O que este conteúdo fez por você?
- A principal aposta do mercado brasileiro para o segundo semestre de 2023 – que o início do ciclo de cortes na taxa de juros iria levar a uma alta expressiva na Bolsa de Valores – não está se concretizando
- Para Paulo Gala, economista-chefe do Banco Master, é a possibilidade de juros mais altos por mais tempo nos EUA que está atrapalhando o mercado brasileiro
- O economista traça um panorama do cenário e explica como o cenário macroeconômico global tem atrapalhado a renda variável no Brasil, contrariando as expectativas positivas do 1º semestre do ano
Apesar das apostas do mercado financeiro, a projeção de que o início do ciclo de cortes na taxa de juros poderia refletir em uma alta expressiva na Bolsa de Valores não se concretizou. A primeira e tão sonhada redução da Selic em mais de dois anos foi confirmada pelo Banco Central no dia 02 de agosto, no entanto, contrariando as projeções, o Ibovespa cedeu 0,23% no pregão seguinte.
Leia também
Na decisão do dia 20 de setembro, o mesmo movimento. Mais um corte de 0,5 ponto percentual nos juros e uma queda de 2,15% no pregão seguinte do Ibovespa. Com o sobe e desce dos últimos dois meses, a Bolsa brasileira já devolveu boa parte dos ganhos do primeiro semestre do ano, quando o mercado viveu um rali à medida que precificava o início do ciclo de afrouxamento monetário.
O que ficou fora dos cálculos das projeções foi a piora no cenário dos Estados Unidos, aponta Paulo Gala, economista-chefe do Banco Master. Para o especialista, a possibilidade de que a taxa de juros americana permaneça mais alta por mais tempo tem penalizado os mercados globais.
Publicidade
Invista em oportunidades que combinam com seus objetivos. Faça seu cadastro na Ágora Investimentos
No último encontro do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), também no dia 20, o tom mais duro da instituição chamou a atenção do mercado e levou a uma piora do sentimento de aversão a risco de investidores globais. Um cenário que tem se sobressaído à melhora dos indicadores econômicos e queda da taxa de juros no Brasil. “Esse movimento negativo que estamos vendo está ligado ao comunicado muito duro do Fed, que está estragando a festa no Brasil”, diz.
E-Investidor – A taxa básica de juros sofreu mais um corte em setembro, mas a reação imediata da Bolsa e do dólar contrariou a expectativa dos analistas. Por que as projeções de que a queda da Selic faria o mercado subir não se concretizaram?
Paulo Gala – Quem está estragando a festa no Brasil é o Fed, o Banco Central dos Estados Unidos. Esse movimento negativo está ligado ao comunicado muito duro da instituição, falando que eles podem subir mais a taxa de juros neste ano. Claro que aqui no Brasil há certa preocupação fiscal, com a arrecadação um pouco pior e o governo com mais dificuldade para chegar no déficit zero para o ano que vem; isso também impacta. Se tivesse que atribuir pesos, colocaria dois terços no Fed e um terço só nas questões fiscais. O que está segurando a Bolsa brasileira e os ativos emergentes no geral é o juro americano mais alto por mais tempo.
Os juros mais longos e por mais tempo nos EUA já está no preço das ações brasileiras?
Publicidade
Depois do Fed ser um pouco mais duro do que se imaginava, vimos uma reprecificação na Bolsa brasileira. O cenário base do mercado ainda é o término da alta de juros nos EUA e a convergência da inflação ainda no meio do ano que vem. É isso o que está nos preços. Mas, por exemplo, se a Fed Funds tiver que ir a 6%, aí sim teremos uma correção mais forte. Se houver só mais uma alta ou até nenhum ajuste nos juros até o meio do ano que vem, isso ainda é tolerável.
A China voltou a anunciar medidas para estimular a economia e afastar as ameaças de crise no mercado imobiliário. Isso poderia ser um contrapeso para segurar os mercados globais, especialmente aqueles ligados à commodities como o Brasil?
A China ajuda, mas ela não vai ter capacidade de sobrepor más notícias que venham dos EUA. Na melhor das hipóteses, a China não vai atrapalhar. Se ela conseguir continuar crescendo nesse nível de 4%, eventualmente 5%, mesmo com todos os problemas no mercado imobiliário e com a quebra das construtoras, já está de bom tamanho. Mas não vejo praticamente nenhuma chance da China crescer mais do que 5%, até porque ela está endividada, muito alavancada e acumulou uma série de desequilíbrios nesses últimos 10 anos. Se a situação realmente azedar nos EUA, nem a China poderá nos salvar.
O que poderia atrair os investidores estrangeiros para o Brasil hoje?
Publicidade
Há um movimento de atração de capital com essa coisa do “Brasil Verde”. Se o País se colocar como líder de transição energética e de economia sustentável, isso ajuda. O fato da economia crescer 3% por dois anos seguidos também tem contribuído. O grande impulso mesmo viria de um corte de juros nos EUA, do fim do ciclo por lá. Essa é a variável chave do momento e é o que está nos segurando.
Qual é o maior desafio para o investidor de renda variável em todo esse contexto de incertezas no exterior?
É a tal da “Espera de Godot”. O desafio da renda variável hoje é ter paciência para carregar essa posição de longo prazo. A Bolsa brasileira continua barata, especialmente falando de small caps, e há uma oportunidade grande de alocação para um horizonte de doi a três anos. Diria até que é uma janela histórica de entrada, mas também sujeita a chuvas e trovoadas.
O que você destacaria como oportunidade para os investidores brasileiros?
Publicidade
Principalmente as mid e small caps, mais sujeitas ao ciclo econômico e sensíveis à taxa de juros. São as que estão mais descontadas. Varejo, eventualmente, o setor imobiliário e utilities que também sofreram um pouco. Commodities já não sou tão otimista porque o preço do petróleo subiu muito.
Então a perspectiva para o mercado brasileiro nos meses finais de 2023 é positiva?
O cenário base continua sendo positivo, mas o tamanho dessa projeção vai depender muito dos próximos dados da economia americana. Por incrível que pareça, estamos em uma situação em que o preço dos ativos aqui está dependendo mais dos Estados Unidos do que do próprio Brasil. Vai depender de como vier a inflação no último trimestre e de como o Banco Central americano vai reagir a isso, mas a perspectiva ainda é de alta.