Criptomoedas

Aplicativos de relacionamentos viram alvo de golpes com criptomoeda

Criminoso se oferece para mostrar à vítima como investir seu dinheiro de um jeito que lhe renda lucro fácil

Aplicativos de relacionamentos viram alvo de golpes com criptomoeda
Cerca de 56 mil golpes amorosos, com um total de US$ 139 milhões em perdas, foram relatados em 2021 (Foto: Envato)
  • Golpes amorosos – o termo para golpes online que envolvem fingir interesse romântico para ganhar a confiança da vítima – aumentaram na pandemia. Assim como os preços das criptomoedas
  • Cerca de 56 mil golpes amorosos, com um total de US$ 139 milhões em perdas, foram relatados à Comissão Federal de Comércio em 2021
  • O golpista bombardeia a vítima com mensagens sedutoras até tornar as criptomoedas o tema da conversa

Kevin Roose, The New York Times – O homem que Vu conheceu pelo aplicativo de relacionamentos Hinge parecia ser tudo que ela sonhara.

Ele era um jovem e atraente arquiteto da China, atualmente em Maryland para realizar um trabalho de longo prazo. Eles nunca tinham se encontrado pessoalmente – ele ainda estava esperando para receber sua dose de reforço contra a covid-19, dizia –, mas conversavam por mensagens há meses e ela estava muito interessada nele.

Ele a chamava de “meu amorzinho” e dizia que estava planejando levá-la à China para conhecer sua família quando a pandemia acabasse.

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Então, quando o homem, que dizia se chamar Ze Zhao, disse a Vu que trabalha no atendimento ao cliente de uma empresa de segurança, que ele poderia ajudá-la a ganhar dinheiro negociando Bitcoin e outras criptomoedas, ela ficou desconfiada.

“Eu ouvia muito a respeito de criptomoedas no noticiário”, disse ela. “Sou uma pessoa curiosa e ele de fato conhecia muito bem todo o processo de negociação.”

Mas o homem não estava tentando ajudar Vu a investir o dinheiro dela. Na verdade, segundo Vu, ele estava armando uma cilada para ela com um tipo de golpe financeiro cada vez mais popular, que combina a velha sedução do romance com a mais nova tentação de enriquecer da noite para o dia com criptomoedas.

Em poucas semanas, Vu, 33 anos, enviou mais de US$ 300 mil em Bitcoin, praticamente tudo que havia economizado durante a vida, para um endereço que Zhao disse estar conectado a uma conta na exchange de criptomoedas de Hong Kong, a OSL. O site parecia ser confiável, oferecia suporte ao cliente on-line 24 horas por dia, 7 dias por semana e até tinha sido atualizado para mostrar as alterações no saldo de Vu conforme o preço do Bitcoin subia e descia.

Zhao – cujo nome verdadeiro não pôde ser verificado – prometeu a ela que seus investimentos em criptomoedas os ajudariam a se casar e começar uma vida juntos.

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“Podemos ganhar mais dinheiro quando a OSL estiver em alta e viajar em nossa lua de mel”, disse ele, de acordo com uma captura de tela de suas mensagens que Vu compartilhou comigo.

Mas não houve lua de mel e nenhum lucro inesperado com as criptomoedas. Em vez de ir para uma conta de exchange, o dinheiro de Vu foi para a carteira digital do golpista e ele desapareceu.

Agora, ela está lutando para entender o que aconteceu.

“Pensava que o conhecia”, disse ela. “Tudo era uma mentira.”

Golpes amorosos – o termo para golpes on-line que envolvem fingir interesse romântico para ganhar a confiança da vítima – aumentaram na pandemia. Assim como os preços das criptomoedas. Isso tornou-as uma porta de entrada vantajosa para os criminosos que estão de olho nas economias de suas vítimas.

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Cerca de 56 mil golpes amorosos, com um total de US$ 139 milhões em perdas, foram relatados à Comissão Federal de Comércio (FTC, na sigla em inglês) em 2021, de acordo com dados da agência. Isso é quase o dobro das denúncias que a agência recebeu em 2020. Em um comunicado no outono passado, o escritório do FBI no Oregon alertou que os golpes amorosos envolvendo criptomoedas estavam surgindo como uma séria categoria de crime cibernético, com mais de 1.800 casos informados nos primeiros sete meses deste ano.

Especialistas acreditam que esse tipo de golpe em particular teve origem na China antes de se chegar até os EUA e a Europa. O nome dele em chinês pode ser traduzido como algo equivalente a “abate de porcos” – uma referência à maneira como as vítimas são “engordadas” com bajulação e sedução antes do golpe ser concluído.

Jan Santiago, vice-diretor da Global Anti-Scam Organization, uma organização sem fins lucrativos que representa vítimas de golpes on-line envolvendo criptomoedas, disse que, ao contrário dos golpes amorosos típicos – que geralmente escolhem adultos mais velhos e menos experientes em tecnologia como alvo – esses golpistas parecem estar de olho em mulheres mais jovens e com maior nível de escolaridade em aplicativos de relacionamento como Tinder, Bumble e Hinge.

“Em sua maioria, são os millennials que estão sendo enganados”, disse Santiago.

Jane Lee, pesquisadora da empresa de prevenção de fraudes online Sift, começou a analisar golpes amorosos envolvendo criptomoedas no ano passado. Ela se inscreveu em vários aplicativos famosos de relacionamento e rapidamente encontrou homens que tentaram oferecer conselhos a respeito de investimentos.

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“As pessoas estão se sentindo sozinhas por conta da pandemia e as criptomoedas estão super em alta agora”, disse ela. “A combinação desses dois fatores realmente faz com que esse seja um golpe bem-sucedido.”

Jane, cuja empresa presta serviços para vários aplicativos de relacionamentos a fim de evitar esses golpes, disse que os golpistas geralmente tentavam levar a conversa do aplicativo de relacionamento para o WhatsApp – onde as mensagens são criptografadas e mais difíceis de serem rastreadas por empresas ou pelos órgãos responsáveis.

A partir daí, o golpista bombardeia a vítima com mensagens sedutoras até tornar as criptomoedas o tema da conversa. O golpista, que se passa por um trader de moedas digitais bem-sucedido, se oferece para mostrar à vítima como investir seu dinheiro de um jeito que lhe renda lucros de maneira fácil e correndo poucos riscos.

Então, disse Jane, o golpista ajuda a vítima a comprar criptomoedas em um site confiável, como o Coinbase ou o Crypto.com, e dá instruções para a vítima transferir as moedas digitais para uma exchange falsa de criptomoedas. O dinheiro da vítima aparece no site da exchange e ela começa a “investi-lo” em vários ativos de criptomoedas, sob a orientação do golpista, até que ele finalmente some com o dinheiro.

O que torna esse golpe em particular tão traiçoeiro é como ele é mais elaborado do que aquele do príncipe nigeriano de tempos passados. Algumas vítimas descreveram terem sido direcionadas para sites cuja aparência realmente dava a impressão de serem confiáveis com gráficos e tickers mostrando os preços de vários ativos de criptomoedas. Os nomes e endereços das exchanges falsas são alterados com frequência, e as vítimas costumam conseguir sacar pequenas quantias de dinheiro no início, o que as faz ficar confortáveis para depositar quantias maiores depois.

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“Esse tipo de golpe é bastante trabalhoso e demorado”, disse Santiago, da Global Anti-Scam Organization. “Eles são muito meticulosos em sua engenharia social.”

Segundo os especialistas, as criptomoedas são particularmente vantajosas para os golpistas devido à relativa privacidade que oferecem. As transações em Bitcoin são visíveis para o público, mas como as carteiras digitais podem ser criadas anonimamente, criminosos podem esconder para onde o dinheiro foi usando técnicas avançadas. E como não há banco central ou seguro de depósito para ajudar as vítimas, o dinheiro roubado geralmente não pode ser recuperado.

Niki Hutchinson, produtora de mídias sociais, 24 anos, do Tennessee, foi vítima de um golpe amoroso envolvendo criptomoedas no ano passado. Ela estava visitando um amigo na Califórnia quando encontrou no Hinge um homem chamado Hao, que disse morar perto dali e trabalhar em uma loja de roupas.

Eles continuaram conversando por mensagens de texto via WhatsApp por mais de um mês depois que ela voltou para casa. Niki disse a Hao que foi adotada na China; ele respondeu dizendo que também era chinês e que era da mesma província da família biológica dela. Ele começou a chamá-la de “irmã” e brincava dizendo que era seu irmão há muito tempo perdido. (Eles conversaram por vídeo uma vez, ela disse – mas Hao mostrou apenas parte do rosto e desligou rapidamente.)

“Achei que ele fosse tímido”, disse ela.

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Niki tinha acabado de herdar quase US$ 300 mil da venda da casa onde passou a infância, depois da morte da mãe. Hao sugeriu que ela investisse esse dinheiro em criptomoedas.

“Quero ensinar você a investir em criptomoedas quando estiver livre, trazer algumas mudanças para sua vida e uma renda extra”, ele escreveu em uma mensagem para ela, de acordo com uma captura de tela da conversa entre eles.

Ela acabou concordando e enviou uma pequena quantia em criptomoedas para o endereço da carteira que ele deu a ela, a  qual, segundo ele, estava conectada a uma conta em uma exchange de criptomoedas chamada ICAC. Então – quando o dinheiro apareceu no site da ICAC –, ela enviou mais.

Niki não conseguia acreditar como tinha sido fácil ganhar dinheiro, apenas seguindo os conselhos de Hao. Depois de investir tudo que tinha, ela pegou um empréstimo e continuou investindo mais.

Em dezembro, Niki começou a ficar desconfiada depois de tentar sacar dinheiro de sua conta. A transação não foi concluída e um funcionário do atendimento ao consumidor da ICAC disse a ela que sua conta seria congelada a não ser que ela pagasse centenas de milhares de dólares em impostos. Ela tentou entrar em contato com Hao, mas ele não respondeu.

“Eu fiquei tipo, ‘meu Deus, o que eu fiz?’”, ela disse. Agora, Niki está tentando dar um jeito em sua vida. Ela e o pai moram em seu trailer – um dos poucos bens que restaram – e ela está tentando encontrar o golpista junto com a polícia da Flórida.

Niki não tem esperança de conseguir seu dinheiro de volta, mas espera que outras pessoas sejam mais cautelosas com estranhos que prometem ajudá-las a investir em criptomoedas. “Você ouve falar de todas essas histórias de pessoas se tornando milionárias”, disse ela. “Parecia que a criptomoeda era a nova moda e eu precisava entrar nela.”// TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

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