- Os parâmetros anteriores à crise vão demorar a acontecer
- Há riscos de ondas de relaxamento e restrição sanitária até a descoberta de uma vacina
- A recuperação do Ibovespa aos 120 mil pontos não virá em semanas. É mais parecida a uma guerra, de longa duração
A frase Winter is coming! (O inverno está chegando) é marcante para os fãs de Game of Thrones (A Guerra dos Tronos, HBO, 2011-2019). Ela é o tema do primeiro episódio da série e serviu para resumir as batalhas e os dias difíceis que viriam a seguir para todos os reinos. Não é difícil fazer um paralelo com a bolsa de valores desde que o novo coronavírus se tornou uma pandemia. Um acontecimento exógeno ao sistema financeiro fez com que as economias globais ficassem paralisadas. O efeito no mercado acionário foi imediato. O Ibovespa, que chegou aos 119.527 pontos no início de 2020, despencou 46,81% para 63.569 pontos. Nas duas últimas semanas, o principal índice da B3 mostrou força ao recuperar uma pequena parte dessa perda – valorização de 22,2% para 77.681 pontos até a quinta-feira (9). Esse é um dos motivos que torna mais difícil convencer os investidores a deixar o otimismo de lado e tratar este momento como uma batalha vitoriosa na longa guerra que está em curso.
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“A bolsa está muito longe dos 120 mil pontos, mas não acredito que esteja cara nos 78 mil”, diz Luiz Fernando Figueiredo, sócio da Mauá Capital e ex-diretor do Banco Central. “Mas os parâmetros que tínhamos antes vão demorar a acontecer. O problema pode ser o desarranjo econômico, mesmo com pacotes Fiscal e Monetário para ajudar as empresas nessa travessia. Ainda haverá muita dor.”
Nas últimas semanas, os economistas começaram a revisar a expectativa de crescimento do PIB brasileiro para este ano, que passou de crescimento para recessão. O boletim Focus, divulgado pelo Banco Central na segunda-feira passada (6) com a mediana de 100 especialistas, trouxe uma queda de 1,18% para a economia este ano – em 3 de janeiro, a projeção era de uma expansão de 2,3%. O perigo está justamente no tempo necessário de isolamento para evitar um risco de contágio em massa que sobrecarregue o sistema de saúde. Por isso, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse em teleconferência com Senadores na quinta (9) que o recuo pode ser ainda maior, de até 4%, segundo apuração feita pelo Broadcast.
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“Vai demorar um bom tempo para imunizar a população. Por isso, há riscos de ondas de relaxamento e restrição sanitária até a descoberta de uma vacina”, afirma a economista Monica de Bolle, pesquisadora sênior do Peterson Institute for International Economics e professora da Universidade John Hopkins. “A incerteza é total sobre quantas ondas vão acontecer. Os 120 mil pontos da Bolsa não voltam nesse cenário de acelera e para. O efeito no mercado vai ser de extrema volatilidade.”
Um levantamento feito pela Frente Corretora ajuda o investidor a se orientar sobre o tempo que a Bolsa demorou para recuperar a pontuação anterior a um grande evento. Em 2008, por exemplo, o Ibovespa levou 42 dias para atingir a pontuação mais baixa após a quebra do banco de investimentos Lehman Brothers. Mas foram 254 dias para retornar ao mesmo ponto. Dez anos mais tarde, a greve dos caminhoneiros, um evento restrito ao Brasil, parecia que não traria um efeito de longo prazo, afinal, a Bolsa recuou apenas 5,7% em 58 dias. No entanto, a recuperação foi lenta e a pontuação anterior levou quatro meses e meio para ser alcançada.
“A saída de capital estrangeiro da Bolsa no coronavírus é porcentualmente maior do que em outras crises. O pequeno investidor local, que não tem muito know how e está passando pela primeira queda, não entende o ajuste de valores que está acontecendo”, diz Fabrizio Velloni, chefe da mesa de câmbio da Frente. “O tempo de recuperação da economia nessa crise vai ser mais alongada do que as outras, entre 24 a 36 meses.”
As empresas, naturalmente, refletem a velocidade da economia para gerar resultado para o investidor. Nos Estados Unidos, a comparação que os especialistas estão fazendo é com o período da Grande Depressão, que é considerada a mais grave crise econômica mundial do Século passado. Para se ter uma ideia, os dividendos (parcela do lucro que as empresas dividem com os acionistas) distribuído pelas companhias americanas será a metade do projetado no fim de 2019 pelos próximos 21 meses. No pós-1929, o recuo foi de 26,7% em 47 meses.
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“Esta crise é diferente das anteriores. Há necessidade de sobrevivência do ser humano, o que afeta todos os mercados”, afirma Fábio Astrauskas, CEO da consultoria Siegen. “A Bolsa é um reflexo disso. A recuperação não virá em semanas. É mais parecida a uma guerra, de longa duração. Por isso, pode ter havido uma acomodação nos 80 mil pontos.”