- Depois de afirmar que agiria de forma passiva enquanto acionista, Marfrig muda o discurso e deve passar a controlar a BRF via conselho de administração
- Analistas veem um bom potencial para diversificação de produtos, mas poucas sinergias entre as empresas
- Do ponto de vista operacional, Marfrig estaria melhor posicionada em relação à BRF
Em junho do ano passado, o frigorífico Marfrig (MRFG3) anunciava a compra de 31,66% do capital social da rival BRF (BRFS3). Na época, a empresa soltou um fato relevante reiterando que a aquisição visava apenas a diversificação de investimentos e que não pretendia eleger membros para o conselho de administração ou exercer influência sobre as atividades da companhia.
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Progressivamente, esse montante subiu para 33,25% – bem próximo ao limite estabelecido no ‘poison pill’ (pílula de veneno, em português). O dispositivo está presente no estatuto da BRF e obriga o acionista que alcançar 33,33% de participação a comprar todos os papéis da empresa em uma OPA (oferta pública de ações), pagando 40% de prêmio em cima do preço médio das ações nos 120 dias anteriores.
No limite da sua fatia na BRF, e antes de acionar a ‘pílula de veneno’, a Marfrig mudou de postura em fevereiro deste ano: a companhia anunciou em fato relevante que indicaria representantes para o conselho de administração da BRF para influenciar nas decisões da empresa.
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Além disso, a Marfrig deve também consolidar os resultados da concorrente no próprio balanço. Dessa forma, o frigorífico consegue controlar a companhia sem acionar a poison pill.
“Conhecendo mais a empresa, indicando profissionais para o conselho da administração, a Marfrig passará a ter mais controle sobre a BRF, o que pode possibilitar a ela em um futuro próximo fazer uma fusão, incorporando a BRF e mantendo o controle do novo grupo. É uma prática comum”, afirma Idean Alves, sócio do escritório Ação Investimentos, pertencente à XP.
Para Alves, a estratégia da Marfrig de ‘guardar o jogo’ no início aconteceu para evitar solavancos nos papéis. “Eles tiveram todo o cuidado de sinalizar que a compra das ações da BRF ao longo de 2021 era para aumentar e diversificar a participação no setor, a fim de evitar especulação nas ações, o que tornaria o preço mais caro”, afirma Alves.
Essa também é a visão de Rodrigo Crespi, analista da Guide Investimentos. “O objetivo de controlar a empresa não foi posto logo de cara para não precipitar movimentações de mercado em relação aos papéis da BRF. E ao longo desse período a Marfrig foi realizando block trades (aquisições de ações em bloco) para chegar aos 33,25% como maior acionista da BRF”, afirma. “Boa parte do mercado já via como objetivo final a Marfrig se transformar em uma gigante de alimentos, parecida com uma JBS, que atua nas três linhas de proteína animal: bovinos, suínos e aves.”
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Consultada pelo E-Investidor, a Marfrig afirmou que só poderia se manifestar após o dia 28 de março, quando ocorre a votação do conselho administrativo da BRF.
Perspectivas
Marfrig e BRF são frigoríficos com posições complementares. Enquanto a primeira é focada em carne bovina, com grande exposição ao mercado norte-americano, a segunda investe em aves e suínos e tem uma presença bem relevante na Ásia e Oriente Médio.
Segundo Crespi, a Marfrig atravessa um cenário bem mais tranquilo em relação às questões operacionais, justamente por conta da resiliência do mercado norte-americano. Cerca de 95% do EBITDA (lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização) da empresa no último resultado teria sido proveniente da região, de acordo com o analista. Ele ressalta que a BRF atua em um mercado diferente. “Então há uma pressão de custo com ração para a engorda dos suínos e aves, além de custos de logística que acabam pressionando”, avalia.
Por isso a Guide tem uma visão mais positiva para os papéis da Marfrig do que para os ativos da BRF. Em uma possível combinação de negócios, com os balanços consolidados, a perspectiva é positiva. As duas companhias juntas somariam pouco mais de R$ 30 bilhões em valor de mercado, ainda atrás da JBS e da concorrente americana Tyson.
“O faturamento chegaria a quase R$ 140 bilhões de reais anuais, que é cerca de metade do que a JBS fatura, que é R$ 300 bilhões. Ainda ficaria atrás da Tyson, com cerca de R$ 200 bilhões. Seria então uma terceira colocada, mas muito mais competitiva”, afirma Crespi. “Do ponto de vista operacional, há uma diversificação de produtos e geografias bastante positiva.”
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A diversificação blindaria as companhias de alguns riscos. Por exemplo, quando há desaceleração econômica, a tendência é que a população deixe de consumir carne bovina para consumir carne de frango e suínos. Entretanto, Crespi não vê muitas sinergias. “São negócios completamente diferentes. No segmento bovino, a companhia ganha no spread (diferença do preço de compra e de venda) do boi, já aves e suínos tem custos de produção bastante importantes. Não vemos, nesse quesito, potenciais sinérgicos”, explica.
A XP também tem uma visão neutra em relação à BRF. Entre os principais riscos, estão o aumento dos preços de commodities como o milho, que são utilizados como ração para aves, e de fertilizantes.
“A empresa conseguiu aumentar seu portfólio de produtos de valor agregado e também melhorar sua capilaridade comercial, ambas estratégias comprovadas para melhorar a rentabilidade. No entanto, os resultados da Ásia decepcionaram no 3° trimestre de 2021 e o Oriente Médio está demorando mais do que o esperado para melhorar as margens”, explicam Leonardo Alencar e Pedro Fonseca, analistas da XP, em relatório.
Já para Marfrig a perspectiva é mais positiva. A XP possui recomendação de compra, com preço-alvo de R$ 34,80 para o final de 2022 – um potencial de alta de 71,8% em relação ao fechamento da última terça-feira (15), em que os papéis atingiram os R$ 20,24.
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“Como a Marfrig está 100% focada em carne bovina, sua diversificação geográfica foi fundamental para compensar um cenário desafiador nas operações da América do Sul, de forma que a empresa conseguiu superar a maioria dos seus pares devido aos resultados recordes na operação norte-americana da National Beef”, explicam os analistas, em relatório.
Em relação a uma potencial fusão, Alves, de Ação Investimentos, vê o movimento com cautela. O especialista ressalta a baixa sinergia da operação e das diferenças culturais entre as companhias, que representariam um risco para a combinação. Contudo, o saldo final seria positivo, com a Marfrig se consolidando no mercado e a BRF ampliando as margens.
“De fato acontecendo (a fusão), repetiria-se uma história comum nesse setor, vide Sadia e Perdigão (que deram a origem à BRF), de uma empresa performando abaixo do esperado (BRF) sendo incorporada por um player em melhor momento (Marfrig), aproveitando a oportunidade de mercado”, explica Alves. “Com essa fusão, os investidores “ganhariam” uma empresa mais eficiente, e com marcas fortes. Casaria o mix de produtos e a diversificação geográfica da BRF com a eficiência de gestão e a força da proteína bovina por parte da Marfrig.”
Para o futuro do setor, as perspectivas é que aconteçam mais movimentos de consolidação, que amplifiquem a diversificação geográfica e a diversidade de produtos desses frigoríficos. O segmento também deve ficar cada vez mais concentrado em poucos players. “A Marfrig, sem dúvida, se apresenta como um deles, ao lado da JBS. Os campeões nacionais seguem com fome para dominar o mundo da proteína”, ressalta Alves.
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