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Em crise, Argentina tem uma das bolsas que mais sobe no mundo. Veja o motivo

Índice Merval acumula valorização impressionante no ano; país ainda passará por eleição presidencial em outubro

Em crise, Argentina tem uma das bolsas que mais sobe no mundo. Veja o motivo
Bolsa de valores argentina está sustentando altas mesmo em meio a hiperinflação e juros de 97%. (Foto: Envato)
  • Crise financeira, hiperinflação, câmbio desvalorizado, vésperas de eleição e… a umas das bolsas de valores que mais sobe no mundo
  • Assim está o mercado financeiro na Argentina, onde o índice Merval acumulava uma valorização de 127,19% até o fechamento da última quinta-feira (20)
  • Apesar do desempenho expressivo é proporcional ao risco de se investir no país, orientam especialistas

Crise financeira, hiperinflação, câmbio desvalorizado, vésperas de eleição e… uma das bolsas de valores que mais sobe no mundo. Assim está o mercado financeiro na Argentina, onde o índice Merval acumulava uma valorização de 127,19% até o fechamento da última quinta-feira (20). E o desempenho não está “mascarado” pelo desvalorizado peso argentino: mesmo em dólares, o retorno do índice no ano é de 49,72%, segundo um levantamento feito pela Economatica.

A alta, no entanto, destoa da situação econômica vivida no país. A inflação argentina supera os 100% ao ano, em seu maior patamar desde 1991. Para tentar conter a alta de preços, em maio, o governo de Alberto Fernández anunciou um pacote de medidas; entre elas, a elevação da taxa de juros do país para 97% ao ano.

Se não bastasse o lado econômico, em breve o país enfrenta ainda uma eleição presidencial. “A delicada situação financeira e cambial da Argentina está entrando em um período decisivo, que coincide perigosamente com o processo eleitoral”, pontuou o analista político Hernán Maurette, em uma coluna no E-Investidor.

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Em outubro, os argentinos vão às urnas eleger o próximo presidente do país sem as figuras que dominaram o âmbito político nos últimos anos. Nem o atual presidente Fernández nem sua vice Cristina Kirchner vão concorrer, tampouco o ex-presidente Mauricio Macri.

A expectativa pelos resultados eleitorais imputam certo otimismo no mercado financeiro do país em meio a apostas de que as eleições deste ano resultarão em mudanças na política econômica. Mas não é só isso.

As ações por lá foram muito descontadas nos últimos anos. Agora, com os estímulos concedidos pelo governo, papéis cujos preços caíram muito estão conseguindo uma recuperação.

“O índice Merval têm um desempenho interessante, entretanto é algo muito mais pautado pelos estímulos dados pelo governo para que as empresas nacionais se mantenham nesse cenário de juros e inflação”, diz João Victor Patrocínio, especialista internacional e sócio da BLUE3 Investimentos. “No longo prazo, isso não tem sustentabilidade, é muito mais complicado.”

Dá para ganhar dinheiro?

A alta na bolsa argentina não começou apenas em 2023. No ano passado, o Merval subiu 142,02% em pesos e 40,39% no desempenho ajustado em dólares. Com os juros nas alturas, o retorno dos investimentos no país chama a atenção – e tem investidor brasileiro colocando dinheiro lá, e lucrando, há algum tempo. Alberto Amparo, sócio e head de investimentos no exterior da Suno Research, destaca que as ações argentinas entraram na carteira de recomendações internacionais da casa ainda em 2020.

Um dos papéis que entrou na carteira da Suno na época foi a Irsa Inversiones Y Representaciones, uma companhia do setor imobiliário do país. A IRS2W, ação da empresa, acumulava uma alta de 326,44% em 2023 até o último dia 20.

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“É a maior imobiliária do país, tem quase um monopólio de shoppings em Buenos Aires, que é uma cidade com PIB (Produto Interno Bruto) per capita superior a São Paulo, e com shoppings tão rentáveis quanto Iguatemi e Multiplan. Essa empresa tinha caído 90%, valendo US$ 200 milhões”, diz Amparo.

O head da Suno destaca que exatamente porque “todo mundo” sabia que a Argentina estava em crise foi possível comprar um negócio na bolsa por um preço que na economia real seria impossível. “Eu coloquei quase todo meu dinheiro na empresa, porque o risco parecia muito pequeno. O que é mais arriscado: comprar uma Ferrari por R$ 1 milhão no Brasil ou por R$ 40 mil na Argentina?”, afirma.

Mostramos nesta outra reportagem as maiores altas da bolsa argentina em 2023. Entre 67 ações, somente uma tem desempenho negativo no ano.

A renda fixa, por sua vez, não oferece tantas oportunidades assim. Ainda que os juros estejam em 97% ao ano – quase 7 vezes o atual patamar de 13,75% da Selic, no Brasil –, a inflação elevada corrói praticamente todos os ganhos.

“Uma taxa de juros de 97% é algo fora da curva quando pensamos em uma rentabilidade da renda fixa. Olhando apenas a taxa nominal, é quase como se o investidor colocasse o patrimônio lá e dobrasse”, destaca João Victor Patrocínio, especialista internacional e sócio da BLUE3 Investimentos. “Só que, à medida que o tempo passa, esse patrimônio é descontado por uma inflação crescente que supera os 100% ao ano.”

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Um levantamento feito pela Economatica a pedido do E-Investidor mostra que o Indice de Precios Al Consumidor, que mede a inflação argentina, estava em 51,20% no acumulado de 2023 até o último dia 20. Por sua vez, o retorno do Indice Badlar, um indicador de renda fixa similar ao CDI brasileiro, estava 46,52% no mesmo período.

Por isso, é preciso analisar com cautela o mercado argentino antes de se deixar levar pelas altas taxas nominais, seja na renda fixa, seja na Bolsa, e realizar um investimento que pode ser mais arriscado do que indicam os números.

É para qualquer investidor?

Mas não é porque a bolsa argentina está em alta expressiva que o ambiente é atrativo para todo e qualquer investidor. Se os retornos podem ser altos, o risco é igualmente proporcional.

Em meados de junho, a Fitch Ratings revisou a classificação da Argentina em seu ranking de crédito de C para CC. A escala mede o grau de risco de se investir em determinado país, variando entre C (risco excepcionalmente alto) e AAA (mais alta qualidade). Apesar da ligeira melhora, a empresa reforçou que o índice CC demonstra que ainda existe o risco de calote no futuro.

“Isso traz um risco muito maior para o investidor, tanto no mercado de renda fixa, quanto de renda variável. É um risco de crédito, de calote”, explica Patrocínio, da BLUE3.

Outro risco que também precisa ser avaliado, segundo o especialista, é o cambial. Como o investimento na Argentina precisa ser feito diretamente por meio de bancos ou corretoras do país, o investidor brasileiro precisaria fazer a conversão de reais para pesos em um momento em que a moeda argentina tem se desvalorizado muito.

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“O investidor tem que mapear todos os riscos que terá nessa operação, porque às vezes se posicionar em uma aplicação que oferece retorno atrativo sem considerar tudo isso pode levar a uma tomada de decisão errada. Para o investidor pessoa física, realmente não é recomendado”, destaca o especialista.

Alberto Amparo, da Suno, também reconhece que investir na Argentina pode ser um movimento arriscado para investidores pouco experientes. Para quem entender que o momento é de boa oportunidade e fizer questão em colocar uma parte do portfólio no país hermano, o caminho, segundo ele, é estudar muito as opções de empresas. “Tem coisas que são sim arriscadas, mas quando olhamos na lupa com certeza tem muita coisa que presta. Basta o investidor procurar”, diz o head.

Um ponto para ficar de olho é o endividamento das empresas, sobretudo se as dívidas forem em dólar. Como a Argentina enfrenta uma escassez de moeda americana que não tem previsão de ser estabilizada, essas companhias correm o risco de quebrar. Na dúvida, são papéis que é melhor evitar. “A verdade é que para um leigo seria perigoso, tenho dificuldade em recomendar ‘vai e faz por conta própria’”, afirma Amparo.

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