Criptomoedas

Custo energético levanta debate sobre produção de criptomoedas

Parte da energia utilizada pela rede que registra os negócios é derivada da queima de combustíveis fósseis

Custo energético levanta debate sobre produção de criptomoedas
Popularização do bitcoin vem a um custo alto que ambientalistas consideram incompatível com os esforços de combate às mudanças climáticas. Foto: Pixabay
  • O bitcoin demanda um nível elevado de gasto energético: uma única transação requer o uso de 2.207,77 Kw por hora, o que equivale ao consumo médio de uma família americana por 75,67 dias
  • O mercado tem buscado soluções para reduzir a pegada de carbono dos criptoativos e responder às críticas, mas a estrutura de funcionamento do sistema dificulta soluções
  • A RMI, um think tank da Califórnia que propõe ideias para conter as alterações no clima, trabalha para tentar acelerar a descarbonização da indústria

André Marinho – Na mais de uma década desde que foi concebido, o bitcoin progrediu de instrumento de pagamento obscuro, primariamente usado no mercado negro, para romper as barreiras do sistema financeiro tradicional. Só no último ano, grandes bancos criaram divisões para a negociação de criptomoedas, reguladores americanos autorizaram a criação de ETFs (Fundo negociado em bolsas) futuros do ativo e a Visa lançou um cartão de crédito que converte a moeda digital em real.

Mas essa popularização vem a um custo alto que ambientalistas consideram incompatível com os esforços de combate às mudanças climáticas. É que o bitcoin demanda um nível elevado de gasto energético: uma única transação requer o uso de 2.207,77 Kw por hora, o que equivale ao consumo médio de uma família americana por 75,67 dias, segundo cálculos do site Bitcoin Energy Consumption. Boa parte da energia utilizada pela rede que registra os negócios, a blockchain, é derivada da queima de combustíveis fósseis, os principais vilões do aquecimento global.

No ano passado, a Tesla desistiu dos planos de aceitar a divisa virtual como meio de pagamento depois que o CEO da empresa, Elon Musk, expressou preocupação com o “crescente uso de combustíveis fósseis” no setor, principalmente carvão. “Criptomoeda é uma boa ideia em muitos níveis, mas isso não pode vir a um grande custo para o meio ambiente”, criticou.

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No início de fevereiro, o Conselho de Estabilidade Financeira (FSB, na sigla em inglês), órgão ligado ao G20, divulgou um relatório em que adverte para os riscos da popularização dos criptoativos para o equilíbrio do sistema financeiro global. Entre os alertas, a entidade cita a ameaça ecológica de ativos como o bitcoin.

O mercado tem buscado alternativas para reduzir a pegada de carbono dos criptoativos e responder às críticas, mas a estrutura de funcionamento do sistema dificulta soluções. O bitcoin é um veículo para transações financeiras sem a necessidade de intermediários. Quando uma pessoa faz um compra com um cartão de crédito, a operação é registrada por um ente central – Mastercard ou Visa, por exemplo. No caso do bitcoin, o negócio é validado em uma espécie de livro-razão – a blockchain -, uma rede descentralizada de computadores.

A validação é conduzida pelos chamados mineradores, que devem resolver uma equação criptográfica, cuja solução é recompensada. O primeiro a solucionar a questão recebe um retorno. Esse processo, conhecido como “proof of work”, demanda um volume imensurável de máquinas para funcionar. “Você precisa resolver um problema matemático para validar as transações, feito por tentativa e erro, e esse processo demanda muita energia”, explica o gestor de portfólio da gestora de criptoativos Hashdex, João Marco Cunha. “O bitcoin acaba precisando de mais energia até pelo tamanho dele em comparação com outras criptomoedas”, acrescenta.

Já existem no mercado alternativas a esse modelo intensivo em energia computacional. A principal delas é o “proof of stake”, em que o agente utiliza suas criptomoedas como uma garantia para validar a transação. Nesse caso, os validadores são escolhidos de maneira aleatória e não há necessidade de disputa para decifrar o problema.

Acordo Cripto do Clima

No entanto, o diretor do programa de inteligência climática da Rocky Mountain Institute (RMI), Paolo Natali, ressalta que mudar o protocolo de consenso não é uma alternativa ao bitcoin, o que dificulta tentativas de reduzir seu consumo energético. “Mas é possível reduzir (ou zerar) sua pegada de carbono mudando o uso de energia associado para fontes renováveis”, explica, em entrevista ao Broadcast.

A RMI, um think tank da Califórnia que propõe ideias para conter as alterações no clima, trabalha para tentar acelerar a descarbonização da indústria. Em parceria com a Energy Web e a Alliance for Innovative Regulation, a instituição criou o Acordo Cripto do Clima, inspirado no Acordo de Paris. Até o momento, a iniciativa reúne 250 signatários, entre empresas e indivíduos do setor, que se comprometem a neutralizar as emissões de carbono até 2030.

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“A ideia por trás disso é trabalhar em colaboração com a indústria de criptomoedas e blockchain para acelerar o desenvolvimento de soluções digitais, a fim provar atributos verdes e estabelecer um novo padrão para outras indústrias seguirem”, destaca Natali.

O projeto visa criar um plano que incentive transparência sobre a quantidade de carbono emitida pelas atividades, além de estabelecer boas práticas que asseguram a queda das emissões. Na visão de Natali, o acordo funciona como um “antídoto” ao greenwashing, a tentativa de empresas de caracterizar produtos ou atividades como ambientalmente corretos, mesmo que não sejam. “Ao padronizar as práticas contábeis, nosso guia serve para provar que as alegações de sustentabilidade são legítimas”, avalia.

Críticos das criptomoedas são céticos em relação à efetividade de propostas como essa, se não houver mudanças estruturais. Em entrevista ao Financial Times no início deste ano, o vice-presidente da Autoridade Europeia de Valores Mobiliários e Mercados (ESMA, a CVM europeia), Erik Thedéen, defendeu que a mineração pelo modelo “proof of work” seja complemente banida, o que inviabilizaria o bitcoin.

A China, por sua vez, proibiu esse tipo de operação no ano passado, em parte para ajudar na meta de neutralizar as emissões de carbono até 2060. Para a consultoria norueguesa Rystad Energy, como a matriz energética chinesa é altamente dependente do carvão, considerado o vilão das mudanças climáticas, a decisão ajuda a diminuir a emissão total de carbono no mundo. “Ainda faz sentido que o governo chinês reduza a produção de criptomoedas, pois a intensidade energética dessa atividade é muito alta”, analisa o líder de pesquisa sobre energia e gás da Rystad, Carlos Torres Diaz, em relatório.

Paolo Natali, da RMI, acredita que a solução de longo prazo para o dilema é a criação de mecanismos que incentivem o uso de fontes de energia renováveis para garantir a viabilidade do mercado cripto. “O mercado precisa entender o que significa alimentar uma transação de bitcoin e projetar um sistema de soluções que ao longo do tempo incentive o uso de energia renovável na validação de transações, a mudança para métodos de validação menos intensivos em gases do efeito estufa e assim por diante”, reitera.

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