- É surpreendente que Hannum tenha se safado por tanto tempo, mesmo que poucos de nós devam se surpreender atualmente com o poder das mentiras e de nossa própria tendência a acreditar nelas.
- Hannum de fato frequentou a Universidade da Carolina do Sul – ele me enviou uma foto de sua carteira de estudante antes de parar de me responder –, mas a escola disse que ele não completou nem a graduação ou a pós-graduação.
(Ron Lieber, The New York Times) – Quando a ZenLedger divulgou um acordo em março para o Departamento da Receita Federal dos Estados Unidos (IRS) continuar usando seu software, Dan Hannum disse que estava “empolgado”. Era um momento importante para a empresa, que tem o apoio de Mark Cuban e de outros investidores, e pretende ser uma espécie de TurboTax para os entusiastas das criptomoedas.
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Não foi uma surpresa Hannum ter ocupado um papel de destaque no comunicado à imprensa da ZenLedger. Como diretor de operações, ele já tinha falado em nome da empresa para o Wall Street Journal, ao Politico e outros inúmeros podcasts.
E quem não gostaria de conversar com ele? Nas entrevistas – e em um longo perfil publicado pela Forbes – ele falava de mudar de vida e fazer um MBA, de suas passagens por empresas importantes de Wall Street, como o Goldman Sachs, e de investimentos em criptomoedas incrivelmente lucrativos que lhe permitiram ganhar milhões de dólares para si mesmo e para outras pessoas, como o falecido jornalista Larry King.
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Se ao menos tudo isso fosse verdade.
Poucas semanas depois de anunciar o acordo com o IRS, a empresa demitiu Hannum. Perguntei para a ZenLedger algumas coisas que não pude verificar a respeito de Hannum depois que conversei com ele para uma matéria sobre negociação de criptomoedas e impostos. Muito do que ele havia dito a outros jornalistas também não batia.
Todas as indústrias que surgem – com suas consequentes oportunidades para pessoas empreendedoras de quem ninguém ouviu falar para enriquecer de forma rápida – atraem pelo menos alguns fabulistas. Mas é surpreendente que Hannum tenha se safado por tanto tempo, mesmo que poucos de nós devam se surpreender atualmente com o poder das mentiras e de nossa própria tendência a acreditar nelas.
No início, ele tentou oferecer algumas provas e garantiu que estava falando a verdade, mas parou de me responder antes de ser demitido. Então, não sei por que ele fez o que fez.
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Mas a culpa não é apenas dele. Parar de fazer perguntas é uma boa maneira de cair na camaradagem dos tapinhas nas costas – um apresentador de podcast se referiu a Hannum como um “Og” (abreviatura em inglês para “gangster original”, expressão usada para se referir àqueles que estão em uma atividade há muito tempo) – que vemos por todo o mundo dos negócios, da política e da cultura digital. Há um preço desagradável em ver apenas o que queremos ver: aos pouquinhos e, de repente, do nada, mentir em público passou a parecer uma estratégia razoável para se dar bem ou manter a liderança. Precisamos de menos criação de mitos e mais verificação de fatos.
Então, primeiro, a história que ele contou sobre si mesmo. Ela começa com a polícia parando um Hannum adolescente com cerca de três quilos de maconha e, em seguida, um ano em um programa para menores infratores que funcionou como um sinal de alerta para ele. Então, segundo o que disse aos entrevistadores, ele fez a graduação e um MBA na Universidade da Carolina do Sul, o que lhe proporcionou estágios no Goldman Sachs, no Morgan Stanley e na TD Ameritrade.
Hannum disse que ficou bastante interessado nas criptomoedas e se lançou na área, trabalhando para a Blockchain Capital, que o pagava em Bitcoin, e ajudou a administrar uma oferta inicial de moedas focada em energia renovável. Esse projeto, segundo ele, rendeu a Larry King – e a investidores profissionais como Stan Bharti e Jim Rogers – muitos milhões de dólares em questão de semanas.
Investidores encantados logo fizeram fila para dar mais dinheiro a Hannum, ou assim ele disse.
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“As pessoas ricas sempre têm alguns dólares extras guardados que estão dispostas a jogar fora, ou pelo menos a arriscar um pouco”, disse ele no podcast The Fundamental Value.
Hannum disse durante a gravação ter tido que arrecadar “o primeiro milhão” e que King lhe deu US$ 4 milhões – assim como acesso a outros investidores abastados. “Ele compartilhou os contatos que tinha e isso abriu milhares de portas às quais eu provavelmente nunca deveria ter tido acesso”, disse Hannum.
Em algum momento, ele afirmou que tinha US$ 100 milhões sob sua gestão e estava apostando na infraestrutura blockchain. Hannum disse que um desses investimentos era a ZenLedger e que havia passado a integrar o C-level da empresa depois de investir nela o dinheiro de seu fundo.
Dada a credibilidade que vem com um título pomposo, era natural que as pessoas quisessem ouvir o que ele tinha a dizer e não o interrompessem para questioná-lo. (A Forbes disse estar analisando as informações do perfil, escrito por um jornalista freelancer, que afirmou ter pesquisado “informações básicas’ a respeito de Hannum, mas não verificou seu histórico profissional ou formação.)
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Encontrei Hannum pela primeira vez em março, quando conversei com ele sobre criptomoedas e impostos. Nada em relação às recomendações que ele ofereceu em nossa conversa telefônica acionou qualquer alarme – na verdade, tudo foi verificado com o IRS.
Mas a história de vida que ele me contou não batia.
A Universidade da Carolina do Sul é uma boa escola, mas não é o primeiro lugar onde os bancos esnobes de Wall Street procuram novos talentos. E Larry King, que morreu no ano passado, estava mesmo investindo milhões de dólares em criptomoedas?
Hannum alegou ter pago milhões em impostos sobre seus ganhos com criptomoedas, mas seu escritório em Charlotte, na Carolina do Norte, onde ele trabalhava remotamente, parecia muito simples pelo Zoom. E, afinal, todas as figuras do mundo das criptomoedas não viviam em Miami?
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Então comecei a fazer perguntas a outras pessoas. Não demorou muito para descobrir que Hannum havia inventado muito do que contou.
Eu pude verificar apenas as informações da vida dele na faculdade, já que é difícil ter acesso a registros de menores infratores. Hannum de fato frequentou a Universidade da Carolina do Sul – ele me enviou uma foto de sua carteira de estudante antes de parar de me responder –, mas a escola disse que ele não completou nem a graduação ou a pós-graduação. E o Goldman, o Morgan Stanley e a TD Ameritrade não tinham qualquer registro dele como funcionário.
W. Brad Stephens, fundador e sócio-administrador da Blockchain Capital, também disse que Hannum nunca havia trabalhado na empresa. “Lembro-me vagamente de encontrá-lo pela primeira vez por volta de 2017, em uma reunião em nosso escritório para algo que ele estava tentando começar”, disse Stephens por e-mail. “Decidimos não investir. Mas ele parecia um jovem simpático que estava extremamente empolgado com o Bitcoin e o blockchain.”
E os três investidores a quem Hannum alegou ter ajudado a ganhar milhões? A oferta nunca foi lançada formalmente, de acordo com um advogado da empresa de investimentos fundada por Bharti.
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“Nenhum lucro foi ganho por ninguém”, disse o advogado, Neil Said, respondendo às perguntas em nome de Bharti, que estava envolvido no projeto que almejava oferecer a moeda.
King gravou mesmo um vídeo para o projeto de oferta inicial de moedas, mas sua viúva, Shawn, afirmou que ele nunca teve investimentos em criptomoedas e que ela não conhecia Hannum.
Rogers, que administrou um fundo de investimento com George Soros e escreveu o livro “Investment Biker” (Motociclista e investidor, em tradução livre), disse que foi por um breve período um “consultor cético” do projeto, já que não esperava que funcionasse. E acrescentou que nunca havia comprado criptomoedas, muito menos com a ajuda de Hannum.
“Eu nunca ouvi falar dele”, Rogers me respondeu por e-mail. “Tudo isso é absurdo.”
Mas Hannum estava de alguma forma conectado ao projeto que não foi para frente: ele trabalhou em uma empresa de marketing em Santa Monica, na Califórnia, chamada Hawke Media, que participou da proposta, de acordo com Erik Huberman, CEO da Hawke.
Não consegui encontrar nenhuma prova de que Hannum tivesse realizado quaisquer investimentos de risco, muito menos no valor de US$ 100 milhões. E não está claro exatamente como ele chegou até a ZenLedger. Pat Larsen, fundador e CEO da ZenLedger, não atendeu meus telefonemas, nem respondeu a nenhum dos meus e-mails. Eu também queria saber se Larsen havia lido o longo perfil publicado pela Forbes, no qual Hannum descreveu como havia sido um dos primeiros financiadores da ZenLedger.
Rob Ford, porta-voz externo da ZenLedger, tentou esclarecer algumas coisas. Ele disse que Hannum não investiu na ZenLedger e que Larsen não leu o perfil da Forbes. Entretanto, a empresa não acredita que Hannum já tenha retratado de maneira equivocada a empresa, acrescentou.
(A conexão com o IRS é verdadeira: a ZenLedger tem quatro contratos, totalizando US$509.600, sob o nome corporativo Blockchain Analytics e Tax Software LLC. A agência disse que os contratos costumam permanecer em vigor até expirarem. “No entanto”, acrescentou, “os contratos governamentais, inclusive este, estão sujeitos a revisão contínua de acordo com os padrões federais de contratação.”)
Então, como Hannum foi parar na ZenLedger?
“Hannum foi indicado para a ZenLedger por meio de um relacionamento profissional e foi aprovado depois de uma verificação de antecedentes que não indicavam qualquer alerta em relação a sua formação ou histórico profissional”, disse o comunicado da empresa. “Assim que ficou claro que ele havia mentido a respeito de sua formação e histórico profissional, e da natureza de sua atuação na ZenLedger, ele foi demitido no mesmo dia.”
Checar antecedentes nunca é uma má ideia ao contratar alguém, mas isso provavelmente não encontraria sinais de alerta sobre a formação profissional ou educacional de uma pessoa. Então, se a ZenLedger não estava fazendo as perguntas certas, o que diziam seus investidores?
As empresas que querem entrar em um acordo costumam confiar na diligência prévia que o chamado principal investidor realiza. No caso da ZenLedger, esse papel coube a Bloccelerate, que liderou uma rodada de financiamento de US$ 6 milhões no ano passado. Na época, uma sócia comanditada da Bloccelerate, Kate Mitselmakher, chamou a equipe da ZenLedger de “talentosa, motivada e criativa”.
Então, quanto a empresa dela sabia a respeito dessa equipe?
“Nossa diligência prévia foi extensa, inclusive com conversas com o IRS”, ela me disse. “Fizemos mais investigações do que um capitalista de risco típico teria feito.”
A Bloccelerate avaliou o diretor técnico da empresa, ela disse – embora não achasse que alguém tivesse falado com Hannum, o diretor de operações. “Nenhum capitalista de risco estaria no setor se tivéssemos que fazer verificações de antecedentes de todos na empresa”, disse ela.
Então, o que de fato aconteceu ali? Cuban, cuja empresa também fazia parte da rodada de financiamento do ano passado, ofereceu mais algumas explicações por e-mail.
“A maioria de nós costuma confiar e tenta focar em tornar nosso negócio um sucesso, em vez de examinar cada currículo”, escreveu ele. Mentirosos podem ser um problema em qualquer empresa e já atingiram até mesmo o New York Times, observou ele.
“As pessoas mentem e às vezes são realmente boas nisso”, disse ele. “Tudo o que uma empresa pode fazer é seguir em frente.”
Mas aceitar fraude é aceitar a derrota, e, de verdade, por que deveríamos? Talvez Hannum pudesse canalizar seu entusiasmo para uma solução: usar o blockchain – com todas as suas promessas de registros permanentes e inalteráveis – para criar uma plataforma em que se possa optar para participar e verificar o histórico de formação e profissional. Assim, as pessoas não seriam capazes de fazer o que ele fez.
A ZenLedger, pelo menos, parece ter aprendido sua lição. Seus novos diretores de estratégia e de operações tiveram mesmo passagens pela CIA e pelas forças especiais dos EUA conhecidas como Boinas Verdes. (Eu confirmei.)
E quando Larsen disse no Twitter no final de março que a ZenLedger estava procurando um “grande líder e comunicador” para assumir o antigo cargo de Hannum, o link postado por ele destacava a flexibilidade de local de trabalho e a opção de receber pelo menos parte do salário em criptomoedas.
Além de exibir o aviso: “vamos verificar suas referências”. // TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA