Especialistas recomendam que os brasileiros monitorem a tramitação do PL 4/2025, de reforma do Código Civil, para entender se a medida que altera regras de herança de fato será aprovada. (Imagem: ChasingMagic/peopleimages.com em Adobe Stock)
Uma mudança que pode redefinir o planejamento sucessório no Brasil está no centro da reforma do Código Civil: a possibilidade de o cônjuge deixar de ser herdeiro necessário. O título vale para quem tem direito a uma parte mínima da herança, conhecida como legítima, que corresponde hoje à metade do patrimônio do falecido.
Além dos parceiros, os ascendentes – como pais, avós e bisavós – e os descendentes – como filhos, netos e bisnetos – também são considerados herdeiros necessários.
O Projeto de Lei (PL) 4/2025 propõe rever essa estrutura, em meio a um pacote amplo de alterações que ainda precisa ser debatido e votado no Congresso – veja aqui os principais pontos que podem mudar nas regras de herança.
Para Roberta Capistrano, advogada no escritório Fabio Kadi Advogados, a proposta de tirar os cônjuges da lista de herdeiros necessáriosbusca evitar disputas familiares. “Hoje há muitas famílias recompostas e isso causa desconforto quando o cônjuge de uma nova união acaba concorrendo com os filhos por bens que ele não ajudou a formar”, explica.
Por exemplo, uma pessoa mais velha em seu terceiro casamento. Mesmo que o atual parceiro não tenha contribuído para a formação do patrimônio, pela regra atual, ele ainda tem que ser tratado como herdeiro necessário, inclusive em um regime de separação total de bens.
Parte dos advogados também entende que a medida proporciona maior liberdade na realização do planejamento sucessório, garantido o princípio da autonomia da vontade que, no Direito, dá ao cidadão o poder de decidir como deseja distribuir seus bens.
Do outro lado, a proposta traz riscos para quem não realiza um planejamento adequado e depende financeiramente do cônjuge. “Famílias com menos recursos e informações podem não acompanhar as mudanças e ficar desprotegidas, especialmente se houver dependência econômica e patrimonial entre os parceiros”, diz Márcia Cunha, consultora do Veirano Advogados.
Há quem veja insegurança especialmente para donas de casa que não construíram patrimônio próprio no casamento por dedicarem seu tempo aos cuidados do lar e da família. Nesse caso, a mudança significa perda de proteção, porque se a esposa deixar de ser considerada herdeira necessária não terá direito automático à parte dos bens do marido caso ele morra, ficando em uma posição financeira vulnerável.
Os efeitos da proposta também dependem do regime de casamento, já que não será alterada a meação — a parte dos bens que pertence igualmente ao falecido e ao cônjuge –, presente nos regimes de comunhão parcial e comunhão total de bens.
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Já na separação total de bens, a lógica muda: não há meação, porque cada cônjuge mantém seu patrimônio individual ao longo do casamento. Por isso, é nesse regime que as mudanças tendem a ser mais significativas.
Em regime de comunhão total: o cônjuge continuará tendo direito à metade dos bens adquiridos antes ou durante a união;
Em regime de comunhão parcial: o cônjuge continuará tendo direito à metade dos bens adquiridos durante o casamento, mas deixará de ser herdeiro necessário dos bens particulares (conquistados antes do casamento);
Em regime de separação total de bens: o cônjuge deixará de ser herdeiro necessário dos bens conquistados antes e depois da união;
Em união estável: mesma regra da comunhão parcial.
Outro ponto importante: se a medida for aprovada, ela será aplicada apenas aos falecimentos que ocorrerem depois da reforma do Código Civil. Para mortes anteriores à aprovação do PL, o regime sucessório atual continuará sendo a regra, independentemente de o inventário já estar concluído ou ainda em andamento.
O que fazer agora?
Uma das propostas de reforma do Código Civil quer retirar o cônjuge do rol de herdeiros necessários. (Foto: Adobe Stock)
Marcos Fioravanti, sócio do Vieira Rezende Advogados, orienta seus clientes a não tomarem decisões precipitadas com base na proposta de reforma, já que o texto ainda não foi votado e pode sofrer mudanças no Congresso.
“Considero prematuro qualquer casal alterar o seu regime de bens ou testamento agora. Eu esperaria para ver como a redação ficará e se existirá uma fase de transição para aplicação das novas regras”, destaca Fioravanti.
Já Daniela Poli Vlavianos, advogada do escritório Arman Advocacia, acredita que os casais podem iniciar um planejamento sucessório preventivo, ajustando disposições de testamento ou contratos para que a vontade dos cônjuges esteja formalizada. “O principal cuidado é evitar que a ausência de herança obrigatória gere desamparo financeiro ou conflitos entre familiares”, ressalta.
Os especialistas recomendam que os brasileiros monitorem a tramitação do PL 4/2025, para entender se a medida de fato será aprovada. Caso seja, vale criar um planejamento para evitar surpresas na sucessão.
A votação do projeto está prevista para ocorrer até a primeira semana de julho de 2026. No começo de outubro de 2025, a Comissão Temporária para Atualização do Código Civil aprovou o plano de trabalho apresentado pelo relator, o senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB). O grupo deve entregar o relatório final do PL em 11 de março do próximo ano.
Os melhores instrumentos para proteger os cônjuges
Especialistas da área classificam o testamentocomo o instrumento mais versátil para proteger parceiros, especialmente quando se deseja equilibrar interesses de diferentes núcleos familiares. Por meio do documento, é possível personalizar a sucessão, destinando patrimônio específico ao cônjuge ou assegurando sua moradia, por exemplo.
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Para casais com filhos menores, o testamento permite a nomeação de um tutor para a criação das crianças caso ocorra o falecimento de ambos os pais. Também determina se esse mesmo tutor será ou não responsável pela administração do patrimônio herdado.
A doação em vida, por sua vez, tem a indicação quando se pretende garantir segurança imediata ao parceiro, por meio da transferência de um bem específico. Existe a possibilidade de incluir a reserva de usufruto, em que o bem é transferido à pessoa escolhida, mas o doador mantém o direito de uso.
Para casais com patrimônio imobiliário e que atuam em atividade empresarial, a montagem de uma holding familiarpode trazer proteção e facilitar a sucessão. A estrutura permite realizar acordos de sócios, definir cotas e estipular meios de gerar renda ao cônjuge sobrevivente.
Já para parceiros que pretendem casar ou formalizar uma união estável, o pacto antenupcial pode ser uma ferramenta estratégica. Ele possibilita que o casal estabeleça regras patrimoniais e sucessórias que nortearão o relacionamento.
Previdência privada e seguros no planejamento sucessório
Juliana Joppert Lopes, sócia do Gaia Silva Gaede Advogados, destaca que não existe uma “receita de bolo” ao escolher um dos instrumentos. “A estratégia ideal depende de uma combinação de fatores, como patrimônio, composição familiar, idade e expectativas do casal. Por isso, o planejamento sucessório deve ser sempre personalizado”, diz.
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Com as possíveis mudanças no Código Civil, advogados avaliam que produtos financeiros como seguros de vida e planos de previdência privada também podem ter maior adesão. Eles permitem a designação direta de beneficiários e não integram o inventário – processo sujeito a prazos, custos e conflitos familiares.
Para Gustavo Filippi, da área de família e sucessões do Henneberg Ferreira e Marques Advogados, os instrumentos são uma boa saída para o planejamento de cônjuges diante da reforma do Código Civil e mudanças nas regras de herança. “Seguros e planos de previdência oferecem liquidez automática, liberdade na escolha de beneficiários e blindagem contra disputas sucessórias”, afirma.