- Em 2020 e 2021, a agenda ESG dominou a pauta de gestores e empresários do mercado financeiro. Mas, para 2022, essa discussão parece não ser suficiente
- Em carta a lideranças do mercado, antecipada em primeira mão ao E-Investidor, o CEO Daniel Izzo e o COO Gilberto Ribeiro, da Vox Capital, fazem um chamado à responsabilidade: frente ao nível atual de mudanças climáticas e aprofundamento das desigualdades sociais, falar de ESG e de metas de sustentabilidade não basta
- Na visão da gestora, os negócios que não entrarem na onda têm menos chances de sobreviver no longo prazo
Em 2020 e 2021, a agenda ESG dominou a pauta de gestores e empresários do mercado financeiro. A sigla vem do inglês “environmental, social and corporate governance“, e refere-se a um conjunto de práticas de governança ambiental, social e corporativa, voltadas a ampliar a atuação das corporações em temas socioambientais. Mas, para 2022, a discussão parece não ser suficiente.
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Ao menos este é o posicionamento da Vox Capital, a principal gestora de investimentos de impacto do Brasil, com mais de R$ 518 milhões investidos.
Em carta a lideranças do mercado, antecipada em primeira mão ao E-Investidor, o CEO Daniel Izzo e o COO Gilberto Ribeiro fazem um chamado à responsabilidade: frente ao nível atual de mudanças climáticas e aprofundamento das desigualdades sociais, falar de ESG e de metas de sustentabilidade não basta.
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Para a gestora, os agentes do mercado precisam repensar suas atuações para além da mitigação de danos, e avançar em direção à regeneração. Essa “utopia”, como explicou Izzo em entrevista ao E-Investidor, é um norte que deve entrar, com urgência, na rota de investimentos das empresas para tentar reverter parte dos danos ambientais que já afetam o planeta.
Mas o chamado por um mundo “100% regenerado” da Vox não é só um apelo socioambiental. Na visão da gestora, os negócios que não entrarem na onda têm menos chances de sobreviver no longo prazo.
“A Vox entende que, para alcançarmos um mundo 100% regenerado, as empresas de pequeno, médio e grande porte têm que alinhar as metas financeiras às metas de impacto socioambiental porque, na essência e apesar dos desafios, elas se retroalimentam”, diz a carta.
Melhores condições socioambientais e maior o acesso a serviços básicos geram, de um lado, custos sociais menores; e, do outro, ampliam o potencial do mercado a ser abordado. O que, para a Vox, resultaria em aumento do retorno financeiro absoluto para os investidores. Por isso, a carta da gestora defende uma atuação conjunta e mais eficaz entre diferentes players para garantir que o ecossistema – do mercado financeiro e do planeta – perdure pelo tempo.
“Por muito tempo, o capital privado se eximiu da responsabilidade do que estava criando”, diz Daniel Izzo, sócio e CEO da Vox Capital
É precismo de mais inovação financeira e opções de investimento atreladas à geração de impacto positivo, pontuam os CEO e COO na carta ao mercado.
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“Na visão da Vox, o conceito de regeneração caminha lado a lado com o de democratização. É por isso que estamos a postos para estimular, cobrar e inovar na direção de termos cada vez mais pessoas cientes do seu potencial de ser empreendedor, investidor e protagonista das transformações positivas que o mundo precisa”, finaliza a carta.
E-Investidor – Na carta, vocês dizem que a palavra regeneração é tão fundamental quanto abrangente. Quando falamos de um mundo 100% regenerado, estamos falando de que?
Daniel Izzo – O 100% regenerado, obviamente, é uma utopia, mas trabalhamos com isso como forma de manter o nosso movimento. Falamos em “regenerado” ao invés de sustentável, porque já passamos do ponto de se contentar com o zero a zero. Já estamos em um caminho rápido de mudanças climáticas, e a pandemia acelerou a desigualdade social também. Esse é o momento da gente fazer uma curva, um retorno, trabalhar para restabelecer os ecossistemas, com equilíbrios mais saudáveis de carbono na atmosfera e de distribuição de renda.
O mundo 100% regenerado dá uma direção de reconstrução, que é necessária. E que não é voltar atrás, mas sim, através das tecnologias e recursos que temos hoje, trabalhar para tornar a nossa vida no planeta mais saudável.
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E-Investidor – Já se fala muito de ESG, metas de sustentabilidade e descarbonização. Mas vocês defendem que é preciso ir além das soluções de contenção de danos. O que mais precisa ser feito?
Izzo – Eu sinto que ainda estamos no lugar de mitigação. Tanto de impactos, mas também um lugar ainda oportunista de mitigação de riscos. A questão de criar um mundo melhor através dos modelos de negócio ainda não está clara nessa intenção, isso não está tão explícito. Então é como se eu fizesse um produto que eu já fazia antes, mas agora tomando cuidado com afluentes, eu cuido para ter diversidade no meu time de gestão. Poucos estão efetivamente colocando a criação desse mundo mais regenerado, mais sustentável como um guia.
Ou criamos esse mundo melhor ou essas transformações vão pegar a gente de alguma maneira. O passo que precisa ser dado é todo mundo colocar realmente dentro da intenção do seu modelo de negócio, da sua gestão, o objetivo de transformar o mundo para melhor. Assim, eu tenho certeza que estaríamos sendo mais eficientes na transição para um mundo mais sustentável.
E-Investidor – Parte desse discurso ainda está apenas na teoria?
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Izzo – Sim. O que eu acho positivo, de qualquer forma, é que mesmo quem faz isso como mitigação de risco está respondendo a uma demanda crescente. O meu otimismo mora nessa onda. Hoje, há uma pressão para falar de ESG, porque os investidores institucionais estão cobrando, os consumidores estão cada vez mais preocupados com isso e, também, os talentos mais jovens querem, cada vez mais, trabalhar com empresas que tenham algum propósito de gerar impacto positivo.
Uma das coisas que o ESG ainda não está vendo e que nós do investimento de impacto achamos muito importante é não olhar só para como eu faço o que eu faço. Mas também para o que eu estou fazendo. Exemplo: se eu tenho um produto que contribui para o aumento de diabetes ou obesidade infantil. Não adianta cuidar do afluente de água ou ter diversidade no board, se a forma como eu ganho dinheiro é através do aumento da obesidade infantil. Isso também precisa ser colocado na conversa.
E-Investidor – O caminho da regeneração, então, passa também por uma mudança dos modelos de negócio?
Izzo – É uma conversa desagradável, mas em algum momento vamos ter que olhar para isso. Como aconteceu com o cigarro, por exemplo. Não eliminamos o produto, mas foi colocado algumas restrições para venda e publicidade que tornam o impacto da indústria do cigarro menor do que anos atrás. E com regulamentação ou não, as pessoas vão começar a olhar para os impactos dos produtos. Em algum momento essa discussão vai ter que vir para a mesa.
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E-Investidor – Na Vox, vocês defendem que a regeneração se sustenta em quatro pilares: pessoas plenas, instituições democráticas, cidades eficientes e um planeta saudável. Qual o papel do capital privado na manutenção desses pilares?
Izzo – O capital privado consegue atuar nessas quatro dimensões, mas tem uma questão mais filosófica sobre esse papel. Por muito tempo, o capital privado se eximiu da responsabilidade do que estava criando. Eu, inclusive, brinco que houve um esforço muito bem sucedido de separação do mercado financeiro com o mundo real. Mas isso não deveria acontecer.
O capital privado está circulando nessa casa que é o mundo, então ele tem responsabilidade sobre o que está criando. Quando se fala de investimento de impacto, não é sobre substituir a filantropia. Tem coisa que não tem retorno financeiro e, ainda assim, precisa ser feita. O nosso investimento complementa o trabalho que a filantropia faz. Em uma questão mais ampla, todo o dinheiro de capital privado deveria estar preocupado em, no mínimo, ter um impacto neutro na sociedade. Tem esse chamado à responsabilidade.
E-Investidor – Muitos gestores e CEOs ainda não estão dispostos a alinhar as metas de impactos socioambientais, como vocês sugerem na carta, aos objetivos financeiros de seus negócios, receosos com uma possível queda nos rendimentos. Como convencer as empresas de que ambas as metas podem caminhar juntas?
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Izzo – Eu tenho uma visão de que, em algum momento, as empresas não vão conseguir se sustentar e existir sem estar trabalhando em prol de uma solução. Olhando mais como gestor, eles estão deixando de fora uma dimensão de risco que vai se tornar cada vez mais importante para os negócios. Não só essa questão mais de longo prazo, de aquecimento global, mas de coisas mais imediatas, como as cobranças do público. O pessoal está muito mais em cima, escândalos estão aparecendo. Então, se você não está olhando para isso e cuidando desses impactos em relação a seus stakeholders, você está colocando o seu negócio em risco.
Tem uma questão mais pragmática e ainda hoje respondemos mais a isso do que àquela ideia de ‘o mundo que queremos deixar’. Mas tudo bem. Pelo caminho que for, não olhar para isso é um risco.