- A live realizada pelo artista no sábado (1º) teve o patrocínio de uma empresa suspeita de ser uma pirâmide financeira, a Crypto X Revolution
- A companhia teve logo e QR Code expostos para os quase 10 milhões de internautas que assistiram a live
- Além da rentabilidade bem acima da praticada no mercado, a Crypto X ainda possui alguns bônus típicos de empresas de marketing multinível, mas que também são usados em pirâmides financeiras
O cantor Gusttavo Lima teve a imagem envolvida em uma nova polêmica no último sábado (1). A live que o intérprete fez naquele dia teve o patrocínio de uma empresa do ramo de criptomoedas que despertou suspeitas de funcionar como uma pirâmide financeira, a Crypto X Revolution.
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A companhia dividiu tela com outras patrocinadoras e teve logotipo e QR Code expostos para os quase 10 milhões de internautas que acompanharam a apresentação. Quem escaneou o código foi levado para a página oficial da Crypto X, em inglês. Lá, o interessado se deparava com uma breve apresentação e alguns ‘planos de investimento’.
Os ‘packs’ de investimento têm preços que variam entre US$ 15 e US$ 2500, com rentabilidades de 200% a 400% até o fim do ‘ciclo de renovação’ – cuja duração não foi especificada. A empresa também promete uma lucratividade sempre positiva, de 0,5% a 2,5% ao dia até o final do prazo de cada plano, podendo remunerar até 5% a mais em ‘pump days’, ou dias em que o preço dos ativos é inflado.
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Além da rentabilidade bem acima da praticada no mercado, a Crypto X ainda possui alguns bônus típicos de empresas de marketing multinível, mas que também são usados em pirâmides financeiras. Por exemplo, o filiado que trouxer um novo membro ganha uma comissão de 10% sobre o valor aplicado pelo novato.
Há também um ‘bônus binário’, uma porcentagem que o usuário ganha em cima dos planos de investimento comprados por membros da rede de afiliados dele.
Indícios de pirâmide financeira
De acordo com especialistas, a atuação da Crypto X possui semelhanças com o ‘modus operandi’ de pirâmides financeiras em que não há investimento real, mas o repasse do dinheiro dos novos membros para os antigos. Normalmente, para atrair novos membros, essas organizações ilegais prometem retornos altos, rápidos e fáceis.
Uma das características que levanta dúvidas sobre a atuação da empresa é justamente a promessa de alta rentabilidade em um mercado tão volátil quanto o das criptomoedas. Aliás, só é possível garantir retornos no segmento de renda fixa, cujos ganhos são limitados atualmente a 2,75% ao ano (conforme a taxa básica de juros da economia, a Selic), isto é, cerca de 0,0075% ao dia. Uma ‘lucratividade’ centenas de vezes menor do que o prometido pela Crypto X, de até 5% ao dia.
“Não existe isso [esse tipo de retorno] em nenhum mercado legalizado. Sempre quando prometem isso, uma remuneração fora dos padrões e garantida, fuja que é impossível de se fazer”, explica Flávio Málaga, sócio e professor de Finanças da Finted Tech School. “Se fosse possível, o proprietário guardaria para ele esse segredo maravilhoso.”
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Segundo o especialista, a regra para esse tipo de situação é clara: se o retorno é muito expressivo, o risco em torno do investimento é igualmente alto. “Sempre questione quando alguém garante uma rentabilidade fora de uma renda fixa padrão [2,75% ao ano], porque é uma grande mentira”, diz Málaga. “Não existe almoço grátis, ninguém vai te dar nada tão fácil assim.”
Essa também é a visão de Tasso Lago, especialista em criptomoedas e fundador da Financial Move. “Apesar de supostamente variável, a remuneração oferecida pela Crypto X é sempre positiva. Mas nenhum investimento em renda variável é sempre positivo, inclusive a rentabilidade deles é extremamente forte, agressiva, até mesmo para criptomoedas.”
As pirâmides financeiras prometiam um rendimento fixo ao mês ou ao dia, prática que ficou facilmente identificável como fraudulenta. Agora, para dar ares de legalidade, muitas dessas empresas passaram a divulgar rentabilidades variáveis, mas sempre positivas.
“Esses bônus por indicação de outras pessoas é outra forte característica de marketing de rede, que é infelizmente muito utilizada para aplicar golpes. Em nenhum investimento você irá ganhar uma comissão para indicar um terceiro”, afirma Lago.
Pouca transparência
No site da Crypto X Revolution, a empresa afirma que tem sede em Andorra, um pequeno país da Europa, e especialistas espalhados pela Índia, China, Ucrânia, Irã e Rússia. “Iniciamos a operação com gestão de riscos e alta lucratividade, apoiados em sistemas automatizados inteligentes”, afirma a companhia.
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Entretanto, nenhum desses especialistas é apresentado, assim como também não são citados os nomes dos controladores ou como funcionam as operações com criptomoedas. A única forma de contato é via e-mail, que não funciona, ou através de preenchimento de um formulário na própria página.
“Uma outra característica padrão de pirâmides financeiras é ter um discurso megalomaníaco para gerar autoridade, de sempre ter experts espalhados no mundo inteiro”, ressalta Lago.
Supostas pirâmides x artistas
Não é a primeira vez que um artista tem a imagem associada a uma empresa que possui indícios de ser uma pirâmide financeira. Recentemente o ator Luciano Szafir fez propaganda de um robô de investimentos que garantiria 300% de rentabilidade ao mês.
Segundo Szafir, não era preciso saber programar para usar o robô, bastava apenas baixar o programa e conectar a uma conta da IQ Option, que é outra companhia suspeita de ser uma pirâmide financeira. Szafir se desculpou nas redes sociais.
Outros episódios parecidos aconteceram com Cauã Reymond e Tatá Werneck, que promoveram a Atlas Quantum. Os comerciais com os atores apareciam na televisão, mas a companhia era uma fraude. Segundo a Cointimes, quando as suspeitas começaram a vir a público e os investidores passaram a querer sacar o dinheiro investido, os responsáveis fugiram e deixaram de pagar cerca de R$ 4 bilhões em bitcoins para os usuários.
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“Uma pirâmide financeira dura enquanto entra mais dinheiro do que sai. Tem pirâmides que duram muitos anos, mas em um dado momento a pessoa que é dona decide sumir. Então quando está entrando menos dinheiro, normalmente eles aceleram o marketing para captar o máximo possível e sumir”, afirma Lago. “Isso aconteceu com a Atlas Quantum. Quando eles fizeram marketing na televisão, não deu três meses e pararam de pagar os investidores. O dono foi para Dubai”
Para Málaga, esse tipo de associação entre artistas e empresas suspeitas acontece por falta de cuidado da equipe que seleciona os patrocinadores e por inocência. “Eles não são profissionais do mercado, então podem não ter esse conhecimento de que aquilo é suspeito. Mas agora vale ter atenção redobrada para isso”, diz.
Live sai do ar
Até a publicação desta reportagem a live de Gusttavo Lima com o patrocínio da Crypto X Revolution estava fora do ar. O E-Investidor procurou a assessoria de imprensa do cantor para comentar o caso, mas não houve resposta.
Os canais oficiais de contato da companhia Crypto X (email e formulário) não funcionaram.