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Itaú: “Estamos cutucando o mercado para práticas ESG”

Martin Iglesias, especialista em investimentos e alocação de ativos, explica a nova carteira ESG do banco

Itaú: “Estamos cutucando o mercado para práticas ESG”
Analistas tiveram dificuldades para montar carteira recomendada ESG do Itaú, pela escassez de produtos financeiros sustentáveis. Foto: SM2 Fotografia
  • Na última semana, o Itaú Unibanco lançou sua primeira carteira recomendada ESG - sigla em inglês para produtos financeiros que seguem boas práticas sociais, ambientais e de governança
  • Como diferencial, o portfólio não conta apenas com recomendações em renda variável, mas em ativos de renda fixa atrelados à sustentabilidade
  • “Esperamos que o mercado, gestores e emissores, ao verem uma carteira como essa, sintam vontade de estar nessa recomendação”, afirma Martin Iglesias, professor e especialista líder em Investimentos e Alocação de Ativos do Itaú Unibanco

O Itaú Unibanco lançou sua primeira carteira recomendada ESG – sigla em inglês para produtos financeiros que seguem boas práticas sociais, ambientais e de governança. Como diferencial, o portfólio não conta apenas com recomendações em renda variável, mas em ativos de renda fixa atrelados à sustentabilidade. No total, são oito carteiras: uma para cada perfil de risco (conservador, moderado, arrojado e agressivo), em uma versão para investidores comuns e outra para qualificados.

Entretanto, a montagem não foi fácil, face à escassez desse tipo de produto no Brasil. De acordo com Martin Iglesias, professor e especialista líder em Investimentos e Alocação de Ativos do Itaú Unibanco, que está à frente do portfólio ESG, apenas 77 ativos se tornaram ‘elegíveis’ para as recomendações ESG. Para efeito de comparação, na recomendação principal da instituição financeira, existe um universo de pelo menos 1 mil ativos a serem analisados.

“Esperamos que o mercado, gestores e emissores, ao verem uma carteira como essa, sintam vontade de estar nessa recomendação”, afirma Iglesias. “No nosso entender, estamos cutucando o mercado para boas práticas, trabalhando como agentes de mudança.”

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As principais dificuldades estavam na renda fixa, principalmente em pós-fixados e prefixados. “Colocamos o do Itaú, que tem boas práticas, mas gostaria de ter tido mais alternativas para selecionar. Gostaria de ter tido uns 20 produtos”, explica o especialista. “Tivemos que colocar títulos do Tesouro Direto, o que não é totalmente confortável.”

Na visão de Iglesias, a carteira sustentável do Itaú não ficou totalmente perfeita justamente por conta desta falta de opções. Cerca de 4% das recomendações, por exemplo, não seriam totalmente ‘verdes’, segundo ele. Já na parte de renda variável, o mar foi um pouco mais aberto, com fundos de grandes gestoras ESG ganhando destaque, como a Fama Investimentos.

Por ora, a carteira não traz recomendações específicas em ações. “Ainda está sendo ajustada, então ainda não lançamos. E claro, só lançaremos se estivermos totalmente confortáveis com os critérios de seleção”, explica.

Leia a entrevista completa:

E-Investidor – Como foi o processo de criação da carteira ESG?

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Martin Iglesias – Foi muito ligado às demandas dos investidores. Apareciam perguntas para nossos especialistas sobre o que o Itaú tinha de ESG. Começamos a ver que o público estava se preocupando com isso.

Vimos que no mercado haviam carteiras recomendadas apenas de ações ESG, mas pensamos: “poxa vida, nem todo mundo quer investir em ações, nem todo mundo quer investir todo o dinheiro em ações e há alternativas ESG que podem servir esses investidores.”

Logo percebemos que conseguiríamos criar uma carteira ESG minimamente bem estruturada, mas acho que ela ainda não é a ideal. Para criarmos nossa carteira recomendada principal, por exemplo, temos mais de 1 mil produtos que escolhemos e testamos quantitativamente para ver a melhor relação de risco e retorno para cada perfil de risco.

Na carteira ESG não temos tudo isso. São apenas 77 produtos elegíveis, entre fundos, debêntures, ETFs, COEs etc. Queremos despertar o interesse de cada vez mais investidores, de novos gestores, de emissores sobre o tema. Até porque, se adotarem boas práticas, poderão entrar na nossa carteira. No nosso entender, estamos cutucando o mercado para boas práticas, trabalhando como agentes de mudança.

Esperamos que o mercado, gestores e emissores, ao verem uma carteira como essa, sintam vontade de estar nessa recomendação. Certamente uma recomendação vinda de uma instituição como o Itaú é importante.

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Temos uma equipe bem jovem e um certo tom de idealismo, de trabalhar com finanças para o bem.

E-Investidor – Quais produtos são elegíveis para a carteira ESG do Itaú?

Iglesias – Primeiro temos fundos ESG de renda fixa e renda variável, como o fundo do Itaú, que é aderente ao investimento responsável faz 15 anos. Isto é, era ESG antes de existir a nomenclatura. E existem também produtos de outras casas que são reconhecidas por isso, como a JGP e a Fama.

Temos green bonds, letras financeiras verdes e juntamos tudo isso com critérios de liquidez. Então os ativos que entram tem tanto práticas sustentáveis quanto liquidez, não queremos recomendar um ativo ilíquido.

Em ETFs, selecionamos aqueles que estejam ligados a critérios ESG. Temos basicamente um fundo de índice internacional de renda variável ligado à sustentabilidade e temos um ETF ligado à hidrogênio, que está fazendo o papel de ‘commodities‘ na nossa carteira recomendada. Este último ajuda a modificar o consumo de combustíveis fósseis por uma alternativa mais limpa.

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E qualquer COE ligado a algum índice de sustentabilidade poderá entrar também, não entrou nesta primeira recomendação, mas poderá entrar. Eventualmente, poderemos ter fundos sociais com taxa de administração. Hoje ainda não temos nenhum, eles estão inibidos, mas se aparecerem poderão entrar nessa conta.

E-Investidor – A carteira não terá sugestão de ações específicas, só fundos?

Iglesias – Não recomendamos ainda ações específicas nesta primeira carteira. Estamos trabalhando junto com a Itaú Corretora e em breve teremos uma carteira recomendada de ações ESG. Por enquanto estamos trabalhando com gestão ativa via fundos de investimento na parte de renda variável.

Obviamente que um fundo tem uma característica de diversificação que dentro de um portfólio pode funcionar melhor do que uma ação individual. Muitas vezes nas nossas recomendações principais colocamos fundos lá, mas deixamos como alternativa a carteira recomendada de ações da Itaú Corretora. Provavelmente faremos a mesma coisa com a carteira ESG, se estivermos confortáveis.

Ainda está sendo ajustada, então ainda não lançamos. E claro, só lançaremos se estivermos totalmente confortáveis com os critérios de seleção.

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E-Investidor – Além de ESG, quais outros critérios vocês utilizam de ‘filtro’?

Iglesias – Pegamos todos esses ativos e aí verificamos aqueles com o maior potencial de rentabilidade esperada. Todos os modelos quantitativos que rodamos para a nossa carteira principal, rodamos aqui também (na carteira ESG). Utilizamos rentabilidades esperadas, combinações e simulações para obtermos a melhor relação de risco/retorno e debatemos.

Na carteira ESG, como a parte quantitativa não é tão grande porque só temos 77 produtos disponíveis para escolhermos 19, a parte qualitativa é muito importante. Então temos o ‘conjunto universo’ e a partir daí, montamos a carteira com os melhores resultados de risco/retorno.

A ideia é ser uma carteira rentável. Acreditamos que essa carteira só vai ganhar destaque se de fato ela conseguir ser rentável.

E-Investidor – No total, são quantas carteiras ESG recomendadas?

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Iglesias – São oito carteiras recomendadas. Tem para o conservador, que nem renda variável tem, já que no nosso entender as condições de liquidez e aceitação a risco não permitem colocar esse tipo de ativo. Tem uma para o perfil moderado, outra para o arrojado e agressivo. Uma por perfil, importante dizer. Além de terem as versões de cada perfil para investidor comum e investidor qualificado.

Por exemplo, no perfil conservador tem debênture do CTEEP, que está dentro das finanças sustentáveis e tem critérios de liquidez. Tem CDB pós-fixado do Mercado Livre, premiado por boas práticas, principalmente no aspecto social, e tem um fundo pós-fixado ESG do Itaú.

E-Investidor – O que falta para o Brasil alcançar os países estrangeiros em relação ao ESG?

Iglesias – Temos alguns países líderes, como Nova Zelândia e Austrália, que estão bem à frente. Lá, mais ou menos 60% de todos os ativos financeiros têm critérios ESG bem consolidados. Canadá e Europa têm 50%, enquanto nos EUA esse percentual é de 25%. No Brasil, estamos falando de algo perto de 7%, pouco. Esperamos que cresça.

Em nossa carteira, particularmente em algumas classes de ativos, nós sentimos falta de opções ESG. Eu posso citar aqui o prefixado: colocamos o do Itaú, que tem boas práticas, mas gostaria de ter tido mais alternativas para selecionar. Gostaria de ter tido uns 20 produtos.

Tivemos que colocar títulos do Tesouro Direto, o que não é totalmente confortável. Indexados à inflação têm mais opções, não tivemos tanta dificuldade de achar (alternativas ESG), agora prefixado e pós-fixado são poucos.

Também tivemos dificuldade na renda fixa internacional. Por exemplo, tive que colocar um fundo Itaú Tesouro Americano de 10 anos. A rigor, colocamos porque não tinha um ETF de renda fixa internacional com critérios ESG que pudéssemos escolher para a carteira. Pra mim, tem 4% (da carteira) que não são exatamente ESG.

Esperamos que sejam lançados mais ETFs. Na verdade, um dos nossos objetivos ao lançar essa carteira é cutucar o mercado para termos mais coisas.

E-Investidor – Na sua visão, existem setores que devem ser automaticamente excluídos de uma carteira ESG, como tabaco, petróleo e armamentista, por exemplo?

Iglesias – Se a empresa está pensando na sua reconstrução, em uma transformação do negócio para uma nova economia, eu não veria problema de colocá-la. Imagina uma empresa de petróleo que está pensando em investir em um novo combustível não poluente. Dependendo da seriedade disso, até poderia entrar. Seria um mérito essas companhias repensarem a natureza dos seus negócios.

E-Investidor – Recentemente foi levantada a questão de que o ESG supostamente produziria mais inflação e escassez – já que seria mais caro gerar energia sustentável, por exemplo, além de não ser possível gerar o suficiente para substituir completamente fontes poluentes. Como você enxerga esse tipo de crítica?

Iglesias – Eu acho que não necessariamente é isso. Vejo muitos aspectos positivos dentro do ESG, não dá para ser conceitualmente contra critérios ambientais, sociais e de governança. No meu entender, eles são um valor extremamente importante. Se eventualmente eles estão provocando algum efeito colateral negativo, é para ser analisado, não ser usado como uma lógica para descaracterizar ou dizer que o ESG não é uma prática positiva.

Qualquer prática pode ter algum problema a ser corrigido no futuro, mas o ESG é algo extremamente importante. Queria eu que todos os ativos financeiros obedecessem critérios ESG a ponto desses conceitos serem tão difundidos, que não seja mais nem necessário descrevê-los como ESG. Se isso acontecer, o mercado estaria trabalhando em um outro patamar ecológico, social e respeito de governança aos acionistas.

Eu não descaracterizaria por algum problema colateral, todo o benefício que se traz dentro do ESG. Para mim isso é muito maior do que algum problema pontual.

E-Investidor – Falando de mercado, hoje temos um cenário desafiador, com juros nas máximas e inflação também. Onde vocês enxergam as melhores oportunidades de investimento nessa conjuntura?

Iglesias – Estes momentos difíceis, de estresse, trazem muitas vezes oportunidades. Muita gente usa essa frase no mundo dos negócios, mas isso também é uma verdade no mercado financeiro. Acredito que temos oportunidades muito relevantes nos títulos públicos longos indexados à inflação. Juros acima de 5,5%, perto de 6%? Isso é uma oportunidade.

Vejo a Bolsa também muito descontada. Em termos de lucros, a Bolsa está mais descontada do que no auge da pandemia. Estamos trabalhando a earnings (lucro por ação) em cerca de 7,8%, que só não são maiores do que na crise financeira internacional de 2008, e olha que passamos por muita coisa de lá para cá.

Eu acredito que até no pós-fixado começam a surgir oportunidades novamente. Os CDBs DIs, fundos DIS, começam a dar rentabilidades de juros reais. Vejo que se criaram muitas opções boas.

E-Investidor – A PEC dos precatórios movimentou o mercado nas últimas semanas. O senhor vê o risco fiscal se acentuando no ano que vem, que é um ano eleitoral?

Iglesias – O mercado está sensível em relação a risco, com preocupações de forma geral em relação a aspectos fiscais. É uma das coisas que tem criado as dificuldades e motivado ter algumas oportunidades no mercado.

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