- A lei brasileira entende que a herança legítima deve ser destinada aos herdeiros necessários (descendentes, ascendentes e cônjuges)
- Os herdeiros são os filhos, netos, bisnetos; pai, mãe, avô, avó; marido, esposa ou companheiro(a)
- Para responder as dúvidas mais comuns, consultamos uma advogada especialista em direito de família e sucessões
É possível que herança e sucessões estejam entre os temas jurídicos que mais despertam o interesse dos cidadãos brasileiros. De tempos em tempos, elas ressurgem entre os termos mais pesquisados nas ferramentas de busca da internet. Mas com as dúvidas recorrentes se espalham imprecisões e até desinformação.
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Talvez os gêneros ficcionais estadunidenses e europeus sejam responsáveis por parte do imaginário criado. O fato é que ‘deserdar os filhos ingratos’ ou ‘colocar a herança no nome do cachorro’ são atitudes mais comuns em filmes e obras literárias do que na prática jurídica prevista na Constituição brasileira.
A começar pelo que se define como herdeiro. A lei brasileira entende que a herança legítima deve ser destinada aos herdeiros necessários (descendentes, ascendentes e cônjuges). Estes são os filhos, netos, bisnetos; pai, mãe, avô, avó; marido, esposa ou companheiro(a).
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Existe também uma previsão legal da parcela reservada aos herdeiros necessários: 50% do patrimônio do falecido. A outra metade da herança, denominada ‘disponível’, pode ser destinada a outros familiares, amigos ou pessoas jurídicas, desde que a vontade do proprietário esteja expressa em testamento.
Ainda pelos artigos 1.798 e 1.799 do Código Civil, animais de estimação não possuem competência hereditária, impedindo que brasileiros repitam o feito de celebridades como o apresentador britânico Paul O’Grady, falecido em março do ano passado. Conhecido por sua personagem drag Lily Savage, O’Grady deixou uma fortuna estimada em R$ 800 mil para seus cinco cachorros.
Para responder as dúvidas mais comuns, a reportagem do E-Investidor consultou a advogada Samantha Teresa Bernard Jorge, especialista em direito de família e sucessões.
A esposa tem direito à herança dos pais de seu marido?
Talvez essa seja uma das principais dúvidas. E a resposta é: depende. “Caso o marido venha a falecer antes de seus pais, a esposa, agora viúva, não será herdeira de seus sogros”, ensina Samantha Jorge. Mas os cenários sempre podem ser mais complicados quando o assunto é família e sucessões — algo reconhecido até entre advogados e operadores do direito.
Na hipótese do casal possuir filhos, estes últimos herdarão aquilo que foi deixado pelo pai falecido e, no futuro, a parte do patrimônio de seus avós, que seria do pai por direito. Não havendo filhos do casal, a herança fica para os irmãos do falecido — de modo que a esposa ou companheira dele não herdaria nada.
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Mas ainda existe outra hipótese: se o marido receber a herança de seus pais, a esposa ou companheira dele terá direito ao patrimônio herdado, no caso de o marido falecer antes dela. Assim, dá para notar que, para o direito, a ordem dos fatores altera o resultado.
Filhos têm direito à herança do pai vivo?
O contrato de herança entre pessoas físicas vivas é expressamente vedado pela legislação civil do País. A prática, vale pontuar, recebe o nome de ‘pacta corvina’ (do latim, pacto do corvo). A denominação faz alusão ao pássaro que espera a morte da vítima para que possa se beneficiar dos restos deixados.
A advogada de família e sucessões ainda lembra que o dono do patrimônio tem a prerrogativa de usar bens, direitos e dinheiro da forma como preferir em vida. “Os herdeiros possuem uma mera expectativa ao direito de herança”, ressalta ela. De modo que o direito ao espólio só é reconhecido aos herdeiros, do ponto de vista jurídico, após a morte do titular ou proprietário.
Quem tem direito à herança dos avós?
Os netos passam a ter direito ao patrimônio deixado por seus avós somente no caso em que os pais já faleceram. Se essa for a realidade, os netos herdarão a parte que caberia aos pais, por meio de representação dos mesmos. Do contrário, os pais são os sucessores mais próximos na ‘fila’ hereditária.
Ainda assim, é possível que os avós deixem algum patrimônio para seus netos, desde que o espólio esteja expresso em testamento — e observados aqueles limites legais dos herdeiros necessários, mencionados no início desta reportagem.
O regime de bens do casal impacta na herança a receber de pais e sogros?
O casamento é um contrato entre partes, do ponto de vista jurídico. Ao selar esse pacto, os envolvidos devem escolher como os bens serão partilhados por eles. É daí que surgem os nomes comunhão universal, comunhão parcial e separação total de bens.
O regime de bens escolhido pelo casal em nada impacta o recebimento de uma herança. O filho ou filha, casado(a) sob qualquer das condições (incluso união estável), tem direito a herdar sua parte dos bens quando seus pais vierem a falecer.
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Mas uma vez que a herança integre o patrimônio do casal, o tipo de contrato do casamento (chamado regime de bens) passa a influenciar no direito de propriedade do marido e da esposa. “Se casados pelo regime da comunhão universal de bens, a herança será classificada como patrimônio comum do casal”, explica Jorge.
Pessoas que apenas moram juntas, sem formalização da união, perdem o direito à herança do companheiro (a)?
Essa dúvida é a única que resta em aberto, entre todas as levantadas pela reportagem do E-Investidor. Isso porque ainda existe disputa jurídica, envolta em controvérsias. “Com a declaração de inconstitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil, pelo STF, iniciou-se a discussão entre juristas se o artigo 1.845 também seria aplicável aos companheiros”, explica a advogada.
O dispositivo legal em questão, revisto pelo Supremo Tribunal Federal, tratava dos direitos sucessórios dos companheiros — casais que vivem juntos sem a formalização civil da união. Aadvogada destaca que há doutrinadores que entendem o casamento e a união estável como institutos distintos. Estes sustentam que não é possível equiparar os efeitos de um ao outro. “Em contrapartida, há parcela da doutrina que entende que os companheiros devem ser incluídos no rol de herdeiros necessários”, ressalta.
O resultado do embate entre juristas, no campo das ideias, tem impacto na vida real de casais. Há casos julgados em que companheiros (as) foram afastados da partilha dos bens “por não terem sido reconhecidos como herdeiros necessários pelo STF”, aponta Samantha Jorge. Também há julgamentos que vão pela via contrária.
Diante da insegurança jurídica imposta pela disputa, regularizar situações de união estável e fazer um planejamento patrimonial e sucessório são medidas recomendadas por especialistas do campo do direito e das finanças. Isso pode evitar anos de litígio e discussões na Justiça.
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