O fato de que a Petrobras (PETR3; PETR4) poderia reduzir o patamar de dividendos com a sua nova política de remuneração não era um mistério para ninguém no mercado. Mas a possibilidade de abdicar dos proventos extraordinários da companhia no curto prazo aborreceu investidores. Agora, para o balanço do quarto trimestre de 2023 – a ser divulgado nesta quinta-feira (7) –, os olhares ficarão voltados para os pagamentos da petroleira.
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Após o CEO da estatal, Jean Paul Prates, manifestar que tem o objetivo de que metade da receita da estatal venha de fontes como energia solar, eólica e de combustíveis renováveis em dez anos, o mercado começou a questionar a rentabilidade destes investimentos. A situação piorou quando Prates afirmou à Bloomberg que “seria necessário a Petrobras ser cautelosa com dividendos extraordinários. Os acionistas vão entender”, apontou o gestor.
O mercado aparentemente não entendeu a postura cautelosa de Prates, o que levou a uma forte queda nas ações nos últimos dois dias. Segundo estudo de Einar Rivero, sócio-fundador da Elos Ayta Consultoria, a Petrobras perdeu R$ 34,3 bilhões em valor de mercado em dois dias de negociação. O tombo seria equivalente a uma Engie (EGIE3).
Esta foi a maior queda desde o dia 23 de outubro de 2023, quando a petrolífera perdeu R$ 32,3 bilhões diante de notícias sobre uma proposta aos acionistas para mudar seu estatuto social. A queda recente provocada pelas declarações do presidente da companhia tirou a estatal do seu melhor patamar, verificado em 19 de fevereiro, quando atingiu R$ 570,1 bilhões de valor de mercado, segundo Rivero.
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Mas afinal, será o fim dos dividendos de dois dígitos da estatal? O E-Investidor conversou com analistas que acompanham a petrolífera e traz a resposta a seguir.
Investimentos questionáveis, menos dividendos da Petrobras
Para Marco Saravalle, analista CNPI-P e sócio-fundador da MSX Invest, o mercado já precificou a percepção de risco de um possível fim dos dividendos extraordinários da estatal, embora novas quedas possam vir a ocorrer se confirmado este cenário. “Nos últimos dois anos, o que fez as ações da Petrobras subirem foi a distribuição farta de dividendos. Caso seja menor, certamente as ações tendem a sofrer na Bolsa”, afirma.
Saravalle, contudo, destaca que não houve uma alteração nos fundamentos da companhia nem na política de remuneração dos acionistas. Para ele, os investidores precisam olhar para um cenário mais conservador, em que não há distribuições extraordinárias.
Atualmente a política de dividendos da Petrobras estabelece a distribuição de 45% do fluxo de caixa livre da empresa a cada trimestre. Que nada mais é do que a diferença entre o fluxo de caixa operacional e os investimentos e as aquisições feitas pela estatal – em bens imobilizados, intangíveis e participações societárias. Para conseguir distribuir dividendos, a Petrobras precisa ter uma dívida bruta inferior a US$ 65 bilhões, definido como limite de endividamento no plano estratégico.
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Também é garantida uma remuneração mínima de US$ 4 bilhões para exercícios em que o preço do petróleo do tipo Brent seja superior a US$ 40 o barril. Se houver espaço para distribuições extraordinárias, a Petrobras pode pagar ainda mais dividendos.
Olhando para essa política de remuneração, Saravalle destaca o peso dos investimentos, que seriam determinantes para futuras distribuições. Segundo o analista, não importa de onde o dinheiro está vindo e, sim, em que a estatal pretende investir e com qual taxa de retorno. “Nas energias renováveis existe uma série de incertezas dentro de alguns projetos. Um caso polêmico são as empresas offshore, com investimentos em óleo em alto mar, onde todo mundo questiona o retorno destes projetos”, exemplifica.
Uma taxa de retorno baixa ou zero derruba o fluxo de caixa da companhia e, por consequência, seus dividendos. Ilan Arbetman, analista da Ativa Investimentos, destaca que o retorno dos projetos nos quais a Petrobras vai entrar é um ponto de dúvida para o mercado. Segundo ele, as taxas de alocação no setor elétrico não se comparam às do petróleo, principalmente as do pré-sal, onde a estatal tem experiência e conhecimento.
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“Quando a Petrobras fala em eólicas offshore, segmento que está engatinhando na regulação, não há como saber qual será a taxa disso. Então, a companhia fica sob escrutínio dos investidores”, afirma. Arbetman reforça que não apenas os investimentos podem determinar o volume de dividendos, há também fatores como preço do petróleo Brent e patamar do câmbio.
Daniel Nigri, analista e fundador da Dica de Hoje Research, diz que existe uma disparidade na forma como o mercado olha a Petrobras e como Prates, o CEO, enxerga a companhia. Nigri lembra que pelo plano de investimentos da petroleira, a operação de produção e exploração de petróleo ainda caminha bem até 2028, quando a companhia chega ao ápice da sua capacidade produtiva. A partir de então, a produção de petróleo começa a diminuir e o cenário se torna nebuloso.
“O CEO está preocupado com essa migração, que vai acontecer em 10 ou 15 anos. Mas nos próximos 5 anos ainda teremos um crescimento muito forte da produção e da exploração de petróleo”, observa. Segundo Nigri, Prates estaria enxergando a Petrobras dos próximos 20 anos, motivo que justifica a diversificação de receita em energias renováveis, enquanto o mercado olha a Petrobras atual. Para Nigri, ainda há espaço para dividendos robustos e até mesmo extraordinários.
Embora seja perceptível um aumento dos investimentos da petrolífera nos próximos anos, os analistas consultados pelo E-Investidor enxergam como inviável que a Petrobras alcance o seu objetivo de ter a metade da sua receita atrelada a energias renováveis.
O preço do petróleo deve ajudar
Sérgio Neto, analista de ações da Capitalizo, destaca que o mercado enxerga a Petrobras sem um foco definido e em constante dilema para agradar os acionistas. “Uma hora a empresa fala que vai distribuir dividendos, outra o CEO cita que fará mais investimentos, depois a própria empresa solta um comunicado para acalmar os investidores. A percepção é que existem dois interesses e não se sabe qual é a direção certa da companhia”, avalia.
De acordo com Neto, esse tipo de comportamento acaba trazendo mais risco aos investidores, o que é perceptível na queda do preço das ações. “A companhia está muito barata porque tem esse risco embutido no preço”, reforça.
Apesar de um cenário complexo para os investimentos, os analistas estão mais otimistas com o preço do petróleo, que deve contribuir positivamente para a geração de caixa da estatal. Saravalle afirma que o preço da commodity deve girar entre US$ 75 e US$ 85 em 2024, patamar muito superior ao preço de equilíbrio da Petrobras, de US$ 25 por barril. “Mesmo se o petróleo for para US$ 60, a companhia fica rentável e operando”, destaca.
Para Nigri, o petróleo deve negociar a US$ 70 neste ano, mas pode experimentar um corte de US$ 15 o barril nos próximos anos de olho na perpetuidade. “Seria um cenário com um barril mais próximo de US$ 60”, destaca. Neste contexto, a Petrobras ainda conseguiria gerar um caixa que justifique os dois dígitos em dividendos até 2025, diz.
Dividendos robustos até quando?
Com estas premissas, Nigri espera que a Petrobras entregue um dividend yield (retorno em dividendos) de 12% em 2024, algo em torno a R$ 5 por ação. Contudo, ele faz a ressalva de que o dividend yield pode ficar menor se a estatal recomprar ações. “Se porventura houver recompra, parte desse dividendo será destinado para comprar papéis, mas não deixa de representar um ganho futuro para o acionista”, aponta. Com menos ações em circulação, a participação do investidor aumentaria e, em consequência, o valor dos futuros dividendos.
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No seu pior cenário, considerando o patamar mínimo de US$ 4 bilhões, a Petrobras poderia pagar aos seus acionistas em torno a R$ 1,50 por ação – algo que Nigri descarta do cenário base. Embora as ações tenham apresentado queda na última semana, Nigri não acredita que o preço atual – PETR3 fechou o pregão da última sexta-feira a R$ 41,21 e PETR4 a R$ 40,16 – seja convidativo para adquirir os papéis. O preço-teto dele está em R$ 28,50. “Não recomendamos a estes preços, por outro lado, seria muito difícil PETR4 recuar abaixo de R$ 20”, comenta.
Saravalle, da MSX Invest, acredita que o dividend yield da Petrobras fique em 10% (em um cenário mais conservador), podendo chegar até 17% em um contexto otimista para a petrolífera. Para ele, não houve mudanças radicais nem na política de investimentos e nem na de remuneração dos acionistas, motivo que justificaria manter a visão positiva para a empresa. “Eu faria compras marginais da Petrobras nos preços atuais – em torno a R$ 40 – até entender a interpretação do mercado para as falas de Prates. Vale comprar, mas com cautela”, aconselha.
Arbetman, da Ativa, acredita em dividendos de 11,4% para 2024. Contudo, o analista tem recomendação neutra para o papel. A Ativa espera que as ações PETR4 cheguem ao patamar de R$ 36 (preço-alvo) até o final do ano. Para o quarto trimestre de 2023, Arbetman acredita que a petroleira estatal possa pagar dividendos extraordinários, chegando a um yield de 5%. Apenas com distribuições regulares, a estimativa é de um yield de 1,5%. “Estamos em um ciclo que vai ser mais forte em investimentos e menor em dividendos”, pontua.
Neto, da Capitalizo, espera que a Petrobras entregue bons dividendos até 2025. Para este ano, o analista projeta um dividend yield de 8,5%, que poderia chegar a 9,5% se houver pagamento de proventos extraordinários. “Mesmo se não pagar dividendos extraordinários, vemos a Petrobras como uma opção atrativa para o curto prazo. Já para o longo prazo não gostamos tanto diante das incertezas do novo governo e dos investimentos”, aponta.
A ação da Petrobras está barata?
O consenso de mercado é de que a companhia está extremamente barata diante das incertezas, precificando uma possível diminuição dos dividendos. Um levantamento exclusivo de Fábio Sobreira, analista CNPI-P da Harami Research, para o E-Investidor revela o preço máximo que seria necessário pagar nas ações da Petrobras para obter um retorno equivalente à taxa Selic atual, de 11,25% ao ano, e a taxa de juros terminal esperada pelo mercado para 2024, de 9% ao ano.
Os cálculos foram feitos considerando um payout (parcela do lucro destinada a proventos) da Petrobras nos últimos cinco anos, de 95% – que deve diminuir nesta nova gestão – além do crescimento médio do lucro dos últimos cinco anos.
Ação | Poder de lucro 2024 | Dividendo por ação projetado para 2024 com base no histórico | Dividend yield por ação projetado para 2024 com base no histórico | Preço-teto de compra para alcançar dividend yield de no mínimo 9% | Preço-teto de compra para alcançar dividend yield de no mínimo 11,25% | Payout médio de 5 anos |
Petrobras (PETR4) | 29,13% | R$ 11,19 | 27,67% | R$ 124,30 | R$ 99,44 | 95% |
Petrobras (PETR3) | 28,31% | R$ 11,19 | 26,89% | R$ 124,30 | R$ 99,44 | 95% |
Levantamento: Fábio Sobreira, Harami Research com dados até 28/02; Poder de lucro= poder da empresa pagar dividendos se optasse por distribuir 100% do seu lucro; Dividend yield = retorno em dividendos; o Payout médio considera dividendos regulares + extraordinários.
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