- As apostas esportivas têm sido divulgadas como maneira de fazer renda extra - o que a modalidade não é, segundo especialistas financeiros
- O próprio CMO (diretor de marketing) de um dos maiores sites de apostas no Brasil ressalta que a prática tem foco em entretenimento e não pode ser considerada investimento
- A falta de regulamentação do mercado de apostas traz prejuízos aos usuários, além de representar um potencial perdido em recolhimento de impostos
Nos estádios de futebol, a palavra “bet” (aposta, em inglês) está por todos os cantos. Atualmente, os 20 times da Série A do campeonato brasileiro são patrocinados por casas de apostas esportivas, como galera.bet, Blaze Apostas e Pix Bet.
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Os sites também ganham presença nas redes sociais. Influenciadores com milhões de seguidores já fizeram publicidade para esses jogos, que não se restringem às partidas futebolísticas. Existem apostas em diversos tipos de esportes e pelo menos dois modelos de palpites.
O primeiro, e mais comum, é tentar acertar qual time vai vencer ou se o jogo terminará em empate (punting) antes da partida ocorrer. A segunda forma é negociar as probabilidades enquanto a partida acontece (trading). No caso do punter, o jogador está apostando “contra” a casa de apostas. Já os traders apostam um contra os outros, em uma espécie de “bolsa”.
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As chances de ganhar quantias relevantes de dinheiro de forma frequente são limitadas – principalmente se o usuário não se dedicar a estudar o assunto e as probabilidades, como é o caso de boa parte dos apostadores. Por isso, diferentemente do que é ventilado na internet, as apostas esportivas não são consideradas eficientes para fazer renda extra, tão pouco uma forma de investimento.
“Nada contra o cidadão separar algum dinheiro, que ele não de importe de perder, para fazer um joguinho por lazer. Mas ninguém deve considerar sites de apostas como um investimento. Quem recomenda isso não é sério”, afirma Mario Goulart, analista de investimentos.
Eliane Habib, planejadora financeira pela Planejar (Associação Brasileira do Planejamento financeiro), concorda. “Uma aposta on-line não é igual a investir no mercado de ações, comprando um ativo de uma empresa para lucrar com a sua valorização ”, afirma. “Nas apostas, o risco é binário: ganho ou perco. Não existe horizonte de tempo, valorização, ou ativo por trás disso.”
Não são só os especialistas financeiros que alertam para essa questão. Ricardo Bianco Rosada, CMO do galera.bet, também não vê as apostas como investimentos ou formas de fazer renda extra. A empresa é patrocinadora do Corinthians e dos Campeonatos Brasileiros de Futebol masculino e feminino junto à Confederação Brasileira de Futebol (CBF), além de ser considerado o melhor site de apostas no País pelo SiteDeApostas.com.
“Eu concordo em número, gênero e grau que aposta esportiva é recreativa, é entretenimento. Em hipótese alguma uma pessoa pode olhar para aposta esportiva como investimento, isso está totalmente fora do que acreditamos”, explica Rosada. “O conhecimento vai trazer um ambiente confiável, transparente, legal e sustentável para o ambiente de jogos. Queremos desenvolver a cultura do jogo responsável.”
As chances de ganhar (e de perder)
Rodrigo Sehnem, gerente de TI, criou um sistema com cálculos estatísticos e técnicas de aprendizado de máquina para a previsão de resultados de partidas de futebol. O algoritmo foi tema do trabalho de conclusão de curso (TCC) da graduação dele em Ciência da Computação.
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A monografia chamada “Análise de Variáveis em Partidas de Futebol” foi publicada em 2021 e pode ser consultada no site da instituição. Com o histórico de 2010 a 2017 do Campeonato Brasileiro de Futebol, o programa calculou as chances de vitória, empate ou derrota de cada time nos jogos de 2018 a 2019. No final, o programa reportou um índice de 53% de acerto nas previsões, considerado satisfatório pelo analista no trabalho.
Contudo, a amostra revela também a necessidade de utilização de um arcabouço de informações quantitativas para se ter ganhos consistentes, pelo menos nas apostas “punter”, em que se coloca dinheiro na vitória ou empate antes do jogo.
“Usei várias variáveis e fiz testes para saber qual conjunto entregava uma porcentagem maior de acertos”, afirma Sehnem. “Pelos meus cálculos, se tivesse apostado R$ 10 em cada jogo, teria tido um lucro de R$ 150 com o programa.”
Além disso, o mecanismo de recompensa das “bets” está intimamente ligado a chances menores de o jogador acertar o palpite. Nas apostas esportivas existem os “odds”, cotações de cada jogo com base em probabilidades. Na última quinta-feira (22), por exemplo, era possível apostar no jogo entre Cruzeiro e Vasco da Gama na Série B do brasileirão pela SupraBets.
Para quem acreditava na vitória do Cruzeiro, o “odd “era de 1.61. Isso significa que se um jogador colocasse R$ 100 em um triunfo do time mineiro, e esse cenário se concretizasse, o apostador teria de volta R$ 161 (R$ 100 vezes 1.61). Isto porque a chance de o Cruzeiro vencer, calculada pela casa de apostas, é de 62,1% (100 dividido por 1.61).
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Na outra ponta, a vitória do Vasco da Gama tinha um odd de 7.3 – quem apostou R$ 100 no time carioca levaria R$ 730 em caso de vitória, cujas chances de ocorrer são bem menores, de 13,6% (100 dividido por 7.3). Em tese, quanto maior a chance de o palpite estar errado (risco), maior a possibilidade de ganho oferecido pelas casas. Se você perde, os sites ficam com o dinheiro.
Já na segunda modalidade de aposta, cujos apostadores negociam durante a partida, é possível lucrar, mas é necessário ter dedicação e muito estudo. “Tenho amigos que trabalham com isso. Sigo influenciadores sérios e acredito que realmente é algo lucrativo, mas eles têm banca (dinheiro em caixa), se focam em determinados tipos de apostas”, afirma Sehnem.
Ricardo Rocha se dedica exclusivamente às apostas esportivas há pelo menos 1 ano. A mudança de chave, de engenharia para o mundo das apostas, aconteceu quando ele teve que se mudar de Porto Alegre (RS) para o interior do estado e não conseguiu se recolocar profissionalmente.
“Minha esposa teve que mudar para o interior do Rio Grande do Sul a trabalho, e eu fui junto, mas não consegui voltar para o meu ramo na engenharia, que é metal mecânico”, diz Rocha. “Eu tive oportunidades de entrar em outras áreas, como agronegócio e energia solar, mas no meio das possibilidades eu me identifiquei mais com as apostas.”
A modalidade escolhida por Rocha foi o “trading” – ou seja, as negociações feitas por ele ocorrem ao vivo, nas conhecidas “bolsas esportivas”, como a Betfair Exchange.
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O principal mercado de atuação do engenheiro é o futebol, no segmento de gols e escanteios. Isto é, ele indica a quantidade de vezes que esses eventos devem ocorrer ao longo das partidas. Atualmente, Rocha consegue, em média, um renda mensal de 1 salário mínimo somente com essa modalidade de negociação.
“No geral, os apostadores que conseguem tirar uma renda acima de 2 salários mínimos têm cerca de quatro anos de experiência nesse ramo”, afirma.
A rotina é puxada, já que é necessário acompanhar de perto o desenrolar dos campeonatos no Brasil e no exterior, assim como as apostas disponíveis nas “bolsas”. Rocha afirma que seu expediente se inicia por volta das 8h e acaba somente após 0h. O ritmo é intensificado aos finais de semana, períodos em que a demanda por apostas em jogos de futebol aumenta.
“O meu envolvimento é diário. Claro que no meio disso tudo tenho minhas atividades, cuido do meu filho, faço atividade física, mas meu envolvimento com as apostas é em período integral”, diz Rocha. “Eu faço as apostas com base estatística. Tenho um robô que analisa dados das partidas em tempo real (chutes a gol, escanteios, número de ataques perigosos e etc), e fundamentado nisso, decido apostar ou não.”
O engenheiro não teme o vício nas aportas esportivas e se diz apaixonado pelo mercado de apostas. “Tem que gostar, porque você demora para enxergar, de fato, os ganhos. Principalmente na fase de aprendizagem”, diz Rocha.
Jogos de azar?
Fora as apostas em resultados de jogos, algumas dessas companhias, como o Blaze Apostas, contam com a opção de cassino on-line. Foi para essa empresa que a influenciadora Viih Tube realizou uma publicidade polêmica em março deste ano.
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Em um vídeo, ela simula a realização de apostas no celular e chama os seguidores para participarem de um grupo de dicas no aplicativo de mensagens Telegram. Contudo, os internautas perceberam que se tratava de uma edição e que a ex-BBB não estava jogando ao vivo.
“Se você quer mudar de vida, começar 2022 com o pé direito, ganhar uma graninha jogando, receber as dicas, é a última chance de entrar no grupo do Telegram”, disse Viih Tube, que soma mais de 20 milhões de seguidores no Instagram. “Se você quer ganhar R$ 30, R$ 40, R$ 50 até R$ 100 com dois cliques como eu estou ganhando, é fácil.”
Após questionamentos dos seguidores, a influenciadora decidiu se manifestar. Desta vez, mencionou os riscos relacionados ao ‘joguinho’.
“Você pode ganhar e você pode perder, essa é a verdade. Por exemplo, eu já joguei, já perdi dinheiro real jogando, foi uma tragédia. Como já consegui ganhar também”, disse ela, em story publicado na semana passada.
Se as chances de ganhar nas aposta esportivas são limitadas, mesmo estas não dependendo exclusivamente da sorte, as probabilidades de ganho recorrente em jogos que dependem somente de fatores aleatórios são ainda menores.
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Vale lembrar que as apostas esportivas saíram da total ilegalidade em dezembro de 2018, quando o então presidente Michel Temer sancionou a Lei 13.756/2018, que permitiu o funcionamento no Brasil. Contudo, a modalidade continua em uma espécie de limbo jurídico, pois carece de regulamentação específica. É por esse motivo que a sede dessas companhias costuma ser no exterior.
A falta de regulação só prejudica os jogadores e o próprio País, que deixa de arrecadar impostos em cima das jogatinas, como ocorre com a loteria federal. Essa é a opinião dos advogados Bernardo Freire, sócio de Wald, Antunes, Vita e Blattner Advogados, especializado em direito societário, e Marcello Vieira de Mello, sócio fundador do GVM Advogados.
“A regulamentação cria regras específicas de funcionamento dos sites, como compliance, discussão de temas e limitações de publicidade”, diz Freire. “ Hoje, as empresas interpretam a forma de recolher os impostos como querem. Com a regulamentação, vai ter uma determinação de como recolher impostos e para onde será destinado.”
Mello, do GVM Advogados, explica que se um apostador tem algum tipo de dificuldade em receber o prêmio, é muito mais difícil reivindicar o dinheiro por vias legais. “É uma luta, porque a empresa está no exterior”, diz. A regulamentação permitiria que essas companhias abrissem escritórios no Brasil, o que traria vagas de emprego e encurtaria a distância entre as “bets” e os consumidores.
O galera.bet, por exemplo, surgiu de uma sociedade com a Playtech, empresa que tem capital aberto na Bolsa de Londres. A operação da casa fica em Chipre, Israel, Gibraltar e Bulgária, apesar de ser uma companhia criada para o público brasileiro.
Por aqui, existem 742 queixas de usuários a respeito do galera.bet no site Reclame Aqui, nenhuma delas respondida. As reclamações incluem divergência de valores, dificuldade de estornar valor pago, propaganda enganosa e suspensão de conta.
De acordo com Rosada, a empresa não responde os clientes pelo Reclame Aqui por uma questão burocrática. “Até há alguns dias, o site não permitia que uma empresa estrangeira se registrasse e tivesse uma página oficial. Não conseguimos, então, responder oficialmente às dúvidas dentro do Reclame Aqui, para ajudar essas pessoas também”, afirma.
No Brasil, a Atento é a companhia responsável pelo atendimento da galera.bet. “Estamos conversando com eles (Reclame Aqui) através da Atento para resolver esse problema e colocar o Reclame Aqui embaixo da Atento para responder as dúvidas”, diz Rosada. “Estamos em via de integrar o Reclame Aqui, mas mesmo não respondendo, monitoramos os questionamentos por lá.”
Caso uma regulamentação seja aprovada no Brasil, Rosada afirma que a casa abriria, com certeza, uma sede brasileira. O executivo destaca também o crescimento exponencial do site nos últimos meses, que tem como sua maior fonte de receita o saldo perdido pelos jogadores.
“Começamos a operação, de fato, em janeiro. E já estamos com uma base de 2 milhões de usuários. Crescimento estratosférico, que poucas operações conseguiram”, diz Rosada.
ESG no mercado de apostas
E quando se fala em ESG (boas práticas ambientais, sociais e de governança), um dos principais gargalos do mercado de apostas é o vício. Não são raros casos de jogadores que se tornaram compulsivos, não só por apostas, mas por todo tipo de ‘jogo de azar’.
Nesse aspecto, o CMO deixa claro as ferramentas usadas para minimizar os potenciais danos. Na galera.bet existe um sistema que identifica se um usuário está tendo um comportamento considerado nocivo. Ou seja, que gerou indícios de jogo compulsivo.
“Impomos limites, entramos em contato e avisamos do comportamento agressivo”, afirma Rosada. Caso desrespeitados os alertas, em última instância o jogador é bloqueado da plataforma e o dinheiro devolvido. “Em caso de regulamentação, poderão ter clínicas especializadas e psicólogos para onde poderíamos direcionar. Como isso não está determinado, o brasileiro não tem acesso a esse tipo de serviço.”
No final, a mensagem é clara: apostas esportivas não são ilegais. Apostar pode ser, sim, um momento de lazer. Entretanto, deve-se estar ciente de que todo resultado é possível, principalmente a perda do dinheiro investido.