- Há um ano, o Copom anunciava o último aumento, o 12º consecutivo, do ciclo de aperto monetário, levando a Selic a 13,75% ao ano
- De lá para cá, foram 6 reuniões em que a Selic permaneceu inalterada. O cenário macroeconômico do Brasil, no entanto, mudou
- Agora, o mercado aguarda unânime por um corte nos juros na reunião dessa quarta-feira (2)
No dia 03 de agosto de 2022, o Comitê de Política Monetária (Copom) anunciava o último aumento, o 12º consecutivo, do ciclo de aperto monetário iniciado em março de 2021. A taxa básica de juros do País chegava a 13,75% ao ano, o maior patamar desde dezembro de 2016 e onde permanece até hoje, um ano após aquele encontro.
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De lá para cá, foram seis reuniões em que a Selic permaneceu inalterada. O cenário macroeconômico do Brasil, no entanto, mudou.
Em agosto de 2022, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulado em 12 meses batia 8,73%. Naquele mês, a inflação oficial do País passou por uma deflação de 0,36%, fruto dos incentivos concedidos pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) na desoneração de insumos como combustíveis e energia elétrica. A medida tinha cunho eleitoreiro, mas conseguiu fazer o IPCA acumulado em 12 meses cair da casa de dois dígitos pela primeira vez desde meados de 2021.
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Agora, às vésperas da reunião do Copom que promete uma inflexão na política monetária brasileira, o “remédio” dos juros altos surte efeito. Em junho deste ano, dado mais recente, o IPCA teve uma deflação mensal de 0,08%, suficiente para levar a inflação de 12 meses a 3,16% – abaixo da meta de 3,25% para 2023.
“Mesmo com toda a crítica e um custo econômico que ainda está para ser visto, a Selic de 13,75% ao ano cumpriu o seu papel”, diz Dalton Gardimam, economista-chefe da Ágora Investimentos. “Foi uma vitória contra a inflação. Era o remédio correto e hoje, olhando para trás, podemos dizer que também era a dosagem certa.”
Nesta quarta-feira (2), o Copom vai anunciar a decisão mais esperada dos últimos tempos. O mercado financeiro aguarda, unânime, pelo primeiro corte na Selic.
A magnitude do ajuste ainda é incerta. Uns apostam em 0,25 ponto porcentual, dada a comunicação ainda dura do Banco Central. Os mais otimistas enxergam espaço para uma queda de 0,50 p.p. já nesta reunião. A projeção do Boletim Focus é que a taxa de juros encerre 2023 em 12% ao ano, o que significaria um ajuste total de 1,75 ponto porcentual a ser dividido entre as reuniões de agosto, setembro, novembro e dezembro do comitê.
Projeções
Mas não é só a queda da inflação corrente que permitiu que o mercado começasse a sonhar com uma flexibilização do aperto monetário. As expectativas para o IPCA nos próximos anos também estão recuando.
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No primeiro Boletim Focus deste ano, publicado no dia 06 de janeiro, mercado esperava que o IPCA terminasse 2023 em 5,36%. Para 2024 e 2025, as projeções eram de 3,70% e de 3,30%, respectivamente. No final de março, no auge das incertezas do mercado em relação ao cenário fiscal do País, a projeção era de um IPCA de 5,93% para 2023, 4,13% em 2024 e 4,0% em 2025.
O Focus da última segunda-feira (21) já mostra como parte dessas expectativas futuras estão se aproximando da meta de 3%, a chamada “ancoragem”. O mercado projeta um IPCA de 4,90% em 2023, 3,90% em 2024 e 3,50% em 2025.
Rachel de Sá, chefe de economia da Rico, explica que como os efeitos da política monetária demoram a ser sentidos na economia, para decidir os juros de hoje o BC está sempre vigilante quanto às expectativas de inflação do amanhã. “O BC está sempre olhando a frente e as expectativas melhoraram bastante. As cadeiras de produção voltaram ao normal, houve queda no preço de diversas commodities e, além todos esses movimentos globais, o cenário doméstico mexeu muito com as expectativas”, afirma.
Eventos determinantes
Entre agosto de 2022 e julho de 2023, não faltaram eventos no Brasil para alterar as expectativas de inflação do mercado. Este ano mesmo começou com o início de mais um mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o que causou ruídos fiscais enquanto o novo governo dava os primeiros passos.
Como mostramos nesta reportagem, os 6 primeiros meses do Lula 3 também foram marcados pela briga pública entre o chefe do Executivo e Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central. Em inúmeras ocasiões, Lula fez pressão para que Campos Neto abaixasse a taxa Selic, defendendo inclusive que o atual regime de metas de inflação fosse alterado.
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Apesar das faíscas, a apresentação e a aprovação do novo arcabouço fiscal em abril e maio acalmou os ânimos mais pessimistas, deu maior clareza para os agentes de mercado e permitiu que, aos poucos, as expectativas de inflação fossem reduzidas. No final de junho, o Conselho Monetário Nacional (CMN) também votou pela manutenção das metas de inflação em 3% para 2024 e 2025 – mais um alívio.
De quebra, o governo ainda conseguiu avançar com a reforma tributária, um tema que aguardava há mais de três décadas para ser discutido em Brasília.
Ainda que as mudanças na nova tributação só passem a valer no futuro, “são sinalizações positivas que reduzem a percepção de risco”, destaca Rachel de Sá. E que permitiram que, desde abril, o mercado brasileiro começasse a se preparar para o tão sonhado corte de juros que deve ser confirmado nesta semana. Veja como as corretoras foram alterando os portfólios.
O impacto nos investimentos
A Selic estacionada em 13,75% ao ano já trouxe de cara um primeiro efeito: a renda fixa voltou a ser a queridinha dos portfólios dos brasileiros. Afinal, com pouco risco e esforço, era possível conseguir retornos superiores a 1% ao mês em títulos do Tesouro Direto, considerado um dos investimentos mais seguros do País.
“Quando os juros foram a 2% ao ano, muita gente brincava que a renda fixa tinha morrido”, lembra Gardimam, da Ágora. “Em 13,75%, ela nunca esteve tão viva, o mercado inteiro de crédito corporativo e títulos públicos reviveu.”
Na renda variável, boa parte dos ativos como ações e fundos imobiliários sofriam com grandes desvalorizações desde 2021, quando o Banco Central começou a elevar a Selic. O movimento não aconteceu somente pela migração de investidores para a renda fixa, mas porque algumas ações, como small caps e empresas do setor de varejo e construção, por exemplo, têm seus modelos de negócios diretamente impactados pela alta dos juros.
Ainda assim, um levantamento feito pela Economatica, a pedido do E-Investidor, mostra que o índice mobiliário da B3 (IMOB) reportou os maiores ganhos entre agosto de 2022 e julho de 2023. O retorno da carteira teórica com ações de empresas do setor de construção civil foi duas vezes superior ao do CDI do período. Como adiantamos nesta reportagem, entre março e junho deste ano, todas as companhias presentes no IMOB subiram ao menos 21,5%, mas houve quem acumulasse ganhos ainda mais expressivos, de 85%.
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“Empresas como Magalu (MGLU3), Locaweb (LWSA3) e MRV (MRVE3) sofreram por esse movimento hawkish’ (jargão do mercado financeiro que indica uma política austera, com taxas de juros mais altas), que entre outras consequências deixou o crédito mais caro, empresas mais alavancadas, aumentou a inadimplência e inviabilizou a rolagem de dívidas fundamentais para o fluxo de caixa de algumas companhias”, explica André Luiz Rocha, operador de renda variável da Manchester Investimentos.
Nesta reportagem de abril, feita logo após o final da temporada de balanços referentes ao quarto trimestre de 2022, mostramos como o lucro das empresas de capital aberto da B3 derreteu no último ano. Muito disso por culpa do peso dos juros de dois dígitos.
Analisando apenas a janela deste último ano, em que a Selic estava em 13,75%, os desempenhos não são negativos. Isso porque boa parte do impacto já tinha sido precificado pelo mercado e, à medida que a possibilidade de corte nesta reunião de agosto foi surgindo, esses ativos voltaram a performar bem.
Desde abril, a Bolsa de Valores brasileira engatou uma recuperação acelerada. Nos últimos quatro meses, o Ibovespa teve um rali de 25%, como detalhamos aqui.
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Matheus Spiess, analista da Empiricus Research, explica que os ganhos recentes na renda variável aconteceram na esteira do fechamento da curva de juros futura, ainda que o efetivo corte na Selic não tenha acontecido. Quem lidera o movimento? Aqueles mesmos setores e ativos que apanharam lá atrás.
“Small caps, tecnologia, incorporadoras, varejo. Foram as que mais sofreram no ciclo de aperto monetário e agora se destacam com essa inversão de tendência com a precificação de queda dos juros”, destaca.
Rebalanceando a carteira
A mudança no ciclo de política monetária, que agora passará a ser de cortes nos juros, também exige uma mudança nas carteiras de investimento. Ainda que boa parte dos ativos tenha uma tese de longo prazo, de tempos em tempos é preciso fazer uma avaliação dos riscos e potenciais de cada produto do portfólio, tendo em vista a alteração no cenário macroeconômico. É o que o mercado chama de rebalanceamento; e que precisará ser feito a partir de agora.
A renda fixa, que figurou neste último ano como a grande protagonista, deve ver parte da sua rentabilidade cair. Gardimam, da Ágora, explica que trata-se apenas de uma “normalização” depois de um período de retornos extraordinários. “A atratividade vai continuar, mas em um patamar mais decente”, diz.
Os investidores não devem fechar os olhos para a renda variável, que historicamente é quem performa melhor em ciclos de afrouxamento monetário.
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A tendência a partir de agora é que corretoras, bancos e casas de investimentos façam um rebalanceamento de suas carteiras e nas suas recomendações para se adaptar ao novo cenário. A direção? Um degrau acima no risco, aumentando a parcela nas classes de ativos de renda fixa e variável que foram penalizadas quando a Selic subiu e agora devem voltar a ganhar protagonismo.
*Colaborou Rebecca Crepaldi