- De acordo com um levantamento feito por Einar Rivero, head comercial do TradeMap, este é o pior agosto do Ibovespa desde 2015
- Riscos fiscais no cenário doméstico e nova alta de juros nos EUA provocaram um movimento de aversão, com saída de investidores estrangeiros da Bolsa brasileira
- Entretanto, as baixas podem ser oportunidades. Analistas ressaltam setores interessantes, como construção civil, bens de capital, educação e bancos
O Ibovespa terminou a última terça-feira (22) em alta de 1,51%, aos 116.156,01 pontos – o segundo pregão de valorização em agosto. O primeiro resultado positivo do Ibov no “mês do desgosto”, como o período é conhecido, ocorreu na sexta-feira (18), quando um pequeno salto de 0,37% encerrou uma sequência recorde de 13 baixas consecutivas.
De acordo com um levantamento feito por Einar Rivero, head comercial do TradeMap, este é o pior agosto desde 2015, quando os déficits primários divulgados pelo então governo de Dilma Rousseff (PT) azedaram o humor dos investidores e fizeram o índice descer 10,12%.
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O cenário negativo surpreendeu parte do mercado, que vinha surfando uma forte onda de otimismo desde o segundo trimestre do ano. Entre abril e julho, o Ibovespa saltou 20% em meio à apresentação do novo arcabouço fiscal, aprovação da reforma tributária, melhora de classificação de crédito do Brasil pela agência Fitch e divulgação de dados domésticos de inflação melhores que o esperado.
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Além disso, em junho, o banco central norte-americano, o Federal Reserve (Fed) fez uma “pausa” na subida de juros nos Estados Unidos. Apesar da instituição ter sinalizado a possibilidade de retomar as elevações nas taxas, a breve paralisação no aperto monetário foi o suficiente para inflar a confiança dos investidores.
“O mercado criou uma expectativa de que não haveria mais altas de juros nos EUA, algo que nossa equipe já considerava como uma perspectiva equivocada”, afirma Flávio Conde, analista da Levante Ideias de Investimentos. “Adicionalmente, havia o anseio de que o Banco Central iniciasse os cortes na taxa básica de juros do Brasil na reunião de agosto.”
Virada de mês, virada de cenário
De fato, no dia 2 de agosto o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central cortou a Selic em 0,5 ponto porcentual, fixando a taxa em 13,25% ao ano. Por outro lado, ao longo do mês, houve deterioração em todos os outros fundamentos que sustentavam a alta do Ibov.
As dificuldades no cumprimento das metas estipuladas no arcabouço fiscal voltaram ao radar dos investidores em função das discussões sobre o orçamento de 2024 em Brasília. Paralelamente, as alterações na reforma tributária passaram a desagradar o mercado.
“Com aquele monte de exceções que o Congresso pôs e ainda quer pôr, a reforma fica desfigurada e a gente vai ter o maior Imposto sobre Valor Agregado (IVA) do mundo”, diz Conde. “Ou seja, uma reforma tributária que poderia ser boa se transformou em uma reforma tributária, no máximo, mais ou menos.”
Ainda no cenário doméstico, a temporada de balanços do segundo trimestre, finalizada em 15 de agosto, deixou claro que boa parte das empresas da Bolsa ainda enfrentam grandes desafios – como as companhias de varejo. Para Leandro Petrokas, diretor de research, mestre em finanças e sócio da Quantzed, os números aquém do esperado ficaram entre os grandes pontos de atenção dentro do mês.
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“Parte do movimento de alta recente foi motivado pela melhora na percepção de risco-País e do início do ciclo de cortes na taxa Selic, mas ainda há alguns ramos de atividades e empresas que estão enfrentando dificuldade para gerar resultados”, diz Petrokas.
Do outro lado do mundo
Junto à deterioração de perspectivas no mercado interno, a China, um dos maiores parceiros comerciais do Brasil, voltou a emitir indícios de desaceleração econômica. O foco de atenção são os sinais de fraqueza no setor imobiliário, um dos motores do crescimento do país asiático.
Recentemente, por exemplo, a grande gestora de ativos ligada ao mercado imobiliário chinês, Zhongrong International Trust, deixou de pagar juros de produtos de investimentos. “Parece que o modelo atual de crescimento chinês está se esgotando”, afirma Petrokas. “O mercado enxerga com muita reticência a real capacidade da economia chinesa continuar crescendo”, diz.
Contudo, o maior balde de água fria veio com a nova elevação de juros feita pelo Fed no final de julho. A autoridade monetária subiu as taxas americanas em 0,25 ponto porcentual, para a banda entre 5,25% e 5,50% ao ano, o que elevou o rendimento dos títulos do tesouro americano para um patamar recorde.
“Esses títulos alcançaram o maior patamar no vencimento de dez anos desde 2007”, afirma Heitor Martins, estrategista de investimentos da Nexgen Capital. “Isso fez com que todo o mercado internacional diminuísse o apetite a risco, o que naturalmente impacta a performance de ativos de risco emergentes, como é o caso do Brasil.”
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Jennie Li, estrategista de ações da XP, também acompanhou essa inversão de fluxo de capital dos ativos de risco para a renda fixa americana. “Esse aumento na curva de juros no mundo todo, principalmente nos títulos de dez anos nos EUA, tem pressionado os ativos globais”, afirma.
Com o otimismo dando lugar a uma onda de aversão, as apostas na queda da Bolsa brasileira atingiram R$ 117,4 bilhões em agosto, maior nível desde maio. Os dados foram levantados por Rivero, do TradeMap.
Bye bye, gringos
Todo esse contexto de aversão global a risco inverteu uma outra tendência que vinha sendo registrada nos últimos meses: a de entrada de capital estrangeiro na B3. Como mostramos nesta reportagem, até 8 de agosto, todos os dias do mês tinham sido de resgates. No acumulado do período, os gringos retiraram R$ 5,026 bilhões da B3.
A última vez que o fluxo estrangeiro foi tão negativo foi em maio de 2022, mês em que os investidores de fora do País retiraram R$ 6,170 bilhões na Bolsa brasileira. Com a saída de capital internacional do País, o dólar, que chegou a bater os R$ 4,73 no final do primeiro semestre, voltou a flertar com os R$ 5.
- Veja também: O dólar pode voltar ao patamar de R$ 4,70? Especialistas discutem nesta outra reportagem.
Especialistas explicam que, para além da aversão global que afasta investidores de mercados emergentes como o Brasil, a perspectiva de redução da Selic também traz um movimento altista para o câmbio. Isso porque os juros altos no País atraiam capital para as operações de carry trade – na prática, consiste em tomar dinheiro a uma taxa de juros em um mercado e aplicá-lo em outra moeda, onde as taxas de juros são maiores e, assim, lucrar com a diferença.
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Assim, com as reduções previstas para a Selic até o fim do ano e o juros dos EUA ainda com potencial de ser elevado, o diferencial entre as taxas diminui, reduzindo, assim, a atratividade que antes o Brasil tinha.
Oportunidade?
Com as quedas acumuladas em agosto, o Ibovespa voltou a um patamar que não era visto desde o começo de junho. A última vez que o índice tinha sido negociado perto da casa dos 116 mil pontos foi no pregão do dia 07 de junho, quando encerrou o dia cotado a 115.488,89 – na ocasião, essa era a máxima do ano.
Agora, é como se o Ibov tivesse dado um passo atrás de mais de dois meses. Um cenário que, apesar de negativo, também pode ser entendido como uma oportunidade para montar posições na Bolsa antes que as altas voltem a acontecer, como espera grande parte do mercado.
Martins, estrategista de investimentos da Nexgen Capital, explica que, em termos de múltiplos, o Ibovespa e muitos setores importantes da B3 ainda estão descontados. O que indica que há espaço para a retomada das valorizações daqui para frente.
"Quando olhamos o P/L (preço sobre lucro) da Petrobras (PETR3; PETR4), que tem um peso representativo no Ibovespa, ela ainda apresenta um P/L de 4,5 vezes, contra uma média do mercado internacional de 8 vezes", aponta. "Esse é só um dos exemplos. O setor de educação e o setor financeiro também acabam indo por uma linha parecida, com desconto nos indicadores de precificação."
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Nesta outra reportagem, mostramos as projeções de cinco casas para o Ibovespa ao final de 2023. As expectativas variam entre 123 mil a 140 mil pontos, um sinal de que até entre os menos otimistas a perspectiva é que a Bolsa brasileira volte a subir.
No ritmo dos juros
Isso não significa, no entanto, que essa recuperação deve acontecer no mesmo ritmo do último rali. O ciclo de cortes na taxa de juros brasileira, que era tido como o grande diferencial do semestre, já está em boa parte precificado no mercado e pode não ser suficiente para se contrapor ao cenário externo. É ele quem tem que melhorar para que o Ibovespa volte a subir.
"Até a próxima reunião do Fed, o Ibov vai continuar pressionado. Assim como o setor de mineração e siderurgia, por conta das incertezas sobre o crescimento econômico da China", diz Conde, da Levante.
O Federal Reserve se reúne para decidir se aumenta mais uma vez a taxa de juros americana nos dias 19 e 20 de setembro. A condução da política monetária por lá deve continuar ditando o ritmo da economia global, assim como o desenrolar da crise no setor imobiliário na China.
"Esses dois fatores podem interferir nas principais companhias da nossa Bolsa, trazendo alta volatilidade. Uma vez estável a taxa de juros nos EUA, os títulos de renda fixa devem ser menos procurados, aí entra o interesse pelos ativos de risco que podem trazer alta rentabilidade", destaca Alex Carvalho, analista CNPI da CM Capital.
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