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Investimentos

A força do cripto-lobby

As empresas de ativos digitais começam a ser levadas a sério – inclusive em Washington

A força do cripto-lobby
Logotipo da Coinbase exibido na Times Square, em Nova York. Foto: REUTERS/Shannon Stapleton
  • Junto com a gestora Fidelity, a empresa de pagamentos Square e a companhia de investimentos Paradigm, a Coinbase fundou uma nova associação cuja missão é “dar vida à promessa transformadora das criptomoedas”
  • O Crypto Council for Innovation (Conselho Cripto para Inovação, ou CCI) espera exercer influência sobre políticas que são fundamentais para ampliar o uso de criptomoedas em conjunto com finanças tradicionais
  • A iniciativa abre uma nova frente de batalha na guerra da regulação – ou da falta dela – para criptoativos. E as linhas dos diferentes exércitos começam a ser traçadas agora

(Ephrat Livni/The New York Times) – Uma semana antes da avassaladora entrada da Coinbase em Wall Street, no dia 14 de abril, a bolsa de criptomoedas participou de um lançamento bem mais discreto, porém mais simbólico, realizado em Washington, D.C. É isso mesmo: estamos falando de lobistas.

Junto com a gestora Fidelity, a empresa de pagamentos Square e a companhia de investimentos Paradigm, a Coinbase fundou uma nova associação cuja missão é “dar vida à promessa transformadora das criptomoedas”. O Crypto Council for Innovation (Conselho Cripto para Inovação, ou CCI) espera exercer influência sobre políticas que são fundamentais para ampliar o uso de criptomoedas em conjunto com finanças tradicionais.

Por extensão, o efeito seria aumentar os negócios dos integrantes do grupo. A iniciativa abre uma nova frente de batalha na guerra da regulação – ou da falta dela – para criptoativos. E as linhas dos diferentes exércitos começam a ser traçadas agora.

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As criptomoedas ainda são consideradas ativos de especulação. Alguns especialistas, porém, acreditam que o Bitcoin e outras tecnologias blockchain vão se tornar essenciais para o sistema financeiro. Muitos viram na bem-sucedida abertura de capital da Coinbase (avaliada em US$ 86 bilhões, bem mais do que o valor atribuído a operadores de ações e títulos) um sinal de que essa transformação já está em curso. No mínimo, o interesse dos investidores pela Coinbase obriga os tradicionalistas a levar a sério as moedas digitais e tecnologias afins, que até recentemente podiam ser desprezadas.

Mas o êxito da Coinbase pode acabar também atraindo os holofotes das autoridades reguladoras. “A atenção às nossas atividades vai aumentar”, disse o CEO da empresa, Brian Armstrong, em entrevista à CNBC. “Estamos animados e felizes por respeitar as regras do jogo”, continuou ele, acrescentando que a regulação das criptomoedas deve ser feita em “condições de equilíbrio com o setor de serviços financeiros tradicionais”.

As cripto-empresas gostam de se gabar da própria capacidade de romper com o status quo. Em Washington, no entanto, a história é diferente. Na capital americana os lobistas precisam seguir um roteiro pré-estabelecido. Com efeito, uma das rotas para a Coinbase atingir sua atual grandeza foi reconhecer que mesmo os renegados pelo universo de câmbio de moedas têm de ser bonzinhos com as autoridades, ajudando a criar o ambiente regulador hospitaleiro que permitiu transformar os executivos da Coinbase em bilionários.

Desde 2015, a empresa gastou mais de US$ 700 mil em lobby oficial junto ao governo, conforme dados do Center for Responsive Politics.

A Coinbase já vinha cooperando com outras empresas de criptoativos para promover o avanço das causas que defende – embora observadores da indústria afirmem que o lançamento do Crypto Council pode expor uma fissura com potencial para se transformar numa grande cisão.

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Participantes do setor, especialistas, lobistas e até quem é alvo do lobby sabe que o atual momento é decisivo para o mundo cripto e seus influenciadores. O sucesso ou o fracasso das novas tentativas de convencer os legisladores vai determinar se as regras levarão à aceleração dessa corrida pelo ouro – ou a uma freada.

O que está em jogo?

Quatro questões centrais têm mantido os cripto-lobistas ocupados:

Reputação. A sensação de que as criptomoedas facilitam contravenções é citada com alguma frequência por legisladores e autoridades do setor e continua sendo um importante obstáculo para atingir legitimidade. O primeiro estudo encomendado pelo Crypto Council para publicação analisa o uso ilícito de Bitcoins, e conclui que as preocupações são “consideravelmente exageradas”. Segundo o relatório, autoridades policiais poderiam fazer melhor uso da tecnologia blockchain para impedir crimes e trabalhar na área de inteligência.

Exigências de divulgação de informações. Novas regras para impedir a lavagem de dinheiro, aprovadas este ano, aumentam consideravelmente o escopo das informações que precisam ser divulgadas. O Tesouro americano também propôs normas que exigiriam relatórios detalhados para transações com valor superior a US$ 3 mil envolvendo carteiras digitais que não estejam associadas a nenhuma instituição financeira terceirizada.

A proposta também obrigaria as instituições que trabalham com criptomoedas a processar mais dados. Recentemente, a Financial Action Task Force (Força-Tarefa para Medidas Financeiras), agência intergovernamental que fiscaliza e estabelece padrões, lançou a versão provisória de um guia sobre ativos virtuais, que exigiria a divulgação de mais informações pelos prestadores desse tipo de serviço.

Dúvidas sobre a natureza do ativo: Em que situações um ativo digital deve ser considerado um valor mobiliário e em que situações deve ser considerado commodity? Embora essa pergunta não seja exatamente uma charada, há tempos ela intriga agências reguladoras e inovadores do setor. Bitcoins e outras criptomoedas lançadas por uma rede descentralizada costumam ser caracterizadas como commodities, e estão sujeitas a regulações menos severas do que valores mobiliários (que representam participação numa empreitada).

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Já os tokens lançados por pessoas e empresas têm uma probabilidade maior de serem caracterizados como valores mobiliários, uma vez que frequentemente representam participação no projeto do emissor.

– Em dezembro, a Securities and Exchange Commission (SEC, a comissão de valores mobiliários dos Estados Unidos) processou a Ripple Labs, acusada de vender valores mobiliários sem registro por meio de um token chamado XRP. A Ripple insiste em afirmar que o XRP é uma commodity. O veredito desse caso pode se tornar um divisor de águas para situações futuras em que seja preciso definir o que são as criptomoedas.

– No início de abril, Hester Peirce, da SEC, publicou uma proposta atualizada de “safe harbor” – uma espécie de “presunção de regularidade”. A proposta daria aos desenvolvedores um período de carência para emitir um token sem o temor de receberem uma definição equivocada e também para comunicar às autoridades reguladoras. Segundo Peirce, “a ideia é que as pessoas tenham uma janela de três anos”.

Acompanhar os chineses. O governo da China já está fazendo experiências com uma moeda digital do banco central – um yuan virtual. Com isso, a China pode se tornar o primeiro país a criar uma moeda digital, embora outros estejam considerando dar esse passo. Alguns defensores dos critpoativos estão preocupados, pois acreditam que a afobação chinesa pode ameaçar o dólar, a segurança nacional americana e a competitividade dos Estados Unidos.

Um encontro no lobby

“Qualquer setor novo tem dificuldades para entender as engrenagens de Washington”, diz Peirce, da SEC. No caso do mundo cripto, a situação fica ainda mais complexa: o objetivo dessas empresas é entrar numa indústria altamente regulada (a de serviços financeiros), e além disso é preciso ir aos gabinetes discutir tecnologias que poucas autoridades realmente entendem.

Desde que entrou para a SEC, em 2018, Peirce tem apoiado abertamente o blockchain, tanto nos corredores dos poderosos quanto nos círculos do pessoal que trabalha com moedas digitais. Ela não tem medo de dizer o que pensa sobre temas como o momento em que finalmente os Estados Unidos terão um fundo Bitcoin negociado em bolsa. (Talvez ainda demore um pouco, acredita ela, mas não muito.)

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À medida que o setor amadurece, algumas coisas serão mais fáceis – mesmo que a paisagem dos participantes fique mais complexa. Peirce afirma que as empresas de blockchain poderão conversar com reguladores cada vez mais fluentes nessa língua. É o caso de Gary Gensler, novo presidente da SEC e ex-professor do Massachusetts Institute of Technology, onde dava aulas sobre criptomoedas. (Por coincidência, Gensler foi aprovado pelo Senado para o novo cargo no mesmo dia do IPO da Coinbase).

No congresso, entretanto, a conversa é diferente. Uma assessora do diretor do Comitê Bancário do senado, Sherrod Brown (democrata pelo estado de Ohio), conta que os parlamentares se reúnem com frequência com diferentes defensores do blockchain.

“Acreditamos que as criptomoedas têm vários problemas”, diz ela. Segundo a assessora, as preocupações são relativas à proteção dos direitos do consumidor e ao meio ambiente; aos riscos impostos ao sistema financeiro; e a alegações não-comprovadas de que as criptomoedas democratizam o universo financeiro.

“De maneira geral, as pessoas que se interessam por criptomoedas não são do tipo que rala em dois empregos para garantir comida na mesa”, prossegue a assessora. E o recente frenesi cripto-especulativo mostra que esse mundo “definitivamente não é para o trabalhador americano comum”.

Na mesma linha, o deputado Tom Emmer, republicano de Minnesota que integra o comitê de Blockchain do congresso, conta que trabalhou com vários defensores de criptoativos para desenvolver propostas que ele considera inteligentes. Mas, segundo Emmer, um dos principais obstáculos é o desconhecimento de colegas parlamentares sobre a tecnologia em questão. Para que as leis sejam eficazes, essa defasagem precisa ser contornada.

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“Os empreendedores americanos precisam de diretrizes claras e coerentes, mas isso não está acontecendo porque o governo não tem muita informação sobre o assunto”, continua o deputado. “Isso cria muita incerteza regulatória e tem impactos reais sobre as criptomoedas, a tecnologia blockchain e o desenvolvimento de fintechs como um todo”.

Quem é quem no cripto-lobby

Principais envolvidos:

– Association for Digital Asset Markets (Associação dos Mercados de Ativos Digitais): Fundada em 2018, tem 17 membros. É composta por empresas de investimento em criptomoedas e fornecedores de serviços relacionados, que concordam em aderir a um código de conduta para os participantes do mercado. “Desenvolvemos melhores práticas para o setor com o objetivo de favorecer mercados de ativos digitais mais seguros e eficientes”.

– Blockchain Association (Associação Blockchain): Fundada em 2018, tem 35 membros. É formada por empresas nascidas na era Blockchain e já chegou a incluir a Coinbase. Divide-se em grupos de trabalho sobre diversos temas. “A voz unida do setor de blockchain e criptomoedas”.

– Chamber of Digital Commerce (Câmara de Comércio Digital): Fundada em 2014, tem mais de 200 membros. Mistura serviços financeiros e de criptoativos e tem grupos que vão de estruturas de token a contratos inteligentes, passando por padrões contábeis. “A voz unida do ecossistema de tecnologia blockchain”.

– Coin Center: Fundado em 2014. Centro de pesquisas voltado para políticas e educação sobre o tema. Conquistou credibilidade graças à experiência (relativamente) longa no setor. “A principal organização sem fins lucrativos voltada para políticas de criptomoedas”.

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– Crypto Council for Innovation (Conselho Cripto para Inovação): Fundado em 2021, tem quatro membros (Coinbase, Fidelity, Paradigm e Square). Trabalha para unir o mundo das criptomoedas e o das finanças tradicionais. “Trabalhamos para dar vida à promessa das criptomoedas”.

– Virtual Commodity Association (Associação de Commodities Virtuais): Fundada em 2018, tem dois membros (bitFlyer e Gemini). Organização sem fins lucrativos que tem os gêmeos Winklevoss entre seus fundadores, conhecidos por processar Mark Zuckerberg por causa do Facebook. O objetivo é estabelecer uma estrutura de autorregulação para os mercados de criptoativos. “Incentivo à proteção do consumidor e à integridade dos mercados de commodities virtuais”.

Como a nova associação pode mudar o cripto-lobby

Há tempos a Coinbase coopera com outras empresas da área para fazer avançar, nos corredores de Washington, a causa comum do setor. Antes de fundar o Crypto Council, ela integrou a Blockchain Association – que se manifestou, junto com outros grupos de defesa e outras empresas, contra as regras para transações em carteiras digitais propostas em 2020 pelo ex-Secretário do Tesouro Steven Mnuchin, cujo objetivo era combater a lavagem de dinheiro.

A Associação bombardeou as autoridades com comentários e cartas e ameaçou entrar na justiça alegando que o processo de apresentação da proposta impunha exigências súbitas e onerosas para o setor de criptomoedas, que não são aplicadas ao dinheiro comum. A campanha garantiu aos cripto-defensores mais tempo para agir – e a oportunidade de fazer lobby junto ao novo governo, que assumiu no início deste ano.

Em meados do ano passado a Coinbase saiu da Blockchain Association depois que alguns membros votaram a favor da inclusão da concorrente Binance.

O diretor jurídico da Coinbase, Paul Grewal, diz que a nova associação representa uma evolução na visão da empresa para a defesa do setor. “Agora entendemos que tanto as empresas de criptoativos quanto a indústria financeira precisam falar com uma única voz”, afirma ele. O Crypto Council também pretende focar mais em políticas globais do que outras associações da área. No entanto, talvez a grande diferença do novo grupo esteja em seus membros, que são pesos-pesados.

Justamente por isso é possível que o Crypto Council seja mais influente em Washington. O  surgimento do novo grupo ilustra ainda a possibilidade de um racha nos interesses da categoria – embora o conselho afirme que a cooperação entre diferentes associações de cripto-lobby deve continuar, mesmo diante da multiplicação nas fileiras. Grewal insiste em dizer que os grupos são complementares.

Em sua curta história, o setor já superou vários obstáculos e convenceu céticos, afirma Marvin Ammori, integrante do conselho da Blockchain Association e diretor jurídico do Uniswap Labs, uma bolsa descentralizada de criptomoedas.

Agora, o desafio é garantir que as principais autoridades sejam capazes de acompanhar a tecnologia – o mais rápido possível. “O cripto está crescendo em alta velocidade”, diz Ammori. “Existem rivalidades e talvez alguns momentos de discordância, mas, de maneira geral, estamos todos remando na mesma direção”. / Tradução de Beatriz Velloso

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