Comportamento

Elon Musk quer que você saiba que ele não tem uma casa maravilhosa

Tesla e Musk entraram em conflito com as regulamentações federais que exigem a divulgação de benefícios dos executivos

Elon Musk quer que você saiba que ele não tem uma casa maravilhosa
Elon Musk em discurso da Tesla. (Aly Song/Reuters)

Elon Musk quer deixar muito claro que não está construindo uma casa sofisticada com paredes de vidro para si mesmo em Austin.

“Não estou construindo nenhuma casa, muito menos uma com paredes de vidro!”, tuitou o empresário bilionário na última semana. “Só quero reiterar que não há casa com paredes [ou teto] de vidro (metáforas não contam hahaha) construída, em construção ou nos planos!”, acrescentou.

Esses foram dois dos pelo menos oito tuítes que Musk publicou durante dois dias negando a informação de uma reportagem do Wall Street Journal de que promotores e agências federais estão investigando a possível apropriação indébita de dinheiro da Tesla (NASDAQ: TSLA) para construir uma residência pessoal sofisticada para seu CEO.

O jornal publicou anteriormente em julho, citando fontes anônimas, que a Tesla tinha iniciado uma investigação interna sobre um “projeto 42” secreto, que previa um “imóvel impressionante com paredes de vidro” perto da sede da empresa e tinha sido “descrito internamente” como uma casa para Musk.

Em questão, aparentemente, está se a Tesla e Musk entraram em conflito com as regulamentações federais que exigem a divulgação de benefícios dos executivos. Entretanto, também está a mais recente reviravolta de uma longa saga de fascínio coletivo em relação ao lugar onde o barão da tecnologia dorme – um encantamento que Musk frequentemente alimentou ao longo dos anos.

Desde a década de 1990, quando ele supostamente disse que dormia no chão do escritório de sua primeira startup em Palo Alto, na Califórnia, Musk tem nutrido um mito de herói. Segundo ele, o bilionário é um homem tão consumido por sua missão – seja construindo um site para listagens de empresas, desmamando o mundo dos combustíveis fósseis, tornando a civilização interplanetária ou o que quer que esteja fazendo na empresa anteriormente conhecida como Twitter – que ele não tem tempo para necessidades humanas básicas, como dormir ou ter uma casa.

Musk costuma usar essa imagem de sacrifício heroico, em conjunto com suas promessas frequentes de produtos que vão mudar o mundo em breve, para justificar a orientação dada aos funcionários de colocarem o trabalho acima das próprias necessidades, pois impõe prazos extremamente ambiciosos. E ele se vale dela como uma defesa quando surge uma situação difícil.

Em 2016, com a Tesla sob pressão pelo lançamento fracassado do SUV Model X e pela aquisição da empresa de painéis solares dos primos de Musk, o bilionário disse à Bloomberg que estava dormindo num saco de dormir na fábrica da empresa em Fremont, na Califórnia. E anunciou o lançamento do Model 3, um carro que, segundo ele, levaria os veículos elétricos para as massas a um preço de US$ 35 mil. No acumulado deste ano, as ações da companhia, listadas na Nasdaq, registram alta de 104%.

Dois anos depois, com a Tesla bastante atrasada em suas metas de produção do Model 3, Musk foi ao programa de TV “CBS This Morning” para explicar que ele estava, mais uma vez, dormindo no chão de fábrica, sem tempo nem mesmo para ir em casa e tomar um banho. Depois, naquele ano, ele disse à revista Bloomberg Businessweek que usou as mesmas roupas durante cinco dias seguidos enquanto dormia em um sofá ou debaixo de uma mesa.

“A razão de eu ter dormido no chão não foi porque eu não podia atravessar a rua e ir para um hotel”, disse Musk na época. “Foi porque eu queria que as minhas circunstâncias fossem piores do que as de qualquer outra pessoa na empresa. Quando eles sentiam um incômodo, queria que o meu fosse pior.”

Quando foi criticado pela rispidez com os investidores em uma divulgação de resultados naquele ano, ele pôs a culpa na privação de sono. Mas quando a magnata da mídia, que se autodenomina guru do sono, Arianna Huffington, encorajou-o publicamente a dormir mais, ele rejeitou a ideia em um tuíte publicado às 2h30 da madrugada. “A Ford e a Tesla são as duas únicas montadoras americanas a evitar a falência”, escreveu. “Acabei de chegar da fábrica. Você acha que isso é uma escolha. Não é.”

Depois de Musk comprar o Twitter em 2022 e imediatamente lançar a empresa no caos ao demitir grande parte dos funcionários e se indispor com os anunciantes, ele fez com que todos soubessem que estava dormindo no chão da sede dela em São Francisco, enquanto trabalhava para inspirar uma cultura “hardcore” na empresa. Pouco tempo depois, surgiram relatos de que ele também tinha arranjado camas dobráveis para os funcionários dormirem no escritório, o que levou a uma investigação por parte dos inspetores de edifícios de São Francisco.

Pelo menos uma gestora do Twitter, talvez tentando ganhar pontos com o chefe, retuitou uma imagem dela mesma dormindo num saco de dormir no escritório. E escreveu: “Quando sua equipe está se esforçando dia e noite para dar conta dos prazos, às vezes você #Dormeondetrabalha.”

Claramente, este não é um homem que acredita no equilíbrio entre vida profissional e vida pessoal.

Periodicamente, surgem matérias sugerindo que o estilo de vida de Musk não é tão espartano quanto ele gostaria que o público – e seus funcionários – acreditassem. Todas as vezes, ele faz de tudo para refutá-las.

Em 2019, um ano depois de Musk aparecer em tantas manchetes por dormir no chão da fábrica, o Wall Street Journal catalogou o crescente portfólio imobiliário do bilionário, incluindo um “conjunto de seis casas em duas ruas” no luxuoso bairro de Bel-Air, em Los Angeles, e uma “grande e centenária propriedade no norte da Califórnia”. Ele teria supostamente até mesmo construído uma escola particular apenas para seus filhos. A história fez Musk parecer um típico magnata vivendo no bem-bom.

Ele não podia permitir isso. Em maio de 2020, tuitou que estava “vendendo quase todos os bens físicos” e “não teria uma casa”. Da porta de casa para fora pelo menos, ele parece ter seguido em grande parte com o plano, vendendo de volta até mesmo a casa do falecido ator Gene Wilder para a família de Wilder.

Em 2021, ele estava respondendo orgulhosamente um tuíte sobre como vive de forma modesta dizendo: “Minha casa principal é literalmente um imóvel de aproximadamente US$ 50k, na região de Boca Chica, que alugo da SpaceX. É meio incrível, na verdade.”

A jogada valeu a pena em publicidade. Em dezembro de 2021, o artigo da revista Time apontando Musk como a pessoa do ano começava com a frase: “O homem mais rico do mundo não é dono de uma casa”.

Depois, naquele mesmo mês, o Wall Street Journal publicou que Musk estava, na realidade, vivendo a maior parte do tempo na mansão de um amigo bilionário em Austin. Tanto Musk como o amigo imediatamente negaram que o CEO estivesse morando lá, embora o amigo reconhecesse que Musk “de vez em quando” ficava por lá “como meu convidado”.

Não há dúvidas de que Musk tenha experiência em dormir em sofás. A biografia dele escrita por Ashlee Vance e publicada em 2015 descreve como um assistente organizava os planos de viagem do bilionário enviando um e-mail enigmático para amigos de Musk com a mensagem: “tem espaço para uma pessoa”? Mas quando isso não funcionava, ele se hospedava em hotéis chiques, como o Rosewood Sand Hill, perto de Palo Alto.

Tudo isso pode ajudar a explicar por que Musk está tão interessado em fazer desaparecer o boato de que a Tesla estava construindo para ele uma extravagante casa de vidro em Austin. Para Musk, ser investigado por possíveis violações de regras burocráticas não é novidade e isso raramente faz com que desacelere seus planos. Mas ser acusado de querer viver numa casa própria maravilhosa, como qualquer outro cara rico? Isso ele não pode aceitar.