- Maior empresa privada do País e queridinha dos investidores brasileiros, a Vale (VALE3) está no meio de um furacão
- Entre discussões sobre troca no comando da companhia, incertezas quanto ao preço do minério de ferro e o surgimento de novas dívidas judiciais, o mercado aguarda o balanço do quarto trimestre de 2023 da mineradora com certo receio
- Analistas explicam os três principais pontos pressionando as ações; e como eles podem piorar ou ajudar a situação da companhia daqui para frente
A maior empresa privada do Brasil e queridinha dos investidores brasileiros está no meio de um furacão. Entre discussões sobre troca no comando da companhia, incertezas quanto ao preço do minério de ferro e o surgimento de novas dívidas judiciais, a Vale (VALE3) vê o mercado aguardar seu balanço do quarto trimestre de 2023, a ser divulgado nesta quinta-feira (22), com certo receio.
- Veja também: Vale divulga resultados nesta semana. O que esperar?
Até o fechamento da quarta-feira (21), as ações acumulavam uma queda de 13,85% em 2024, cotadas a R$ 66,51. O desempenho fraco dá continuidade às perdas já registradas no ano passado, quando a mineradora teve sua primeira queda anual em 8 anos.
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Para Renato Chanes, analista da Ágora Investimentos, parte das quedas da mineradora na Bolsa reflete a falta de um “comprador marginal” das ações em um início de ano negativo para o próprio Ibovespa e boa parte das empresas brasileiras. “O mercado não está pagando o benefício da dúvida. O estrangeiro não está olhando para o papel, o local está fora de Bolsa. Está faltando investidor”, explica.
Isso fica especialmente mais negativo para a Vale em meio a um turbilhão de notícias. Nos últimos dias, investidores acompanharam o desenrolar de novos fatos envolvendo o fim do mandato do atual CEO da mineradora e um possível provisionamento para as despesas envolvendo a Samarco. Tudo isso em um ambiente ainda incerto na China, a maior compradora de minério do mundo e peça fundamental para bons resultados da mineradora.
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Agora, o mercado tenta entender qual é o melhor e o pior cenário para a companhia. “De fato, o papel está travado por conta desses três pontos”, diz Ilan Arbetman, analista da Ativa Investimentos. “O melhor cenário para a Vale seria a resolução do provisionamento de forma pequena e rápida, a resolução da questão de sucessão sem uma ruptura e o reaquecimento da economia chinesa.”
Os três pontos de interrogação sobre a Vale
A queda das ações da Vale reflete as incertezas que rondam a companhia em 2024. Explicamos os principais pontos de interrogação do mercado em relação à mineradora:
Troca de CEO
O mandato do atual CEO da Vale, Eduardo Bartolomeo, encerra no dia 26 de maio. Até lá, os membros do Conselho de Administração da mineradora devem decidir quem será o próximo executivo a comandar a companhia; uma discussão que, desde que foi iniciada, vem trazendo volatilidade para o papel na Bolsa.
Pelas regras da companhia, o Conselho de Administração deve priorizar candidatos que tenham as qualificações e atributos necessários para a posição, definidos internamente. Mas há no mercado um receio de que o governo federal possa intervir nessa escolha.
Em meados de janeiro, esta reportagem do Estadão mostrou que havia conversas em Brasília para tentar renovar Bartolomeo para mais um ano no cargo e emplacar o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega para um posto no Conselho de Administração da mineradora. Como mostramos aqui, os boatos desagradaram o mercado.
A indicação de qualquer nome próximo ao governo é tida como o pior cenário para a Vale. “Isso já pesou bastante no papel, mesmo com o Mantega fora da disputa. Qualquer nome nesse sentido pesaria”, diz Arbertman, da Ativa.
Enquanto o Conselho de Administração não define quem deve comandar a mineradora pelos próximos anos, ou se renova o mandato do atual CEO até 2025, essa discussão ainda deve pressionar a ação VALE3. Independente do nome indicado, pesa sobre o papel a chance de uma ruptura ou mudança brusca na condução da companhia.
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Para o BTG Pactual, o risco de interferência do governo no processo de escolha do CEO já ficou para trás, o que evita um “risco de cauda”. O receio do banco, no entanto, está relacionado a uma suposta divisão entre os membros do Conselho da companhia. O último encontro para deliberar sobre o tema acabou sem uma resolução e circularam notícias de que o grupo estaria “rachado”.
“Isso sugere um cenário mais desafiador para a coesão e o consenso sobre tópicos relevantes. Idealmente, um maior consenso no Conselho seria mais seguro para a Vale, o que não parece ser o caso”, destacam os analistas Leonardo Correa e Caio Greiner em relatório.
O Conselho de Administração tem até o fim do mandato de Bartolomeo, em maio, para tomar uma decisão oficial.
Provisionamento para Mariana-MG
A Vale ainda enfrenta diversos processos judiciais, no País e no exterior, relacionados a indenizações pelos danos ambientais e humanos causados nos dois episódios de rompimento de barragem de rejeitos da companhia em Minas Gerais, de Mariana em 2015 e Brumadinho, em 2019.
Analistas se preocupam especialmente em relação ao provisionamento – a reserva de recursos financeiros para garantir que gastos previstos sejam honrados no futuro – relacionado a Mariana. No caso de Brumadinho, a companhia entrou em acordo com o Ministério Público; ainda que os dados não sejam públicos, espera-se que não haja nenhuma novidade ou gasto adicional. “No caso de Mariana, como não foi fechado nenhum acordo, é um valor que pode ficar crescendo à medida que novos processos surgem. E foi o que aconteceu na semana passada”, diz Renato Chanes, da Ágora.
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No último dia 15, a mineradora anglo-australiana BHP divulgou que vai aumentar o provisionamento relacionado ao desastre ambiental em Mariana em mais US$ 3,2 bilhões – assim como a Vale, a companhia detém 50% da Samarco, responsável pela barragem na cidade de Minas Gerais. A expectativa é que a mineradora brasileira faça o mesmo, como destacaram Daniel Sasson, Edgard de Souza, Marcelo Palhares e Barbara Soares, do Itaú BBA em relatório.
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“Pelos nossos cálculos, a Vale precisaria fazer um investimento adicional entre US$ 3,5 bi a US$ 3,6 bi em provisões para corresponder aos US$ 6,5 bilhões que a BHP reportou em 2023. Essas potenciais provisões adicionais representam aproximadamente 6% do valor de mercado da companhia e, portanto, são significativas do ponto de vista da avaliação.”
O pior cenário para a companhia, no entanto, exigiria um valor bastante superior em provisionamentos. Não é o cenário-base do mercado, mas precisa ficar no radar. Existe um processo coletivo na Justiça de Londres, na Inglaterra, que pede uma reparação de US$ 44 bilhões; algo perto da casa de R$ 230 bilhões.
“É um valor muito forte”, ressalta Ilan Arbetman, da Ativa. O analista traça um cálculo rápido: se condenada nesse processo, a Vale seria responsável por 50% do valor, de R$ 115 bilhões. Atualmente, a companhia tem um provisionamento de US$ 3 bi, cerca de R$ 15 bi. “Nesse caso, faltariam R$ 100 bilhões de provisionamento. É um valor muito forte, pensando que hoje o market cap (valor da empresa com base na somatória de todas as ações da companhia a preço atual)
da Vale está perto de R$ 300 bilhões.”
A Vale ainda não se manifestou se vai seguir os passos de BHP e aumentar o valor de provisionamento relacionado à Samarco, mas há a expectativa de que isso possa aparecer no balanço quarto trimestre de 2023 da companhia, a ser divulgado nesta quinta-feira (22).
Incerteza na economia da China
Que o ritmo fraco da economia na China acendeu um alerta amarelo no mercado não é novidade. Isso vem pesando sobre os preços das commodities metálicas e foi um dos motivos por trás da queda da VALE3 em 2023 e neste início de ano.
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Para além dos estímulos à economia por parte do governo chinês, que vem acontecendo, o que está sendo observado agora são os resultados disso na atividade econômica. Os incentivos serão suficientes para aquecer a demanda por aço e minério no gigante asiático? A possibilidade ainda é vista com ceticismo no mercado.
Nesta terça-feira (20), o Banco do Povo (PBoC, em inglês) cortou a taxa de juros de referência em 0,25 ponto porcentual, um esforço para reanimar o mercado imobiliário na China. “É o primeiro passo em prol de uma melhora, mas existe um grande ceticismo, porque ainda é um esforço pequeno”, diz Renato Chanes, da Ágora.
Minério de ferro em alta vai sustentar a VALE3?
Ainda que as incertezas e o ceticismo em relação à China permaneçam, o preço do minério de ferro segue elevado. Nesta quarta-feira (21), a tonelada da commodity era negociada na casa de US$ 127, um patamar de preço que foi destaque em relatório do BTG Pactual. “Quem imaginaria que o minério de ferro estaria sobrevivendo ao colapso do mercado imobiliário chinês?”, diz o documento.
As ações da Vale, no entanto, permanecem nas mínimas, fazendo a empresa perder seu lugar entre as mineradoras mais valiosas do mercado global. Essa diferença entre o preço da commodity ainda alto e o desconto nos papéis da companhia levou a XP Investimentos a elevar a sua recomendação de VALE3 para compra. Leia mais detalhes aqui.
Em relatório, os analistas Lucas Laghi, Guilherme Nippes e Fernanda Urbano destacam que o atual valuation (valor) da ação parece precificar um minério na casa de US$ 96 a tonelada – bem abaixo dos preços atuais. “Como acreditamos que o minério de ferro deve permanecer em patamares elevados ao longo de 2024, vemos uma assimetria positiva para as ações da Vale e consideramos os níveis atuais um bom ponto de entrada para as ações”, diz o documento.
O desconto do papel em termos de EV/EBITDA, um indicador que relaciona o valor da companhia (EV) e o seu Ebitda (geração de caixa), também chama a atenção dos analistas: 4,2 vezes, abaixo da média histórica de 5 vezes. “Os múltiplos proporcionam uma margem de segurança caso as expectativas de níveis mais baixos de minério de ferro no médio prazo se materializem”, destaca a XP, que tem preço-alvo de R$ 82,00 para VALE3.
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A Ágora Investimentos também mantém a recomendação de compra para a VALE3, com preço-alvo de R$ 92,00. Para Chanes, o desconto do papel em relação ao preço do minério ilustra o “certo exagero” do mercado para com a empresa. Ainda assim, destaca, o cenário de curto prazo não é o mais inspirador para investir em um ativo cíclico.
“Nos parece que no curto prazo falta um gatilho, de fato, mas isso não pode tirar o fato de que o papel está muito barato. No pior dos cenários, se o minério de ferro voltar para os US$ 110/t, ainda estaríamos falando de um lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda) perto de US$ 17 bilhões, um dividend yield (rendimento de dividendos) na casa de 7,5%”, diz o analista. “Me parece uma assimetria que continua sendo positiva.”
A visão de que o minério elevado pode sustentar os bons resultados na Vale mesmo diante das incertezas não é unanimidade. Na Ativa, a preferência é por cautela até que ao menos um dos três fatores principais que pressionam as ações – CEO, Mariana ou China – sejam solucionados. A casa tem recomendação neutra para VALE3, com preço-alvo de R$ 84,00. “Estamos falando de três incertezas fortes. À medida que for tendo uma visualização com mais profundidade do cenário, isso vai se transferir para a nossa planilha”, diz Arbetman, analista da Ativa.