- Alexandre Schwartsman, ex-diretor de assuntos internacionais do Banco Central, diz não ter dúvidas de que o Brasil terá problemas fiscais daqui a três ou quatro anos
- Ele diz que, tanto com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, como na transição para o governo de Lula e após o fim da presidência de Dilma Rousseff, o País conseguiu aprovar reformas que deram fôlego às contas públicas
- Em entrevista ao E-Investidor, o economista indica os caminhos que considera necessários para a economia brasileira: "Existe uma agenda. É ir na prateleira, comprar e ter vontade de apresentar ao Congresso"
Neste início de 2021, praticamente todas as atenções do mercado financeiro estão direcionadas ao processo de vacinação pelo mundo e às perspectivas de retomada econômica. Ao longo dos próximos meses, com a esperada imunização da população e a normalização das atividades, a política econômica do governo brasileiro voltará ao centro do debate. E o que dará o tom da cobrança será o risco fiscal do País.
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Para o economista Alexandre Schwartsman, a discussão nem deve mais ser se há ou não um “risco”. O ex-diretor de assuntos internacionais do Banco Central, que atualmente comanda a consultoria Schwartsman & Associados, não tem dúvidas de que o Brasil terá problemas fiscais daqui a três ou quatro anos.
Apesar de outros momentos recentes de crise, Schwartsman aponta a situação atual como a mais grave do ponto de vista fiscal. Ele diz que, tanto com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, como na transição para o governo de Lula e após o fim da presidência de Dilma Rousseff, o País conseguiu aprovar reformas que deram fôlego às contas públicas. “Hoje não temos isso no horizonte”, afirma.
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O ex-diretor do BC, que também foi economista-chefe dos bancos ABN Amro e Santander, não acredita na capacidade do governo do presidente Jair Bolsonaro de conduzir a agenda econômica prometida. Schwartsman diz que no curto prazo, por exemplo, seria essencial estender um auxílio emergencial mais reduzido e direcionado à parcela da população mais vulnerável: “O fim do benefício dará outro tranco na economia”.
No longo prazo, ele aponta como fundamentais as reformas tributária e administrativa, as medidas da PEC emergencial para ajudar estados e municípios, a lei de responsabilidade social proposta pelo senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), entre outras ações. “Existe uma agenda. Está lá. É ir na prateleira, comprar e ter vontade de apresentar ao Congresso”, diz.
Confira, abaixo, a íntegra da entrevista com Alexandre Schwartsman:
“Existia uma perspectiva pré-pandemia de estabilização da dívida em um horizonte razoável. A pandemia matou de vez isso. Testou os limites da capacidade do governo, que já eram bastante estreitos
E-Investidor – Qual é o tamanho do risco fiscal hoje no País?
Alexandre Schwartsman – Antes da pandemia, havia uma perspectiva de recuperação econômica, de disciplina com a reforma previdenciária. Mas vemos uma mudança na trajetória do País. As expectativas de PIB são mais baixas do que imaginávamos. Só poderia mudar o rumo se fizéssemos as reformas necessárias para preservar o teto de gastos nos próximos cinco, seis anos.
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Com a paralisia do governo no que diz respeito às reformas, a ausência de alternativas de política econômica, não é nem que há ‘risco’ fiscal, é uma certeza que teremos um problema fiscal. Nos próximos três, quatro anos, vamos enfrentar problemas fiscais.
E-Investidor – Já tivemos outros momentos delicados na história do Brasil. A situação atual é a mais grave pela qual já passamos ou houve momento mais crítico no que diz respeito ao ambiente fiscal?
Schwartsman – Tenho a impressão de que é a mais grave. Sempre tivemos momentos de crise. Do primeiro para o segundo governo FHC (Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente), por exemplo, fizemos uma transição para o regime de câmbio flutuante e um ajuste que não foi o ideal. Houve também uma transição delicada do governo FHC para o Lula. Mas o Lula aumentou o superávit.
Mais recentemente, após o segundo governo Dilma (Rousseff, ex-presidente), não houve exatamente um ajuste, mas teve o teto de gastos, revertendo algo que parecia mais grave. Conseguimos aprovar reformas que em algum grau melhoraram as contas públicas. Hoje não temos isso no horizonte. Então, a situação parece mais grave.
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E-Investidor – A pandemia foi decisiva ou já caminhávamos para a mesma situação?
Schwartsman – Pesou bastante, agravou a situação. Existia uma perspectiva pré-pandemia de estabilização da dívida em um horizonte razoável. A pandemia matou de vez isso. Testou os limites da capacidade do governo, que já eram bastante estreitos.
Havia um plano de voo, fizemos a reforma da previdência e a PEC emergencial. Mas a situação ficou muito mais complicada. E o plano permanece o mesmo. Não conseguiram nenhuma ideia nova. É falta de imaginação. Ao longo desse caminho, o governo foi queimando as pontes com o Congresso. A aliança com o Centrão não faz parte de um plano de contribuição com reformas. Por um lado, temos a pandemia. E do outro, um governo que não mostra capacidade de avançar a agenda.
E-Investidor – Qual é a sua avaliação sobre a recente declaração do presidente da República, Jair Bolsonaro, de que o Brasil está quebrado?
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Schwartsman – Se for quebrado em não pagar as contas, não é verdade, pois o País está pagando. Se for porque não há espaço para mais nada no orçamento, sim. Tentando interpretar o que ele quis dizer, acredito que seja por não ter espaço no orçamento. Isso é verdade. Mas ele também estava respondendo sobre uma promessa de campanha, sobre a tabela do imposto de renda.
Conseguimos uma proeza: um orçamento de mais de um trilhão, mas o governo só pode usar 6% do total, que são os gastos discricionários, porque 94% são gastos obrigatórios.
E-Investidor – O governo vai conseguir privatizar as estatais prometidas, como Eletrobras e Correios, por exemplo?
Schwartsman – Claro que não. Não vai. Precisa ter um mínimo de competência no processo. Precisa contratar bancos, ver quanto vale. Petrobras, Banco do Brasil e Caixa estão fora. A Eletrobras estava no plano, mas não avançou. Quanto aos Correios ninguém fez nada e, provavelmente, não valem muita coisa. Temos um presidente que não compra a ideia e um ministro sem o mínimo de competência. Ficamos com a suposta competência do Tarcísio (Gomes de Freitas, ministro da Infraestrutura) no programa de concessões, mas a verdade é que avançamos muito pouco nas concessões.
“Tanto o aumento do desemprego como a arrecadação refletem o impacto da recessão propriamente dita. Não é uma crítica ao IBGE, mas nas circunstâncias atuais, a taxa ainda subestima o desemprego verdadeiro
E-Investidor – O desemprego chegou a 14,3% e já atinge 14,1 milhões de pessoas, segundo dados do IBGE divulgados em dezembro referentes ao trimestre de agosto a outubro. Até que ponto a menor arrecadação de impostos contribui para esse cenário?
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Schwartsman – Tanto o aumento do desemprego como a arrecadação refletem o impacto da recessão propriamente dita. Não é uma crítica ao IBGE, mas nas circunstâncias atuais, a taxa ainda subestima o desemprego verdadeiro. Muita gente saiu do mercado porque a perspectiva de emprego é ruim e pelo benefício do auxílio. Pode estar na casa dos 20 (o desemprego). Está refletindo um ‘trancaço’ que a economia sofreu. Verdade que caímos muito de fevereiro a abril. De lá para cá, não recuperamos o nível de emprego. Eram 94 milhões de pessoas empregadas em fevereiro e em outubro, 85,5 milhões, corrigindo a sazonalidade. Então, temos 8,5 milhões a menos trabalhando.
E-Investidor – Que medidas de curto prazo poderiam ser tomadas agora?
Schwartsman – No curto prazo, estender o auxílio, menor, mas mais localizado. O auxílio foi muito generoso comparativamente ao que podíamos pagar. Talvez não precisasse de R$ 600 para 68 milhões. Poderia ter sido mais focado em segmentos vulneráveis da população. O mercado de trabalho não se recupera. E o fim do auxílio vai dar outro tranco na economia.
E-Investidor – E de longo prazo?
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Schwartsman – Para o longo prazo, precisamos de reformas administrativa e tributária e passar as medidas da PEC emergencial para estados e municípios poderem lidar com gastos excessivos de pessoal. Também envolve a proposta que está sendo encampada pelo Tasso Jereissati (senador pelo PSDB-CE), a lei de responsabilidade social, que conseguiria manter o nível de gastos e conter efeitos mais fortes sobre desigualdade e pobreza. Existe uma agenda. A agenda está lá. Não exige ser um gênio. É ir na prateleira, comprar e ter vontade de apresentar ao Congresso.
E-Investidor – Como a questão fiscal afeta os investimentos estrangeiros no Brasil e a bolsa de valores? Ou o problema já está precificado?
Schwartsman – Difícil dizer. O interesse do investidor estrangeiro está ligado à liquidez. Os juros estão baixos em praticamente todos os lugares. O Fed (banco central americano) vem mantendo os juros baixos, com o Banco Central Europeu na mesma toada. Além disso, neste momento, o investidor está disposto a tomar risco por conta da chegada da vacina.
Vejo a recuperação de mercado em cima disso. Antes da crise, o dólar estava a R$ 4 e agora está a R$ 5. Tenho a impressão de que a bolsa brasileira não é a melhor maneira de medir a questão do risco. O risco transparece muito mais no câmbio e na curva de juros.
“Tenho a impressão de que a bolsa brasileira não é a melhor maneira de medir a questão do risco. O risco transparece muito mais no câmbio e na curva de juros
E-Investidor – O que o investidor precisa ter em mente sobre o risco fiscal antes de investir? Que informações são mais relevantes neste momento não ter surpresas lá na frente?
Schwartsman – A informação relevante é: vou ter meu dinheiro de volta? Basicamente, é isso. Se recebe de volta e compra menos depois, é um problema. Se compra menos, ele perdeu dinheiro. No caso do investidor brasileiro, a questão é se o retorno cobre ou não a inflação. Para o estrangeiro, é se o retorno vai ser maior ou menor que o dólar no período. Se for menor, ele perde dinheiro. E a variação do dólar vai depender da percepção do risco fiscal. Se ele tiver a sensação de que o risco vai fazer o dólar disparar, não coloca dinheiro aqui.
E-Investidor – Os juros baixos costumam estimular os investimentos, mas as expectativas são de que a Selic, hoje em 2%, já comece a subir ainda em 2021. Isso pode desestimular os investimentos no País?
Schwartsman – Eu trabalho ainda com inflação abaixo da meta para este ano. Então, não há motivos para subir os juros logo. A meta para o ano que vem é a Selic em 3,5%. Já mostra que é preciso normalizar a política monetária. O compromisso de não subir os juros era de a inflação ficar abaixo da meta.
Não acho que vai ser um fim de mundo. Está absolutamente no preço. Trabalha-se com um juro médio, não pelo Focus, mas pela curva de DI, em 4% na metade de 2021 e de 5,75% na primeira metade do ano que vem. A questão para o empresário não é a Selic. Ele vai olhar para um horizonte de “X” anos e calcular se receberá o dinheiro de volta valendo a mesma coisa.