Ruas arborizadas, bem iluminadas, limpas, próximo a parques, shoppings, com boa gastronomia e bares refinados. A qualidade de vida de quem mora na Vila Nova Conceição, na zona de sul de São Paulo, tem o preço de cerca de R$ 21 mil por metro quadrado, um dos mais caros da Capital paulista, segundo a Associação Brasileira do Mercado Imobiliário (ABMI). Mas pelo seu apartamento com dois quartos, suíte e varanda, a enfermeira Edineia Bispo da Cruz, de 57 anos, não desembolsou nada: foi conquistado pelo que o judiciário chama de usucapião de herança.
Esse mecanismo permite que alguém se torne proprietário de um imóvel que já possui herdeiros. Isso se dá quando a pessoa cuida da propriedade, reside nela e se comporta como dono por um período mínimo de 10 a 15 anos — correspondente ao usucapião ordinária e extraordinária, respectivamente — sem que os herdeiros reivindiquem a posse.
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Cumprindo os critérios legais, essa pessoa pode solicitar ao judiciário o reconhecimento como a nova dona do imóvel, mesmo que ele pertencesse a um familiar morto e fosse destinado a outros herdeiros. No caso de Cruz, ela explica que cuidou de uma idosa por mais de 20 anos, uma tarefa que antes era responsabilidade da sua mãe. Morando na casa para prestar cuidados ininterruptos, a enfermeira afirma que durante todo esse período a empregadora nunca pediu que ela deixasse o local. Para tanto, segundo ela, era natural tratar o imóvel como se fosse dela, realizando reparos e pagando as despesas.
Sem ter para onde ir após a morte da idosa na pandemia de covid-19, Cruz foi aconselhada por um amigo a entrar com pedido de usucapião na Justiça. “Só que no meu caso foi muito mais complicado porque era um imóvel de herança, com filhos vivos, e eu precisei provar que habitava o espaço também como proprietária sem nenhuma reclamação dos herdeiros”, lembra a enfermeira. Para a casa finalmente ser dela, a enfermeira reuniu uma equipe que envolveu velhos conhecidos: porteiros, vizinhos e até comerciantes.
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Especialistas afirmam que a orientação para ações de usucapião de herança é essencialmente igual a todos os tipos de casos que envolvem processos judiciais. Eles ressaltam a importância de um bom diálogo entre advogado e interessado para detalhar todo o procedimento a ser seguido. É preciso ainda compreender a estratégia que o profissional irá traçar, incluindo a coleta de documentos necessários para comprovação.
Além disso, o interessado deve estar ciente das etapas do processo, de modo a estar preparado para participar da audiência de instrução, apresentar testemunhas e ser ouvido. “A melhor estratégia é buscar a verdade. Se a pessoa tem a posse mansa e pacífica, ela, provavelmente, poderá ser provada. Perceba que a ideia de posse mansa e pacífica se relaciona a fatos, não a documentos”, pontua a advogada especialista em direito das famílias e sucessões, Gabrielly Ramos Macedo.
Usucapião de herança: o que fazer para entrar com ação?
Apesar de não haver custo direto pelo imóvel, algumas pessoas que entram com a ação de usucapião de herança perdem o processo porque não conseguem comprovar vínculo com o bem, afirmam os especialistas consultados pelo E-Investidor.
“Primeiro deve ser analisado o caso concreto para traçar a estratégia a ser seguida, já que existem diversas modalidades de usucapião, com requisitos diversos. De toda forma, podemos dizer que é cabível a utilização do instituto desde que seja comprovado o exercício da posse exclusiva do imóvel, com ânimo de dono e de maneira mansa, pacífica, contínua e duradoura”, diz Macedo.
Para tanto, o interessado deve reunir uma série de documentos, como contas de luz e água, Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) e fotografias. Além disso, depoimentos de testemunhas podem ser usados para comprovar os requisitos necessários. “O tabelião examina os documentos apresentados pelo requerente e, se necessário, pode realizar diligências no local do imóvel para entrevistar vizinhos e coletar depoimentos”, explica o 1º vice-presidente do Colégio Notarial do Brasil, da Seção São Paulo (CNB/SP), Daniel Paes de Almeida.
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“Ele verifica a ausência de oposição à posse e a continuidade do uso do imóvel pelo período exigido. A ata notarial é um instrumento público que certifica a situação da posse, servindo como prova no processo de usucapião”, ressalta.
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Além das dificuldades com a documentação, Almeida aponta que também há pessoas que não conseguem comprovar a posse mansa e pacífica. Notificar todos os envolvidos, especialmente herdeiros e terceiros, compreender os prazos exigidos para diferentes tipos de usucapião e enfrentar a oposição de terceiros que contestam a posse são obstáculos adicionais que dificultam a conclusão do processo.
O advogado e professor universitário Fabrício Camargo esclarece que não é necessário que todos os herdeiros concordem com a usucapião de um imóvel herdado. Segundo ele, o processo é geralmente individual e depende do herdeiro que está reivindicando a posse. “É importante que o herdeiro que busca a usucapião cumpra os requisitos legais, como o tempo de posse e a boa-fé”, diz.
Se isso não acontecer, diz Camargo, outros herdeiros podem contestar a aquisição da propriedade. “As [situações] mais comuns são de que o usucapiente não possui legitimidade para propor ação, não possui posse mansa e pacífica, não possui boa-fé. Pode-se contestar também a data da morte, que afeta o início do prazo para a usucapião,” completa o professor.
Tanto Macedo quanto Camargo destacam que uma ação de usucapião pode ser rejeitada se não houver comprovação suficiente de posse exclusiva pelo período exigido por lei. Além disso, no caso de bens de herança, existe divergência entre os tribunais sobre a possibilidade de um herdeiro adquirir a propriedade por meio de usucapião.
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Isso ocorre porque, segundo eles, o princípio da Saisine (art. 1.784 do Código Civil) determina que a herança é transferida imediatamente aos herdeiros legítimos e testamentários após o falecimento do autor da herança.
Quanto tempo dura o processo de usucapião de herança?
A duração do processo de usucapião não pode ser previamente determinada porque varia de acordo com a complexidade do caso e a estrutura do tribunal onde está sendo julgado. Em geral, é um processo judicial que exige uma ampla produção de provas, tornando-o normalmente demorado. “Geralmente leva de um a três anos, dependendo da complexidade do caso e do volume de processos na vara competente”, explica o CEO da Guarda Digital, Sidney Pedrotti.
Se o processo de usucapião for bem sucedido, o herdeiro que entrou com a ação obtém o nome na escritura do imóvel como dona, além de receber um documento que confirma sua posse exclusiva. Isso significa que a propriedade não precisa mais ser dividida com os outros herdeiros. “O antigo proprietário não terá mais direitos sobre o bem usucapido. Todos os deveres e responsabilidades inerentes à propriedade passam para o novo proprietário”, ressalta o advogado e professor universitário Fabrício Camargo.
Confira os documentos exigidos para o processo de usucapião extrajudicial
- Requerimento de usucapião: assinado pelo requerente ou por seu advogado;
- Planta e memorial descritivo do imóvel: elaborados por profissional habilitado e com a Anotação de Responsabilidade Técnica;
- Certidões negativas dos distribuidores cíveis: para comprovar a inexistência de ações possessórias sobre o imóvel;
- Comprovantes de posse: documentos que demonstrem a posse mansa, pacífica e contínua do imóvel pelo prazo legalmente exigido;
- Ata notarial: lavrada pelo tabelião de notas, atestando a posse do imóvel;
- Certidão de ônus reais e ações reais e pessoais reipersecutórias: emitidas pelo cartório de registro de imóveis;
- Documento de identificação e CPF dos requerentes;
- Justo título ou quaisquer documentos que comprovem a origem da posse.
Veja o passo a passo para registrar um imóvel fruto de usicapião
- Reunião da documentação: coleta de todos os documentos necessários;
- Lavratura da ata notarial: realizada pelo tabelião de notas, certificando a posse do imóvel;
- Protocolização do pedido: no cartório de registro de imóveis competente;
- Análise e notificações: o oficial de registro de imóveis analisa o pedido e notifica os interessados;
- Decisão do registrador: o oficial decide pela procedência ou improcedência do pedido;
- Registro da usucapião: se o pedido for procedente, o imóvel é registrado em nome do possuidor.
- Fonte: 2º Tabelião de Notas da Comarca de Ribeirão Preto
Fonte: 2º Tabelião de Notas da Comarca de Ribeirão Preto
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