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Por que as aéreas devem enfrentar mais turbulência antes da recuperação

Atraso na vacinação e aumento recente de casos de covid-19 jogam nuvem de incertezas nos planos de retomada

Por que as aéreas devem enfrentar mais turbulência antes da recuperação
Incerteza sobre variantes do coronavírus afeta desempenho de empresas ligadas ao turismo e à aviação. Foto: Pixabay
  • No cenário de descrença global, as ações das companhias aéreas despencaram nas bolsas de valores mundiais e a recuperação do setor se apoia totalmente nas notícias que apontam para o fim da crise
  • De modo geral, os analistas ouvidos pelo E-Investidor concordam que, mesmo que o setor tenha recuperado boa parte das perdas acumuladas no último ano, ainda há muito trabalho pela frente
  • Até novembro de 2020, a demanda global por viagens aéreas domésticas e internacionais caiu 70,3%, em relação ao mesmo período de 2019, segundo a Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA, na sigla em inglês)

O ano de 2020 foi como um daqueles voos turbulentos intermináveis, em meio a um mar de incertezas provocadas pela pandemia de covid-19. No cenário de descrença global, as ações das companhias aéreas despencaram nas bolsas de valores mundiais e a recuperação do setor se apoia totalmente nas notícias que apontam para o fim da crise. Há de se pensar, então, que o início da vacinação em diversos países garantirá à aviação uma decolagem para patamares pré-pandemia. Mas ainda há obstáculos no trajeto de retomada.

No Brasil, o início da vacinação é incerto. Desgastes entre a União e os Estados geram dúvidas sobre quando e como a imunização será feita nacionalmente. Não se sabe, por exemplo, quais vacinas serão disponibilizadas à população, e se há insumos, como agulhas e seringas, suficientes. Essa confusão vai continuar prejudicando a operação internacional das aéreas brasileiras, uma vez que diversos países ainda estão restringindo a entrada de pessoas vindas do Brasil. E sem vacinação, o fim dessa imposição fica mais distante.

Enquanto a solução mais eficaz contra a pandemia não é posta em prática, os casos não param de crescer. Ao todo, já são mais de 201 mil mortes e mais de 8 milhões de casos da doença. No mundo, a covid-19 já matou mais de 1,9 milhões de pessoas, segundo a Universidade Johns Hopkins.

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“O comportamento das aéreas vai estar muito associado à normalização da vida das pessoas, e que por sua vez está relacionada à disponibilização de uma vacina”, afirma Ricardo França, analista da Ágora Investimentos.

Em meio ao cenário de aumento de casos, é possível ainda que o quadro do setor possa piorar antes de se restaurar. “No curto prazo, pode haver uma turbulência maior”, avalia França.

Para o analista, as empresas conseguiram realizar um bom trabalho durante o período de crise, na verdade um enorme desafio: manter os custos altos, sendo boa parte em dólar, com a operação completamente prejudicada pela redução e até interrupção total de voos.

De modo geral, os analistas ouvidos pelo E-Investidor concordam que, mesmo que o setor tenha recuperado boa parte das perdas acumuladas no último ano, ainda há muito trabalho pela frente. As dívidas das companhias, por exemplo, ainda são elevadas e, recentemente, a alta do petróleo afetou os custos, já que o preço do querosene para a aviação também encarece.

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Portanto, a retomada deve ser mais concreta a partir do segundo semestre de 2021, pelo menos, e se as medidas para o fim da pandemia se mostrarem eficazes no País.

“Quem estava achando que o setor vai recuperar o nível de 2019 até o meio do ano, pode jogar o prazo para frente”, avalia Mario Mariante, analista-chefe da Planner Investimentos. “Não vejo recuperação no início deste ano porque o primeiro trimestre está altamente comprometido. Alguma recuperação só no final do ano e se as coisas voltarem à normalidade”.

Alexandre Jung, head de renda variável da Vero Investimentos, entende que, enquanto houver restrições em relação ao distanciamento social, todo setor sofrerá com redução de passageiros. “Independentemente da forma como é tratado esse distanciamento dentro das aeronaves, as pessoas estão em um ambiente recluso, o que faz com que a maioria ainda prefira outra forma de transporte privado ou, o mais usual, manter o isolamento”, diz Jung.

Como estão os números das companhias

Até novembro de 2020, a demanda global por viagens aéreas domésticas e internacionais caiu 70,3%, em relação ao mesmo período de 2019, segundo a Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA, na sigla em inglês). Já a oferta de assentos teve redução de 58,6% na mesma comparação, e o aproveitamento das aeronaves recuou 23 pontos percentuais, chegando a 58%.

Os dados internacionais reforçam também o quadro nacional. Em 2020, o tráfego de passageiros consolidado (RPKs) da Azul (AZUL4) caiu 45,5%, enquanto a capacidade (ASKs) caiu 43,1% ante 2019, com a taxa de ocupação recuando 3,6 pontos porcentuais, para 79,9%.

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A Gol (GOLL4), por sua vez, teve queda de 51,9% no tráfego de passageiros em 2020 ante 2019. A capacidade recuou 50,8% e a taxa de ocupação das aeronaves encolheu 1,9 ponto porcentual, fechando o ano em 80%.

Apesar de ter sido pior no comparativo anual, dezembro também confirmou o ritmo de recuperação recente. A Azul, por exemplo, conseguiu aumentar o tráfego de passageiros em 18,1% ante novembro de 2020 e teve crescimento de 22,5% na capacidade (ASKs), tanto em voos domésticos como internacionais.

A Gol teve crescimento da demanda (RPK) para os voos de 33% sobre novembro, enquanto a oferta (ASK) avançou 38%. Os dados da empresa, entretanto, se referem apenas à operação doméstica, uma vez que a companhia ainda não retomou os voos internacionais.

Além disso, as aéreas também estão apostando no compartilhamento de rotas, iniciado no ano passado e que será mantido em 2021. “A Azul fez uma parceria (codeshare) com a Latam, em que as empresas realizam voos de forma conjunta, mesmo após os presidentes de ambas discutirem, de forma agressiva, publicamente, sobre preferência das rotas deixadas pela Avianca, o que demonstra que o setor está fazendo o possível para se manter ativo”, analisa Jung.

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A Latam, que não tem capital aberto no Brasil, também passou por um ano difícil, com a empresa entrando em recuperação judicial na Justiça dos EUA. Com dívida de US$ 18 bilhões, a empresa conseguiu captar US$ 2,45 bilhões com credores e acionistas, o que trouxe fôlego para atravessar a crise.

No Brasil, todavia, a empresa enfrentou problemas de redução salarial e demissão de funcionários. Para 2021, a expectativa da Latam é de retomar voos e encerrar a recuperação judicial no segundo semestre.

O que esperar das ações

A recuperação das companhias, como já sinalizado, dependerá de alguns fatores como o sucesso da vacinação e o controle da pandemia, para que, enfim, as pessoas possam ter a confiança de voltar a voar. O retorno da operação internacional também é essencial para que os papéis recuperem os patamares pré-crise.

“As ações vão correspondendo à medida que se tenha um avanço da normalização, e isso só vai vir quando tiver o andamento da vacina”, diz França. “Novas medidas de lockdown ou restrição afetaria o desempenho do setor no curto prazo e talvez interromperia a trajetória de recuperação”.

Mariante observa também que um desdobramento que ainda precisará ser mensurado é a queda de voos a negócios, que, na opinião dele, serão drasticamente reduzidos devido à força que as videoconferências ganharam no home office. “Vai ser um comportamento adotado daqui para frente”, acredita o head de renda variável da Planner.

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Outro papel do setor é a Embraer, que atua na fabricação de aeronaves. Para os analistas, a empresa também passou por um cenário adverso, com a paralisação de pedidos potenciais de novos jatos, tanto executivos como comerciais, o que afetou os resultados. A retomada, assim como para as companhias, dependerá do fim da pandemia.

“O segmento de defesa segue o projeto de uma nova aeronave que substituirá o Hercules, cujo investimento foi drasticamente reduzido pelo governo, levando a Embraer a utilizar seu próprio caixa. O movimento foi interpretado de forma negativa pelo mercado, diminuindo o apetite em se posicionar na empresa”, observa Jung.

Na sexta, os papéis AZUL4, GOOL4 e EMBR3 fecharam cotados a R$ 36,60, R$ 23,51 e R$ 8,81, respectivamente. No acumulado de um ano, a Azul tem perda de 35,70%, a Gol, de 34,35%, e a Embraer, 56,67%.

Os analistas ouvidos na matéria ainda estão revisando suas projeções para os preços-alvo dos papéis, dadas as incertezas no setor. A Ágora tem recomendação de compra apenas para Gol e neutra para Azul e Embraer. A Vero tem indicação neutra para as três, e a Planner recomenda a venda dos papéis.

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