- Indicada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para assumir o posto de presidente da Petrobras, Magda Chambriard herda não somente o cargo, mas o desafio de conciliar os interesses do governo sem perder a confiança do mercado financeiro
- Uma batalha que, até aqui, parece ter sido perdida não só pelo ex-CEO Jean Paul Prates, que acaba de ser demitido, como também pelos outros executivos que ocuparam o posto
- Debate passa pelo aumento dos investimentos da estatal, risco de diminuição dos dividendos e o domínio da tão falada "interferência política"
O ex-senador Jean Paul Prates foi demitido do cargo de presidente da Petrobras (PETR4) na terça-feira (14) após semanas em um processo de fritura, acentuado depois que a companhia optou por reter parte dos dividendos extraordinários em março. Magda Chambriard, indicada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para o posto, herda o cargo e o desafio de conciliar os interesses do governo sem perder a confiança do mercado financeiro. Uma batalha que, até aqui, parece ter sido perdida não só por Prates, mas pelos outros executivos que ocuparam a mesma posição.
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Chambriard é a 7ª pessoa a sentar na cadeira mais importante da Petrobras em cinco anos; e não é uma novata na companhia. Servidora de carreira na estatal, ela é engenheira, especializada em exploração e produção de petróleo e foi diretora-geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), nomeada pela ex-presidente Dilma Rousseff em 2012.
Os especialistas ouvidos pelo E-Investidor são unânimes: em termos de experiência e adequação ao cargo, trata-se de um nome técnico. O receio, no entanto, é o direcionamento político do mandato. Um dos motivos que derrubou Prates do posto de CEO da Petrobras, entre outras questões, foi a intenção do Executivo de buscar por um perfil de comando menos “pró mercado”.
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“O primeiro desafio que ela terá é passar credibilidade para o mercado”, diz Frederico Nobre, líder da área de análise da Warren Investimentos. “Chambriard tem um viés mais desenvolvimentista, em linha até com que o governo estava buscando para esse novo presidente da Petrobras. É um histórico menos pró-mercado do que o Prates, mais ponderado e que conseguiu assumir uma postura bem interessante na companhia.”
O principal desafio da executiva à frente da estatal, na visão dos agentes do mercado, é conciliar a pressão política pelo aumento de investimentos e manter a confiança de investidores. A ideia de direcionar o capex (recursos voltados para os investimentos) da companhia para projetos como refino ou a área petroquímica desagrada analistas, que veem os negócios como pouco rentáveis em comparação ao “core business” da companhia, a exploração do pré-sal.
Como Chambriard parece ter sido indicada ao cargo para tal missão, já começará tendo que superar a desconfiança do mercado.
A incerteza com o direcionamento do novo mandato na Petrobras fez o BB Investimentos rebaixar a recomendação das ações da petroleira de compra para neutra. Em relatório, o analista Daniel Cobucci destaca que a dúvida em relação a “qual será o mandato” da executiva é pertinente porque, em se tratando de uma empresa estatal e listada em bolsa, existe uma inerente divergência entre os interesses de alguns dos stakeholders da companhia. E aponta que não está claro se a sucessão vai significar uma mudança de rumo em uma companhia que vinha com “boa execução e excelentes perspectivas”.
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“A mudança no comando da companhia não deixa claro quais princípios serão mantidos e quais serão modificados, elevando as incertezas em um momento onde o desconto relativo da companhia já não se encontra tão vantajoso”, avalia o BB.
Chambriard não será a primeira CEO da estatal a ter a difícil missão de equilibrar os interesses do governo com o dos acionistas minoritários. Como mostramos aqui, as trocas no comando da Petrobras foram comuns nos últimos anos.
Nos quatro anos de governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), entre 2019 e 2022, foram quatro mudanças no cargo. À época, os presidentes da estatal foram pressionados pelo Palácio do Planalto por causa da alta dos preços dos combustíveis, que corroía o poder de compra da população e atrapalhava a candidatura à reeleição do então mandatário do Executivo, enquanto se viam obrigados a seguir o preço de paridade internacional do petróleo.
Jean Paul Prates, entre 2023 e 2024, viveu o dilema de manter o nível de pagamento dos dividendos a investidores e ter caixa para aumentar os investimentos.
Para onde vão os investimentos?
A alocação dos US$ 102 bilhões destinados para os investimentos é o principal ponto de preocupação dos investidores com a gestão de Chambriard. Segundo apuração da Coluna do Estadão, a ex-diretora-geral da ANP se reuniu com o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, nesta quarta-feira (15) e garantiu acelerar os projetos voltados para o mercado de gás e de fertilizantes. A demanda é vista como prioridade para o governo, mas não andou no ritmo desejado quando Prates estava à frente da estatal.
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Chambriard também é favorável ao retorno de projetos em refinarias, área de atuação defendida pelo presidente Lula. Nos próximos cinco anos, a previsão é que a estatal desembolse cerca de US$ 17 bilhões em projetos de refino, transporte e comercialização em várias unidades do Brasil. O objetivo é ampliar a capacidade de produção de diesel.
Uma das iniciativas neste sentido foi a retomada das obras da refinaria Abreu e Lima, em Ipojuca, no estado de Pernambuco, em janeiro deste ano. O investimento na unidade já estava previsto no plano estratégico 2024-2028 da Petrobras, além de fazer parte do Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
No entanto, os esforços do governo para esta linha de negócio são alvos de críticas do mercado financeiro por estar fora do seu “core business” e pelo elevado custo que esses investimentos exigem da companhia. “Uma obra de refinaria nova é orçada por R$ 4 bilhões e taxa interna de retorno de 20% ao ano. Os gastos estouram (aumentam acima do previsto) devido a um projeção subestimada de investimentos e aos desvios de recursos. No fim, são investidos R$12 bilhões e a taxa de retorno fica negativa”, afirma Flávio Conde, analista da Levante Investimentos.
A preocupação também se baseia na demanda futura, quando os projetos estiverem consolidados, diante do movimento mundial de transição energética. “Será um aumento adicional, colocando recursos em uma classe de ativos em franco declínio e cujos os produtos de origem fóssil podem já ter demanda reduzida quando estiverem prontos daqui a uma década”, pontuou o BB Investimentos em relatório divulgado nesta quarta-feira (15). Já os projetos de baixo carbono que possuem um orçamento de US$ 11,5 bilhões no atual plano estratégico da empresa também devem ser avaliados com atenção redobrada pelos investidores.
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Apesar de avaliarem os investimentos como necessários, os analistas pontuam que há um ceticismo no mercado em relação à capacidade da companhia em otimizar os recursos em iniciativas com boas previsibilidades de retorno. “Os projetos exigem uma gestão cuidadosa para demonstrar sua viabilidade financeira e alinhamento com os objetivos de longo prazo da empresa”, afirma Sidney Lima, analista da Ouro Preto Investimentos.
Dividendos no radar
O perfil de Chambriard, mais alinhado aos interesses do governo, dá sinais ao mercado de que os gastos com investimentos podem ganhar ainda mais espaço nos próximos planos estratégicos da companhia. Como consequência, o período de dividendos generosos aos acionistas pode chegar ao fim, com os investidores sendo obrigados a se contentar com o pagamento mínimo estabelecido pelo estatuto da companhia.
Conde, da Levante, argumenta que a possibilidade dessas mudanças com a nova gestão pode se concretizar quando houver a divulgação dos resultados operacionais referente ao segundo trimestre. “Quando sair o próximo resultado, iremos ter uma especulação do mercado se a Petrobras irá distribuir dividendos extraordinários ou não. Na minha visão, há mais chances de não termos mais dividendos extraordinários (com a nova gestão)”, pontua o analista.
Segundo dados da Quantum Finance, os investidores com posição em ações ordinárias da Petrobras (PETR3) receberam cerca de R$ 33,47 por ação em proventos no acumulado de 2018 até agora. Já os papéis preferenciais (PETR4) distribuíram um total de R$ R$ 34,32 durante o mesmo intervalo de tempo.
Os dados mostram que o dividend yield da companhia já vem caindo, apesar de ainda permanecerem elevados para a média das empresas brasileiras. Em 2022, o yield da PETR3 e da PETR4 foi de expressivos 59,70% e 68,32%, respectivamente. Em 2023, caiu para 18,59% e 19,81%.
A queda de Prates
Jean Paul Prates foi demitido do comando da Petrobras na noite da terça-feira (14), após 473 dias no cargo. A frente da estatal, o ex-senador liderou mudanças importantes, que incluem o fim da política de preço de paridade de importação (PPI) e alterações na política de dividendos da companhia.
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Apesar do ceticismo inicial, Prates conseguiu se colocar como um quadro técnico e um nome de “razoabilidade” na visão do mercado. Aos poucos, as principais incertezas de analistas em relação à gestão petista da estatal foram amenizando e as ações da companhia conseguiram se recuperar frente aos patamares bastante descontados que eram negociados à época das eleições presidenciais, em 2022. Como mostramos aqui, a PETR4 teve alta de 115% no período em que o ex-senador esteve à frente do cargo de CEO.
Este é um dos principais motivos por trás da reação negativa do mercado com a sucessão na estatal. Magda Chambriard é considerada um quadro técnico, mas, segundo analistas, sua indicação reforça os temores de interferência política. A PETR3 encerrou esta quarta-feira (15) com uma desvalorização de 6,78%, a R$ 40,01. A PETR4, por sua vez, caiu 6,04%, a R$ 38,40. Com o desempenho, a Petrobras perdeu R$ 34,05 bilhões em valor de mercado no pregão.
Como mostramos aqui, os grandes bancos ainda recomendam a compra das ações da Petrobras; veja os principais argumentos.