O dia ainda nem amanheceu, mas a estudante de medicina Vanessa Lopes, de 24 anos, já está de pé para trabalhar: precisa decorar o roteiro para o vídeo, ser maquiada, escolher o figurino, fazer e refazer fotos que ressaltam a imagem que ela quer passar ao seu público-alvo e acompanhar a edição de todo o material. Poucas horas depois, ela entra às pressas no carro para gravar numa cachoeira de Biritiba Mirim, na região metropolitana de São Paulo, antes do sol se pôr. Quem vê até pensa que se trata de uma atriz gravando cenas para um filme ou telenovela. Mas Lopes, na verdade, é criadora de conteúdo em sites adultos, como Onlyfans e Privacy.
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O trabalho, criticado por alguns e assinado por muitos, rende uma quantia que não serve apenas para pagar contas e melhorar o patamar de vida, mas também para bons investimentos. “Eu sempre quis ter uma vida confortável, ter um carro, rodar o mundo, ter meu espaço e dinheiro na conta. Com um emprego tradicional eu morreria no desejo. Era horrível contar grana na bolsa, moeda no fundo da calça, me afundar em dívidas e não saber o que aconteceria comigo em dez minutos ou dez anos depois. Foi uma questão de sobrevivência”, diz.
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Foi quando ela decidiu traçar um plano: começar a cobrar por fotos e vídeos sensuais pelo Telegram e o X (antigo Twitter). Com a entrada nesse universo, em 2019 ela decidiu abandonar o subúrbio e comprar um apartamento novo para aprimorar as gravações no Jardim Europa, bairro nobre da Capital paulista. Um sonho que para ser realizado, segundo dados de cobrança do Imposto sobre Transmissão de Bens (ITBI), é preciso desembolsar R$ 23.061 por metro quadrado. Fora a quantia exigida na entrada, as parcelas mensais eram maiores do que seu salário, o que tornava o negócio inviável.
Depois, Lopes migrou para o Onlyfans, uma plataforma onde pessoas compartilham conteúdos adultos variados, mas que ganhou notoriedade pelos materiais de teor erótico. Em apenas quatro meses, ela conseguiu acumular o suficiente para pagar grande parte do imóvel. “Fiquei assustada à primeira vista. Tudo era muito novo: o interesse do público, a alta demanda, o dinheiro entrando. Minha vida mudou da noite para o dia”, lembra.
Nos últimos anos, muitos brasileiros também aderiram ao serviço como uma forma de aumentar seus ganhos. Fundado em 2016 pelo britânico Tim Stokely, o Onlyfans atrai criadores de conteúdo de diferentes origens, perfis e nacionalidades. Os mais de três milhões de membros do Onlyfans, em sua maioria anônimos, compartilham desde imagens provocativas até vídeos explícitos, gerando receita com a venda de conteúdo exclusivo ou conquistando assinantes.
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Com os pagamentos mensais realizados em dólar, os criadores de conteúdo erótico ficam com 80% do valor arrecadado, enquanto a plataforma retém 20%. Ao todo, segundo os últimos dados divulgados pela Fenix International, controladora da plataforma, a clientela gastou US$ 5,5 bilhões no serviço em 2022.
Quanto dá para faturar no Onlyfans?
Na ponta do lápis, Lopes diz que estima faturar mais de R$ 500 mil por ano pelo seu trabalho em diferentes plataformas. “Quem acha que vai entrar para ganhar dinheiro fácil, quebra a cara”, avisa. “É preciso se reinventar o tempo inteiro, investir no corpo, no rosto, no cabelo, na depilação, ter uma certa ousadia, criatividade e carisma”, enumera. É com o dinheiro do conteúdo que ela diz empregar oito profissionais, como segurança, motorista, cabelereiro e fotógrafo.
Com a vida nos trilhos, como costuma dizer, depois de pagar todo o curso de medicina numa renomada faculdade de São Paulo, e abrigar um Porsche na garagem, ela agora resolveu diminuir a sede por bens materiais e investir o dinheiro em aplicações financeiras. Para isso, contratou uma consultoria especializada em gestão patrimonial. “Eu entendi que não adianta ganhar muito dinheiro e não saber como fazer ele crescer. Por isso, decidi buscar ajuda profissional”, explica.
A criadora de conteúdo diz que diversifica os investimentos entre renda fixa e variável, com foco em uma carteira equilibrada que garanta proteção e rentabilidade. Uma parte dos ganhos está em títulos do Tesouro Direto e em Certificados de Depósito Bancário (CDBs).
“Quem acha que vai entrar para ganhar dinheiro fácil, quebra a cara”. Vanessa Lopes, 24 anos
Mais recentemente, Lopes começou a explorar o mercado de criptomoedas, que atraiu sua atenção pelo potencial de valorização e pela flexibilidade de investimento. “Fui orientada a alocar uma pequena parte dos meus lucros em criptomoedas como bitcoin e ethereum“, diz. Ela também não deixou de lado o desejo de continuar expandindo o patrimônio imobiliário. Com a renda gerada pelas plataformas digitais, ela adquiriu outros dois apartamentos na Capital paulista, um deles já alugado, o que lhe garante uma fonte de renda passiva. “Essa vai ser a minha fonte de aposentadoria. Ter imóveis é uma forma de proteger meu patrimônio e garantir uma renda estável, mesmo se um dia eu decidir diminuir o ritmo ou parar com o conteúdo digital“, reflete.
Seguidores que enchem o bolso
À beira da piscina fazendo selfies para as redes sociais, a dançarina Milena Garcia, de 35 anos, diz que seu único arrependimento foi não ter começado antes a produzir conteúdo. Há quatro anos no Onlyfans, Garcia conquistou, com parte do dinheiro do trabalho na plataforma adulta, uma cobertura luxuosa avaliada em R$ 3 milhões, no Morumbi, Zona Sul de São Paulo.
Apaixonada por autoexibição, a dançarina diz que criar conteúdo erótico é um trabalho que a deixa disposta e feliz e que o ofício não é um problema para seu marido, um empresário americano que era um de seus assinantes. “Em breve, as pessoas vão enxergar como um trabalho qualquer. Vai ser tão comum como fazer faxina ou ser vendedora de loja”, diz.
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Ela cobra US$ 29,99 por assinatura (cerca de R$ 163), dando acesso a vídeos e fotos que compartilha. Por trás da aparente ilusão de dinheiro fácil, existe uma rotina de trabalho exaustiva, marcada pela constante busca por maneiras de agradar os espectadores. “O público quer novidade e por isso tenho que ter uma dieta rigorosa, praticar musculação, nadar e correr”, afirma. “Mas ali estou alimentando a imaginação do meu público. Quando desligo a câmera, tudo fica para trás e volto a ser esposa e mãe”, conta.
Ela mesma cuida da produção e divulgação dos vídeos. E afirma que começou a criar os conteúdos tanto pelo prazer de se exibir quanto pela necessidade de ganhar dinheiro. “É um pouco exaustivo, confesso. Gravo três vezes por semana, cerca de 14 horas por dia. Nos outros dias, foco nas minhas redes sociais e na busca por novos projetos no segmento”, explica.
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No Instagram e no X, onde compartilha imagens sensuais e promove ativamente seu perfil no Onlyfans, a dançarina possui mais de um milhão de seguidores. A repercussão nas redes sociais chegou até familiares e conhecidos. “Tenho parentes que não falam mais comigo, outros que torcem o nariz pelo que eu faço, mas me pedem dinheiro emprestado. Dizem que estou sujando a minha imagem, a reputação da minha filha e que nunca mais vou conseguir emprego se eu continuar nessa vida”.
E é justamente o medo de voltar ao mercado de trabalho tradicional que estimula Garcia a diversificar seus investimentos para assegurar um futuro financeiro sólido. Ela começou a aplicar parte de seus rendimentos em fundos de índice (ETFs, fundos de investimento negociado na bolsa como se fosse uma ação), que oferecem uma maneira diversificada e de baixo risco de investir no mercado financeiro. “Os ETFs são ótimos porque permitem que eu invista em uma variedade de ativos, reduzindo o risco e aumentando o potencial de retorno. A liquidez desses fundos também é excelente, o que me dá flexibilidade”, afirma.
Aconselhada pelo marido, outra estratégia que Garcia adotou foi o investimento em criptomoedas, com foco em ativos promissores e moedas digitais com potencial de valorização. “O mercado de criptomoedas pode ser volátil, mas também oferece oportunidades de lucro. Eu faço uma análise cuidadosa antes de investir e diversifico meus investimentos para minimizar riscos. Quero alcançar minha meta de R$ 5 milhões em investimentos até 2030”, diz.
Público gringo
Foi quando perdeu a bolsa de estudos na faculdade que o goiano Gustavo Lopes, de 23 anos, resolveu entrar no mundo do conteúdo adulto. Conhecido no meio como Rick Sans, ele diz que não enfrentou grandes desafios em termos de aceitação social e familiar. Seus amigos continuaram a apoiá-lo e sua família, embora ciente de sua nova profissão, manteve uma atitude neutra.
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Com a estabilidade financeira adquirida, sobretudo porque afirma não se importar com bens materiais, Gustavo começou a investir em imóveis e lotes, pensando na valorização a longo prazo. Ele vendeu um apartamento para reinvestir o valor em outro, buscando garantir uma base mais sólida para seu futuro financeiro. A estratégia permite que ele tenha maior controle sobre seus recursos, evitando a volatilidade de investimentos mais arriscados e garantindo um patrimônio que tende a valorizar com o tempo.
Percebi que focar em conteúdo para o público estrangeiro no Onlyfans me trouxe uma renda mais consistente”. Gustavo Lopes, 23 anos
O goiano também aposta em viagens para criar conteúdo, especialmente para locais com uma maior concentração de criadores, como São Paulo, e para o mercado internacional. Bastou pouco tempo no ofício para ele descobrir como rechear a conta bancária: focar em assinantes estrangeiros. “Quando você encontra o seu nicho, o retorno financeiro se torna mais estável. Percebi que focar em conteúdo para o público estrangeiro no Onlyfans me trouxe uma renda mais consistente, já que eles têm menos receio de gastar com esse tipo de conteúdo. No início, tentei focar no público brasileiro, mas quando mudei o foco para o público gringo, a rentabilidade aumentou”, diz.
Planejamento financeiro
Para evitar comentários indesejados de conhecidos, alguns criadores preferem manter sigilo sobre seu trabalho, como o personal trainer Matheus Sousa, de 31 anos, que começou a utilizar a plataforma no fim do ano passado. Ele escolheu esse nome apenas para essa atividade. Sua família nem desconfia do que ele faz. “Só um amigo sabe. Minha noiva jamais aceitaria”, diz.
Fotografado do pescoço para baixo e com tarjas no rosto em suas aparições em vídeo, Matheus afirma que o mistério causa uma certa curiosidade aos assinantes, que é o que os mantêm na plataforma. Segundo ele, a vontade de ter uma vida mais confortável e desafogada financeiramente foi a razão pela sua entrada nas plataformas de conteúdo adulto. O personal tem um emprego fixo no Rio de Janeiro, como professor em uma rede de academia, e usa o Onlyfans como uma fonte adicional de renda. “Ganho entre R$ 15 mil e R$ 20 mil por mês”, afirma. Atualmente, ele dedica de três a quatro horas por dia à criação de conteúdo e à interação com seus muitos fãs.
Tudo é produzido por um segundo aparelho celular que ninguém pode saber. “Preciso tomar cuidado o tempo inteiro. Colocar minha cara na tela criaria uma decepção com a minha família. Não teria perdão”, conta. Com a promessa de ficar no ofício até o fim de 2025, Matheus diz que só entrou para “fazer uma grana”. A ideia, conforme ele, é juntar R$ 1 milhão.
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Para acelerar os ganhos, ele decidiu investir em fundos de renda fixa e no mercado de ações. “Tenho estudado muito sobre investimentos, especialmente em fundos de renda fixa, porque eles oferecem uma segurança maior e uma rentabilidade mais previsível. No mercado de ações, busco empresas com bom histórico de dividendos, porque quero ter uma fonte de renda passiva no futuro”, explica.
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Ele menciona que a estratégia consiste em aumentar sua renda mensal, mas também garantir que o dinheiro gerado seja investido de forma inteligente para que possa ter mais tranquilidade financeira a longo prazo. “Eu vejo isso como uma maneira de construir um patrimônio. Não estou apenas gastando o que ganho; estou fazendo o dinheiro trabalhar por mim. Quando eu parar com o conteúdo adulto, quero uma base sólida com investimentos e que me permita viver bem sem preocupações”, diz.
O personal diz que o planejamento financeiro deve ser feito desde o primeiro dia dos ganhos, especialmente em uma profissão onde a estabilidade não é garantida. “Não podemos depender apenas de uma fonte de renda, ainda mais quando ela envolve tanto risco”, afirma.
Quanto mais cedo começar, melhor
Especialistas ouvidos pelo E-Investidor são unânimes em afirmar que a chave para a sustentabilidade financeira do criador de conteúdo está na redução de gastos fixos e na diversificação de investimentos para assegurar a liquidez e estabilidade necessárias. Eles sugerem o uso de ferramentas de controle financeiro, como planilhas e aplicativos, além de recomendarem buscar orientação de consultores financeiros ou assessores de investimento para um planejamento financeiro mais estruturado.
Cerca de 20% da renda, explicam, deve servir para momentos de emergência, como em casos de doenças ou baixa procura. Essa reserva deve cobrir de 6 a 12 meses de despesas mensais, considerando as possíveis flutuações na receita.
A construção de um patrimônio sólido voltado para o longo prazo é uma boa estratégia para quem deseja se proteger contra flutuações negativas, segundo o professor do Insper e sócio do Instituto Expertise, Fábio Moraes. Para ele, a criação de uma carteira de investimentos deve abranger desde opções de renda fixa, que continuam atrativas, até investimentos em renda variável, como ações e criptomoedas, além de fundos multimercados. “A característica da renda variável indica, justamente, a imprevisibilidade para não ser pego de surpresa quando a renda diminuir”, diz.
Essa diversificação é importante para que aqueles que ganham dinheiro no Onlyfans ou outros sites semelhantes não dependam de uma única fonte de rendimento. Segundo Moraes, é interessante manter dois tipos de reservas: uma destinada ao curto prazo, para cobrir despesas nos meses de baixa, e outra voltada ao longo prazo, visando à construção de um patrimônio.
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Para quem foca no longo prazo, é recomendável também considerar o investimento em imóveis, especialmente aqueles voltados para locação. “Muitos investidores estão comprando estúdios para alugar, o que garante um patrimônio e proporciona uma renda mensal estável”, comenta.
O professor da Fia Business School, Marcos Piellusch, diz que a alocação entre renda fixa e variável deve ser ajustada com base na volatilidade da renda. “Uma sugestão prática é manter a maior parte dos recursos em renda fixa (cerca de 70% a 80%) para garantir estabilidade e segurança, enquanto o restante pode ser alocado em renda variável, considerando o perfil de risco do investidor e o horizonte de tempo. Quando a renda é mais incerta, a prioridade deve ser a liquidez e a segurança, reduzindo a exposição a ativos de maior risco”, afirma Piellusch.
Títulos do Tesouro Direto atrelados ao Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que oferecem proteção contra a inflação e alta liquidez, é a recomendação do professor de MBA em finanças corporativas, auditoria e controladoria da Universidade Tiradentes, Luís Carlos Beltrami. Ele destaca que esses títulos permitem o resgate rápido por meio do mercado secundário (negociações antes do vencimento), proporcionando uma forma de acessar o capital sem grandes perdas.
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A gestão de impostos e o planejamento previdenciário são outros aspectos que não podem ser negligenciados pelos criadores de conteúdo do Onlyfans e Privacy. Ter uma empresa é essencial, e optar por um modelo de tributação mais favorável, como o Simples Nacional, pode resultar em uma carga tributária menor, conforme os especialistas. Beltrami recomenda a inclusão de uma previdência privada como uma forma de complementar o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Ele compara a situação de criadores de conteúdo adulto com a de atletas, sugerindo que ambos os grupos precisam planejar uma aposentadoria antecipada devido às possíveis limitações de suas carreiras.