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Criptomoedas

Plataforma cripto que apoia cineastas movimenta milhares de dólares

Usuários recebem para analisar roteiros e podem ganhar verbas dos fundadores do site para viabilizar projetos

Plataforma cripto que apoia cineastas movimenta milhares de dólares
A DCP foi fundada por vários executivos da American Zoetrope – empresa há muito tempo supervisionada pelo diretor de “O Poderoso Chefão”. Foto: REUTERS/Aude Guerrucci
O que este conteúdo fez por você?
  • A Decentralized, uma organização sem fins lucrativos que conta com o apoio da família Coppola, tem como objetivo usar sua moeda não oficial para incentivar e tornar conhecida uma nova geração de cineastas que, segundo eles, nunca seriam encontrados
  • Lançada em maio, a DCP atraiu cerca de dois mil usuários, segundo os executivos, e tem a meta de, em algum momento, chegar a dois milhões deles e chamar a atenção dos figurões da indústria cultural
  • A plataforma tem a própria criptomoeda, conhecida como FILM

(Washington Post – Steven Zeitchik) – Patrick Quinn vive com a esposa e a filha de quatro anos em uma iurta na região de West Cork, na Irlanda, bem distante dos centros de mídias globais onde um aspirante a roteirista poderia encontrar uma comunidade ou oportunidades.

Mas quase todas as noites, Quinn acessa o site da Decentralized Pictures, uma inusitada nova plataforma onde ele pode ganhar e gastar uma criptomoeda própria conhecida como FILM. Quinn está usando o sistema para receber feedback a respeito do projeto de filme que está escrevendo – uma comédia de humor ácido que se passa durante o período da Grande Fome na Irlanda –, fazer observações sobre o projeto de outros roteiristas e, até mesmo, ganhar verbas oferecidas pelos fundadores do site.

“Estou sentado aqui bem distante de tudo”, disse Quinn, 36 anos, direto de sua cabana de escritor em uma noite recente. “Então, conseguir encontrar um lugar onde as pessoas são incentivadas a dar feedback sobre o meu projeto realmente significa muito.”

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Quinn é prova de uma ideia apoiada com fervor pelos executivos da plataforma Decentralized e por outros defensores de que, ao contrário de um crescente ceticismo, as criptomoedas são mais do que um tipo de ativo mal regulamentado, com o qual as pessoas podem perder suas economias ou uma chance para celebridades ostentarem seus NFTs. Elas podem ter usos benéficos.

Eles dizem que as criptomoedas podem ser um modo de criar uma comunidade global que não se centra naqueles antigos grupinhos limitados de Hollywood – e, talvez, até mesmo ajudar o setor a encontrar o próximo “O Poderoso Chefão” ou “Pulp Fiction”.

A Decentralized, uma organização sem fins lucrativos que conta com o apoio da família Coppola, tem como objetivo usar sua moeda não oficial para incentivar e tornar conhecida uma nova geração de cineastas que, segundo eles, nunca seriam encontrados.

“A decisão quanto ao que é feito em Hollywood vem de grupos pequenos de pessoas”, disse Michael Musante, cofundador da Decentralized (DCP). “Queremos ampliar isso para que o processo seja democratizado, para que todas essas ideias possam ser testadas e desenvolvidas por novas pessoas que agora vão ter a chance de ganhar espaço.”

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A DCP foi fundada por vários executivos da American Zoetrope – empresa há muito tempo supervisionada pelo diretor de “O Poderoso Chefão”, Francis Ford Coppola –, entre eles o filho de Coppola, o produtor e diretor Roman Coppola e Musante, vice-presidente de produção e aquisições da Zoetrope.

Lançada em maio, a DCP atraiu cerca de dois mil usuários, segundo os executivos, e tem a meta de, em algum momento, chegar a dois milhões deles e chamar a atenção dos figurões da indústria cultural.

“Sei que há um certo cinismo quando as pessoas escutam a palavra ‘cripto’ – como assim isso tem utilidade e não é apenas uma coisa promovida de forma exagerada?”, disse Roman Coppola. “Mas valorizamos o engajamento inteligente de nossos usuários. E achamos que a participação deve render algo para eles, o que trará participantes mais inteligentes e construirá uma comunidade.”

No centro da DCP está uma espécie de feira de escambos em praça pública que os defensores da plataforma dizem que nunca poderia acontecer em um site sem criptomoedas, mesmo que alguns críticos questionem por que a atual web social não poderia alcançar muitos dos mesmos objetivos.

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A maioria das comunidades da indústria das artes na web atual – por exemplo, o grupo de escritores conhecidos como Book Twitter – funciona puramente segundo o interesse de seus participantes, que publicam pensamentos e recebem comentários quando surge o interesse. Um roteirista que deseja garantir um feedback mais regular para suas ideias pode se inscrever em um chamado laboratório – uma bolsa de pós-graduação organizada por uma instituição de alto nível como o Instituto Sundance. Porém, os laboratórios são disputados de forma tão intensa que acabam sendo inacessíveis para a maioria.

A Web3 oferece uma esperança diferente – que, ao gamificar e até mesmo financiar a noção de feedback, pode facilitar o funcionamento de uma comunidade robusta que está disponível para todos.

O sistema da Decentralized funciona da seguinte maneira: o site solicita projetos – curtas, roteiros, propostas – por um pequeno valor. Os usuários podem ganhar criptomoedas analisando esses projetos, assim como interagindo com o site de outras maneiras (emprestando seu poder computacional para validar transações, por exemplo).

Eles então podem usar as criptomoedas que ganharam para pagar e acessar os próprios projetos – nos quais outros podem, por sua vez, ganhar criptomoedas fazendo comentários.

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É um ecossistema que se autoperpetua – uma constante recirculação de trabalho e moeda que, se tudo correr conforme o planejado, dará aos criadores feedback e aos agentes e produtores, percepção de mercado.

“Pense em a partir de qual ponto do processo um cineasta ou um estúdio tem noção da opinião do público – praticamente só na exibição teste [depois que um filme está concluído]”, disse Leo Matchett, CEO da Decentralized. “E agora estamos dizendo que é possível saber como sua ideia de filme de terror vai parecer para mulheres de 18 a 35 anos antes de você gastar qualquer centavo na produção dele.”

O feedback não é a única recompensa para os usuários. A DCP também realiza uma série de concursos para ajudas financeiras que pagam dezenas de milhares de dólares (do mundo real) para financiar projetos que recebem os votos de outros usuários da plataforma. Os projetos são analisados pelos participantes sob um sistema complexo que pondera não apenas o número total de votos positivos, mas fatores como o prestígio de quem votou e com que frequência o usuário acessa a DCP. (Aqueles que votam podem até mesmo gastar criptomoedas para dar um empurrãozinho a um script e deixá-lo em um local de maior destaque no site, embora os executivos enfatizem que isso apenas garante mais avaliações gerais, não necessariamente boas críticas.)

Os projetos oscilam entre altas e baixas nos rankings públicos. As primeiras posições avançam para a rodada final. Lá, um pequeno grupo de profissionais decide qual deve receber o prêmio em dinheiro.

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O cineasta Steven Soderbergh patrocinou um concurso que pagará US$ 100 mil para cada vencedor por três projetos diferentes; o roteirista e diretor Kevin Smith apoiou uma disputa com US$ 40 mil. A DCP também diz que ajudará a direcionar esses projetos abençoados pelo blockchain para empresas de produção e agências de talentos.

“Achamos que esta é uma maneira muito melhor de realizar uma competição”, disse Matchett. “E tudo está registrado no blockchain, então ninguém pode alegar que houve manipulação.” O blockchain, um livro-razão digital, torna pública cada ação em uma plataforma, o que dificulta esconder a adulteração de um resultado.

Jovens cineastas dizem que a estratégia da web3 – ou film3, como alguns no mundo do entretenimento estão começando a chamá-la – também pode ajudar a cortar caminho entre as incógnitas de uma indústria de legados.

“Em muitas das outras competições e disputas por verbas, você está apenas jogando seus materiais em um vazio na esperança de que algo aconteça”, disse Tiffany Lin, roteirista e diretora cujo curta-metragem “Poachers”, sobre o comércio ilegal de plantas suculentas na Califórnia, ganhou um prêmio em dinheiro por meio do sistema de votação da Decentralized. “Com a DCP, você tem mais controle em relação ao que cria e também pode acompanhar o progresso em tempo real para saber o que de fato as pessoas estão pensando.” O site oferece um alto nível de análise, ela observou, dividindo os votos por idade e por outras informações demográficas.

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Alguns dos inscritos no site também dizem que ele pode reduzir o preconceito estrutural de Hollywood. O produtor DC Cassidy, que fundou a produtora Diamond Entertainment e está produzindo um relato de atletas negros em esportes radicais chamado “Black People Do”, diz que uma plataforma como a Decentralized favorece esse objetivo.

“O poder da web3 é que você não precisa frequentar a Chapman, USC, NYU, UCLA ou AFI para ter uma chance de conhecer as pessoas certas do setor”, disse Cassidy por e-mail. “O Twitter e o Reddit quebraram tudo, a web3 derruba os muros.”

Os executivos da DCP dizem que a descoberta de talentos não é o único objetivo da plataforma. Embora a criptomoeda FILM não possa ser usada atualmente fora do site, Musante disse que a empresa está em negociações com fornecedores de produção de filmes para autorizar seu uso na aquisição de vários itens de produção – permitindo que os usuários financiem seus filmes, pelo menos em parte, com as criptomoedas recebidas no site.

Coppola tem um objetivo ainda maior. Ele questiona se todo o sistema poderia ser implantado para localizar talentos de novas maneiras. Hoje, um produtor que deseja encontrar, digamos, uma locação específica ou um artista altamente especializado precisa trabalhar com uma rede de agências caras e nem sempre com as melhores opções.

“Mas e se você puder usar a web3 para isso?”, disse. “Que se trate de casting, ou criação, ou locação, ou qualquer coisa em toda a nossa indústria, as criptomoedas e o blockchain vão nos permitir encontrar mais do que precisamos e trabalhar melhor do que nunca como um negócio.”

Os céticos em relação às criptomoedas, no entanto, dizem que isso está oferecendo uma solução para um problema que ninguém apresentou.

“Com quase qualquer comunidade, a questão é o que poderia ser feito com as criptomoedas e a Web 3 que não seria possível fazer apenas com o dinheiro normal e a web que temos”, disse David Gerard, comentarista e autor do livro crítico às criptomoedas “Attack of the 50 Foot Blockchain” (O ataque do blockchain de 15 metros, em tradução livre).

Um agente de talentos contatado pelo Post que pediu anonimato porque não estava autorizado a falar com a imprensa mencionou o temor de que essas mudanças pudessem favorecer não os melhores contadores de histórias, mas aqueles que entendiam como trabalhar e até mesmo manipular um sistema baseado em criptomoedas.

Mas Smith, o cineasta indie pioneiro por trás de sucessos como “O balconista” e “Procura-se Amy”, que está lançando seu novo filme como um NFT, diz que vê essas ferramentas como necessárias atualmente da mesma forma que os cinemas ou vídeos caseiros foram para uma geração anterior.

“Se você é um cineasta independente estabelecido, pode ir parar em plataformas de streaming como a Netflix ou o HBO Max”, disse. Mas onde vai parar o cineasta emergente? Para onde vai o cineasta com um micro orçamento? Com criptomoedas e NFTs, há uma comunidade que está sedenta e já está aqui.” Ele disse que vê a bolha especulativa das criptomoedas de hoje como semelhante à bolha da internet há duas décadas: uma que, no fim, não prejudicaria a inovação implícita.

Enquanto esperava para ver se conseguiria um prêmio em dinheiro da DCP, Quinn disse que não se importava com a direção que isso tomaria, ele já sentia como se estivesse ganhando.

“Sou de uma família da classe trabalhadora, sem conexões no setor”, disse Quinn, que estudou cinema, mas passou boa parte de seus 20 anos trabalhando em uma fábrica local de laticínios. “Só em ter uma plataforma para mostrar meu trabalho parece um verdadeiro divisor de águas.”/Tradução de Romina Cácia

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