- Boa parte dos fundamentos macroeconômicos que sustentavam projeções otimistas e de recorde do Ibovespa para 2024 se deterioraram
- Inflação ainda forte adia primeiro corte de juros nos EUA, que pode sair apenas em setembro, enquanto mudanças na meta fiscal brasileira causaram pânico entre investidores brasileiros
- Bolsa caiu, o dólar disparou e os juros futuros voltaram a subir. Agora o mercado começa a recalcular as projeções feitas na virada de 2023 para 2024
“Essa festa virou um enterro”. O famoso meme da internet poderia ser utilizado para resumir os últimos quatro meses do mercado financeiro brasileiro, que saiu da euforia de um recorde histórico do Ibovespa ao final de 2023 para chegar em abril deste ano com uma queda de 7% na Bolsa e o maior valor do dólar em 13 meses.
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Boa parte dos fundamentos macroeconômicos que sustentavam projeções otimistas para 2024 se deterioraram. Agora, a dúvida é se ainda há espaço para um cenário mais positivo se materializar, mesmo que mais para frente.
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O grande tema para os mercados este ano é o ciclo de corte de juros dos Estados Unidos. Nos meses finais de 2023, especialmente entre novembro e dezembro, as Bolsas globais viveram um verdadeiro rali com a expectativa de que o Federal Reserve (Fed), o banco central americano, começaria a reduzir a taxa já em março de 2024 – uma projeção que se mostrou infundada à medida que novos dados de inflação e de atividade econômica foram sendo divulgados.
O índice de preços ao consumidor (CPI, na sigla em inglês) dos EUA vem, mês a mês, acima das projeções. Os dados de março, divulgados na semana passada, mostraram uma alta de 0,4% na inflação americana, mesmo valor registrado em fevereiro. Com isso, a inflação anualizada alcançava os 3,2%, ainda acima da meta de 2% ao ano do Fed.
Gustavo Sung, economista-chefe da Suno, destaca que a euforia relacionada a um corte de juros nos EUA ainda em março foi “demasiada” e “precipitada”. Ainda assim, o humor do mercado foi piorando à medida que a possibilidade de que o ciclo de afrouxamento monetário passou para junho, julho e, agora, setembro.
“Os dados de atividade econômica estão vindo mais fortes do que o mercado e os economistas projetavam. A inflação, que esperava-se que desse mais sinais de desaceleração, voltou a acelerar nos últimos dados do CPI e está em um patamar que ainda não dá segurança suficiente para o banco central norte-americano inicie ou sinalize um corte de juros”, explica.
As taxas dos títulos da renda fixa americana, as Treasuries, de 10 anos voltaram aos 4,5%, depois de cederem a 3,8% ao final de 2023. Com a “concorrência” do investimento considerado um dos mais seguros do mundo, o fluxo global de investidores migrou para os Estados Unidos. Até o início de abril, a saída de capital gringo da B3 já somava US$ 22 bilhões; um dos principais motivos pressionando a má performance do Ibovespa.
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Mas o cenário macroeconômico no exterior não foi o único pilar daquelas projeções otimistas que ruiu. O tão discutido fiscal brasileiro, que ditou os rumos do mercado em 2023 e era considerado ao menos sob controle pelo mercado, também se deteriorou.
O segundo pilar ruindo: o fiscal
Na segunda-feira (15), o ministro da Fazenda Fernando Haddad modificou a meta fiscal de 2025 de superávit de 0,5% do PIB para déficit zero. Para alguns agentes do mercado, a mudança enterra o novo arcabouço fiscal, que já não tinha tanta confiança entre economistas e analistas devido à dependência do aumento de receita, sem contrapartida de corte de gastos. O tema caiu como uma bomba no mercado brasileiro, já sensibilizado pelos juros nos EUA e os ataques entre Irã e Israel do final de semana.
É um “choque sobre choque”, define Dalton Gardiman, economista-chefe da Ágora Investimentos. Sem a questão fiscal, talvez o cenário macro não pesasse tanto ou vice-versa.
“Em situações iniciais isoladas, o mercado prontamente encontra o novo equilíbrio. Mas o que está acontecendo é que já estávamos preocupados com uma coisa e chegou outra, são efeitos interligados”, diz Gardiman. “A percepção em relação ao Fed é um fator, mas o abandono do esforço fiscal, unido ao fato de que não existe qualquer tentativa de controle de gastos, também explica a mudança de parametrização”.
Com as mudanças fiscais no radar, o mercado brasileiro abraçou o pessimismo. Os juros longos dispararam e as taxas dos títulos do Tesouro Direto bateram o famoso “IPCA + 6%”, um juros encontrado especialmente em momentos de crise. O dólar disparou para o maior valor desde março de 2023 e, na terça-feira (16), superou os R$ 5,27.
Já o IBOV acumulou uma queda de 1,41% nos três primeiros pregões da semana. Isso foi suficiente para acentuar a desvalorização anual do índice para 7,46%, aos 124.171,15 pontos no fechamento desta quarta-feira (17).
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Flávio Conde, head de renda variável da Levante Ideias de Investimento, explica que a mudança na meta fiscal acende um alerta em relação à relação da dívida PIB do País, uma dúvida que fez os juros longos brasileiros dispararem. Como as ações são avaliadas frente a uma taxa de desconto, o aumento dos juros futuros faz o preço dos ativos caírem mesmo que os fundamentos microeconômicos permaneçam inalterados. “Toda essa essa frustração na Bolsa é única e exclusivamente fruto dessa parte macro. Inclusive, muitas ações caíram excessivamente”, destaca.
O que começa a ser revisado
Para além de toda a volatilidade, o aumento de incertezas em relação ao cenário macro deu início a um movimento de revisão das projeções para os próximos anos. Na virada de 2023 para 2024, boa parte das estimativas de alta para o Ibovespa tinha como base algumas premissas: um ambiente fiscal controlado, o início dos cortes de juros nos EUA em março, no mais tardar em junho; e uma Selic terminal de 9,0% ao ano ou menos ao final de dezembro.
Agora, até mesmo a duração do ciclo de queda da taxa de juros no Brasil está em xeque. Com a moeda nas alturas e os juros americanos travados, o BC pode ter pouco espaço para dar continuidade ao ritmo de cortes de 0,50 ponto percentual nas reuniões do 2º semestre. É o que pensa o Itaú BBA, um dos primeiros a recalcular a rota em um relatório publicado na última sexta-feira (12), defendendo maior cautela com o cenário para Brasil frente aos desafios globais.
O BBA elevou a taxa terminal de 2024 de 9,25% para 9,75% ao ano, com a expectativa de que o BC reduza o ritmo de cortes a partir de junho. “Um cenário global mais desafiador, com desinflação mais lenta, adiamento e redução do orçamento dos cortes de juros em economias desenvolvidas e incertezas domésticas (com maior pressão em preços de serviços mais sensíveis ao desempenho do mercado de trabalho e expectativas desancoradas) limitarão de forma mais intensa os cortes de juros”, diz o relatório.
No documento, Mario Mesquita, economista-chefe do BBA, explica que o novo adiamento do início do ciclo de corte de juros nos EUA pressiona a moeda brasileira. Por isso, o banco aumentou a projeção para o dólar de R$ 4,90 para R$ 5,00 ao final de 2024, e de R$ 5,10 para R$ 5,20 em 2025.
Com as incertezas em relação ao futuro das taxas de juros nos EUA e no Brasil, aquelas projeções para o Ibovespa feitas no início do ano começam a ficar mais difíceis de serem alcançadas. Como mostramos aqui, no final de 2023, algumas casas e bancos de investimento projetavam que o índice de referência da Bolsa brasileira poderia encerrar 2024 entre 140 mil ou 150 mil pontos.
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Uma pesquisa feita pelo Bank of America com gestores de fundos da América Latina, divulgada nesta terça-feira (16), mostra que esse otimismo diminuiu: em março, 36% dos entrevistados viam o Ibovespa acima dos 140 mil pontos ao final deste ano. Agora, em abril, a parcela de gestores otimistas caiu para 28%.
Isso não significa, no entanto, que as estimativas positivas para as ações brasileiras saíram do radar. O entendimento geral é que os fundamentos microeconômicos ainda são bons, a Bolsa segue sendo negociada abaixo de múltiplos históricos e ainda pode se beneficiar da volta do apetite a risco de investidores estrangeiros no momento em que o ciclo de queda de juros nos Estados Unidos finalmente começar. Na prática, é como se as projeções tivessem sido adiadas, mas não completamente suspensas.
“Quando houver mais clareza em relação à política monetária norte-americana em relação ao corte de juros pode ser um gatilho para termos uma performance mais positiva da Bolsa. Um corte de juros por lá pode levar os investidores a buscarem outros mercados e o Brasil está bem posicionado para receber”, destaca Gustavo Sung, da Suno.
O ponto chave para a performance da Bolsa continuará sendo o corte de juros nos EUA. Se a inflação americana começar a ceder, permitindo que a taxa seja reduzida em setembro, como acredita hoje boa parte do mercado, as projeções que eram para o início de 2024 – melhora do humor global, volta do fluxo estrangeiro na B3, alta do Ibovespa – podem começar a se concretizar.
Do contrário, se o segundo semestre de 2024 começar sem maior clareza em relação a este tópico, e ainda com incertezas fiscais no Brasil, a performance pode continuar sendo negativa. “Não temos certeza se o Fed vai mesmo cortar os juros em setembro. Por enquanto, a alta parece adiada para o quarto trimestre. Mas se não tiver corte de juros lá fora, a Bolsa deve andar de lado”, diz Flávio Conde, da Levante.
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