertas públicas de títulos e valores mobiliários e dar publicidade aos processos arbitrais envolvendo companhias abertas.
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O fortalecimento da atividade fiscalizatória da CVM é importante para manter a integridade, a transparência e a confiança no mercado de capitais. Com base nisso, o Projeto de Lei propõe considerável ampliação da atuação da CVM, que poderá realizar investigações mediante inspeções in loco, requisições de mandato de busca e apreensão ao Poder Judiciário, acessar inquéritos, ações judiciais e processos instaurados por outros entes federativos, bem como compartilhar informações sujeitas a sigilo com autoridades monetárias e fiscais.
O tema mais relevante trazido pelo PL é a criação de mecanismos robustos para que os investidores possam buscar a reparação de danos sofridos: a ação civil coletiva de responsabilidade. Inspirada na figura do class action do sistema jurídico norte americano e na lógica da tutela coletiva consolidada no Código de Defesa do Consumidor, determinados investidores poderão propor ação para responsabilização por danos decorrentes de infrações a legislação do mercado de valores mobiliários, no interesse de todos os titulares de valores mobiliários da mesma espécie e classe.
Esse mecanismo trará maior efetividade dos direitos dos acionistas, em razão da facilitação do acesso à justiça e da economia processual.
Vale lembrar que tal reparação de danos não será restrita apenas a acionistas e alcança também titulares de quaisquer valores mobiliários, tais como debêntures, bônus de subscrição, notas comerciais, entre outros.
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Nesse sentido, conforme o PL, além dos administradores e controladores, os intermediários de ofertas públicas de títulos e valores mobiliários também serão civilmente responsáveis por prejuízos causados por investidores em decorrência de ação ou omissão em infração a legislação do mercado de valores mobiliários.
Dentro dessa temática, é importante mencionar que, nos termos do PL, a aprovação de contas pela Assembleia Geral deixará de representar uma desoneração automática da responsabilidade dos administradores, devendo tal quitação ser objeto de deliberação específica da Assembleia Geral. A medida tem como objetivo facilitar e agilizar a busca de reparação de danos por acionistas, dado que, no sistema em vigor, exceto em casos de erro, fraude ou simulação, a aprovação das contas isenta os administradores de responsabilidade, sendo necessário, portanto, propor um processo de anulação da aprovação das contas e, somente depois, buscar a responsabilização dos administradores.
Seguindo a tendência do mercado, o PL dispõe que os procedimentos arbitrais relativos às companhias abertas serão públicos, observados os limites a serem estabelecidos pela CVM. Inclusive, as câmaras arbitrais deverão dar publicidade aos precedentes, mediante publicação em seu site.
Por um lado, a publicidade é importante para que os acionistas e investidores tenham simetria de informações, podendo tomar sua decisão de investimento com clareza. É comum que procedimentos arbitrais tragam temas sensíveis e dados estratégicos da companhia, de forma que sua divulgação pode ser prejudicial. Nesse sentido, caberá à CVM equilibrar o nível de disclaimer esperado, de forma a não prejudicar as companhias abertas.
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Beatriz Soares Locoselli é advogada da área de M&A e Societário do VBSO Advogados